Ex-major da Polícia Militar de Pernambuco José Ferreira dos Anjos |
Publicado
em 27/09/2012 por Urariano
Motta *
Recife
(PE) - Em
plena democracia, nós lemos os jornais e continuamos desinformados, pois as
autênticas notícias desaparecem do conhecimento público. O leitor faça um teste,
que mais de uma vez sem pretensão de analista, pratiquei. Vá, esteja presente a
um grande acontecimento político. Depois compare o que você viu, o mais
importante e escandaloso fato que você presenciou, com a notícia que aparecerá
nos jornais e na televisão. Verá um absurdo de versões, e de tamanha diferença,
que você vai se falar o maior absurdo: se os jornais falam a verdade, então eu
nunca estive onde pensei estar.
Na última
semana, a manchete que os jornais não deram e se dirá mais adiante, vem deste
magnífico momento do depoimento do ex-major Ferreira à Comissão Estadual da
Verdade. Depois de um breve histórico, em que os repórteres situariam os
antecedentes criminais do ex-major da Polícia Militar de
Pernambuco José Ferreira dos
Anjos, famoso
anticomunista, suspeito de envolvimento nos assassinatos do Padre Henrique e do
procurador Pedro Jorge, os jornalistas registrariam esta ótimo diálogo entre o
cientista político Manoel Moraes , da Comissão Estadual da Verdade, e o
ex-major. Que houve e se revela agora nesta coluna:
Ex-major
Ferreira – Na ditadura, o Exército brasileiro forjou aquela cena dos mortos
da granja São Bento. As pessoas foram presas em locais diferentes e mortas.
Juntaram os corpos na Granja pra justificar a ação, pra simular um
confronto.
Manoel
Moraes – Por quê, senhor Ferreira?
Ex-major
– Pra não dizerem que foram eliminados individualmente. Juntando todos,
forjaram o confronto. Aí virou troca de tiros em uma célula
terrorista.
Manoel
Moraes – Mas por que o Exército forjou isso?
Ex-major
– Com medo da opinião pública.
Manoel
Moraes – Mas por que o Exército, tão forte, ia ter medo da opinião
pública?
Ex-major
– Quem não tem, doutor?
Na
literatura, essa farsa da granja eu já havia antecipado em “Soledad no Recife”. Um dia fui
questionado, de onde eu havia tirado que os assassinatos não se haviam dado na
Granja de São Bento? Na ocasião, respondi com argumentos lógicos e de pesquisa,
mas não poderia dizer que a intuição era a maior força para revelar que a granja
era só cenário. Nas páginas do livro “Soledad no Recife”
escrevi:
As
notícias dos jornais disseram e continuarão a dizer, pois a cumplicidade com um
crime é permanente, que Soledad e companheiros foram mortos em 8 de janeiro de
1973. Mas em uma ditadura nem as datas dos jornais são verdadeiras. Por exemplo,
Soledad morreu em 7 de janeiro.
A
vida de Soledad ganhou mais um dia apenas nos tipos impressos das folhas. As
indicações são de que repressão e imprensa fizeram um acordo entre as datas dos
seis assassinatos de socialistas no Recife, da primeira à última execução em 8
de janeiro.
É
claro, nada houve como nas manchetes dos jornais de todo o Brasil, “seis
terroristas mortos em tiroteio”.
O
horror que vem da verdade é tamanho, que a mentira se acomodou fácil na mais
confortável versão.
Foram
seis homicídios, todos unidos e simplificados em um aparelho da Chácara São
Bento, um sítio na região metropolitana do Recife.
Todos,
pelo anúncio dos jornais, perigosos terroristas, que resistiram à bala ao cerco
das forças da ordem. Mas só depois de mortos se fez a maquiagem nos jovens
socialistas: com tiros, para melhor coerência do suplício com o papel dos
jornais. Pauline Reichstul, José Manuel, Soledad Barret, Evaldo Ferreira, Jarbas
Pereira, Eudaldo Gomes.
O
diabo é que, em plena democracia, o mais importante continua a não ser notícia.
Se não ocultam mais os crimes como antes, desta vez a ignorância histórica dá as
mãos à ideologia do dono do veículo. A manchete, que não veio, porque o diálogo
acima não virou notícia, teria sido:
“Exército
fraudou provas do massacre da granja São Bento”.
Em
compensação, esta semana, entrevistado na Rádio Jornal do Recife, o ex-major se
transformou em analista político da Comissão da Verdade:
A
Comissão da Verdade de Pernambuco é cópia de outras que existem por aí. É cópia
de Brasília e repete o mesmo erro. Deviam ouvir os dois lados. Olhem a
diferença. O amaldiçoado padre Alípio, da bomba de Guararapes, recebeu quase
dois milhões de reais de indenização, enquanto nós....
O
ex-major, atirador de elite, não foi sequer perguntado se nunca atirara em
gente. Comenta-se que ele fazia piada ao contar que em cercos a aparelhos de
“terroristas”, os jovens saíam rolando pelo chão “imitando filme de caubói”. Era
engraçado. Ele nunca errou um tiro.
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Enviado por Direto
da Redação
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