13/9/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online
Pepe Escobar |
“Papai,
o que é “dar-o-troco”?”
Eis
aqui uma historinha para contarmos às crianças, ao pé do fogo, num futuro
distópico que, afinal, nem está muito distante.
Era uma vez, no tempo da
“guerra ao terá [1]” de George Dábliu Bush, as Forças do Bem no Afeganistão
capturaram – e correspondentemente torturaram – um terrorista do mal, Abu Yahya
al-Libi.
Abu
Yahya al-Libi era, é claro, líbio. Padeceu três anos nas entranhas da prisão de
Bagram, próxima de Cabul, mas, sabe-se-lá como, deu jeito de escapar daquela
fortaleza supostamente sem saídas, em julho de 2005.
Naquele
tempo, as Forças do Bem viviam felizes, dormindo na mesma cama com o Coronel
Muammar Gaddafi na Líbia – cujos serviços de inteligência, para delícia do
governo Bush, estavam fazendo o melhor que podiam, quer dizer, sempre o pior,
para exterminar ou, no mínimo, isolar os salafistas-jihadistas de estilo
al-Qaeda, da espécie de al-Libi.
Mas
então, em 2011, as Forças do Bem, já sob nova direção, decidiram que era hora de
enterrar aquela oh-que-coisa-mais-velha “guerra ao têrá” e de lançar nova dança, um groove mais popular: nasceu a intervenção
humanitária, também caracterizada como “ação militar cinética”.
Foi
quanfo al-Libi voltou do mundo dos mortos – agora já alistado entre as Forças do
Bem, para derrubar (e eventualmente dar cabo) do coronel Gaddafi (“do mal”).
Al-Libi tornara-se “combatente da liberdade” – apesar de pregar abertamente que
combatia para converter a Líbia num Emirado Islâmico.
A
lua-de-mel durou pouco.
Em
setembro de 2012, pela primeira vez em três meses, o líder da al-Qaeda Ayman
al-Zawahiri (apelido, “O Cirurgião”), divulgou vídeo especial, de 42 minutos,
para “celebrar” o 11º aniversário do 11/9; e finalmente admitiu que seu Nº 2,
sim, passara dessa para melhor.
O
Nº 2, cuja morte al-Zawahiri anunciou, era ninguém menos que Abu Yahya al-Libi –
morto por um dos drones que o presidente Barack Obama dos EUA tanto
ama, no Waziristão, dia 4/6.
Efeito
instantâneo do vídeo de al-Zawahiri foi que um grupo armado e furioso, liderado
pelos islamistas do grupo Ansar al Sharia, pôs fogo no consulado dos EUA em
Benghazi. O embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens, foi morto. Não fez
diferença alguma que Stevens fosse um dos heróis dos “rebeldes da OTAN” que
“libertou” a Líbia – entre os quais, como se sabe, há vários
jihadistas-salafistas do tipo de al-Libi.
Stevens
só foi premiado por Washington com o posto embaixatorial, depois que Gaddafi “do
mal” foi linchado e morto por – e quem mais seria? – um bando armado e
furioso.
Assim,
finalmente, a serpente do dar-o-troco ficou em posição para morder o próprio
rabo.
Têrá, têrá, têrá
[1]
O
que aconteceu em Benghazi pode ter sido só protesto que fugiu ao controle,
contra um filme mal feito, coisa de amador, feito na Califórnia e dirigido por
um israelense-norte-americano, dono de construtora, conhecido islamófobo
(identidade que já se ouve dizer que seria falsa), financiado com 5 milhões de
dólares recebidos de doadores judeus, no qual se diz do Islã que seria “um
câncer” e do profeta Maomé que seria mulherengo, pedófilo e, o pior de tudo,
falso profeta. O filme foi intensamente propagandeado pelo mesmo pastor-doido da
Flórida que já queimou livros do Corão, o completamente pirado Terry Jones.
Mas
a morte do embaixador dos EUA na Líbia é só um
hors d'oeuvre do que pode
acontecer na Síria – onde multidões de “combatentes da liberdade” apoiados pela
CIA e pela Turquia, e a Casa de Saud, estão associados à al-Qaeda, ou mediante o
supostamente reformista Libya Islamic
Fighting Group (LIFG) ou mediante enxames de gangues armadas subcontratados
por enxames de siglas como AQAP (Al-Qaeda
in the Arabian Peninsula) ou AQIM (al-Qaeda in the Maghreb).
Assim
sendo... como Washington algum dia conseguirá “levar os perpetradores à justiça”
na Líbia? Afinal, são exatamente a mesma gangue de perpetradores que foram
saudados como “heróis” quando lincharam e assassinaram Gaddafi “do mal”.
Há
mais de um ano Asia Times
Online vem alertando sobre
operações de “dar-o-troco” na Líbia – e potencialmente também na Síria, onde
xeiques sauditas medievais vivem freneticamente a lançar fatwas para legitimar o massacre de alawitas ditos
“infiéis”. É reprise do velho filme da
jihad afegã dos anos 80s:
primeiro, são louvados como “combatentes da liberdade”; quando nos atacam, viram
“terroristas”.
Hoje,
temos salafistas-jihadistas armados pela OTAN, na Líbia; e salafistas-jihadistas
financiados pela Casa de Saud e acampados na Turquia, na Síria – todos eles
usando táticas de “têrá”, como suicidas-bomba, para derrubar o regime de Assad,
todos com coletes-bomba já plugados e prontos a voar pelos ares. Não há dúvida
de que a “ação cinética” de Obama ficou cinética de verdade.
Às
vezes – como no Afeganistão – o dar-o-troco demora anos. Dessa vez, o Sr.
Dar-o-troco precisou só de poucos meses para erguer a cabeçorra horrenda. E é só
o começo.
E
agora? Quem vocês vão varrer à bomba? Quem vocês vão dronar até a morte? Quem sabe varrem Benghazi do
mapa, um ano depois de terem assassinado Gaddafi porque Gaddafi ameaçou...
varrer Benghazi do mapa?
Perguntem
à secretária de Estado dos EUA, Hillary “Viemos, vimos, ele morreu” Clinton, que
diz falar em nome do “povo líbio”. Quem sabe ela inventa, agora, uma política de
retroativamente realinhar os EUA, com Gaddafi?
Aliás,
dado que os EUA estão em ano eleitoral, por que não perguntam diretamente ao
invisível ex-presidente Bush? Afinal de contas, dia 20/9/2001, Bush proclamou
que “ou estão conosco, ou estão com os têrá-ristas”.
Ééééé,
diria o Sr. Dar-o-troco... Tudo pode acontecer com quem se deita com
têrá-ristas...
Nota dos
tradutores
[1] Bush (filho) nunca conseguiu
pronunciar corretamente a palavra “terror” [em inglês de New York , diz-se,
aproximadamente, /têror/]; Bush dizia, aproximadamente, /têrá/. Aqui se tenta
uma tradução com transliteração aproximada, tentativa. Melhores soluções são
bem-vindas.
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