16/9/2012, Paul Rogers, de
Liberation, the future of journalism
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Professor Paul Rogers |
Há
flagrantes conexões ao longo dos anos e das guerras, na transformação do
armamento. Falta pouco para os grupos de resistência começarem a usar versões
locais dos aviões-robôs armados, os drones, que hoje são o armamento
preferencial das potências bélicas ocidentais.
Os
últimos anos da guerra fria, anos 1970s e 1980s, foram dominados pelas questões
nucleares, corrida nuclear armamentista, Trident, os mísseis SS-20 soviéticos,
os mísseis cruzadores usados na antiga base aérea de Greenham Common, na
Grã-Bretanha e noutros pontos. Naquele período controverso, houve notáveis
desenvolvimentos técnicos que tiveram enorme importância anos depois. Um desses
desenvolvimentos foi o próprio míssil cruzador de longo alcance.
Muitos desses mísseis eram armados
com bombas atômicas, mas número ainda maior transportavam armas convencionais.
Grande número deles foram usados nos ataque de janeiro-fevereiro de 1991 contra
forças iraquianas que haviam ocupado o Kuwait. O elemento crucial foi a produção
de pequenas máquinas super eficiente, de motores turbo, que podiam lançar os
projéteis a distâncias de 1.500 quilômetros e até mais
longe. Essas máquinas tinham instalados também sistemas de orientação avançados,
inclusive o Tercom System [1], que garantia precisão de menos de
vinte metros naquela distância. Mas eram armas limitadas – porque os
computadores de bordo eram pré-programados, e as coordenadas do alvo, uma vez
fixadas, não podiam ser alteradas depois de o míssil ser disparado. Os
aviões-robôs armados, os drones, que foram desenvolvidos no início dos
anos 1990s, alteraram precisamente esse detalhe.
Mas
algo mais estava mudando também no mundo: estava aumentando muito a frequência
dos homens-bomba, suicidas-bomba ou mártires-bomba – homens e mulheres dispostos
a dar a própria vida em ataques quase sempre de grandes proporções, em nome da
causa pela qual lutem. O que poucos percebem é que, em mais de um sentido
importante, praticamente não há diferença entre o homem-bomba e o drone.
A evolução do
combate
O
homem-bomba é arma que permite por os explosivos em posição bem próxima do alvo.
E o momento da detonação é decidido no local, podendo sempre ser cancelado. O
homem ou mulher, nesse caso, pode considerar as circunstâncias de oportunidade e
pode localizar a arma com grande precisão. E contramedidas, como paredes ou
sistemas de revista e vigilância, podem ser evitados ou enganados.
No
centro dessa ação quase sempre há um homem ou mulher voluntário, dedicado,
inteligente, ativamente consciente de seu objetivo e do contexto que o cerca. O
comprometimento pode ter raízes políticas, de fé, de identidade étnica – e a
determinação para completar a missão pode ser, e não raras vezes é, extremamente
alta, depois de iniciada a operação. O enorme impacto da ação de suicidas-bombas
já é bem conhecido, pelo menos desde o 11/9, mas houve ações de amplas
consequências já bem antes daquele momento.
Um
guerrilheiro do grupo Tigres do Tamil (LTTE), por exemplo, que carregava
explosivos junto ao corpo matou o ex primeiro-ministro da Índia Rajiv Gandhi e
outras 14 pessoas, dia 21/5/1991. O agente, Thenmozhi Rajaratnam, aproximou-se
de Gandhi a ponto de por-lhe ao pescoço um colar de flores, antes de ativar os
explosivos.
Em outubro de 1995, o exército do
Sri Lanka desalojou o LTTE da cidade de Jaffna, onde mantinham sua principal
base, em campanha difícil e brutal. A reação veio em atentado devastador, dia
31/1/1996, quando um suicida-bomba detonou um caminhão carregado de explosivos
junto à entrada principal do Banco Central, dentro do coração do centro
comercial da capital, Colombo. Foram destruídos ou muito danificados vários
prédios do governo e de grandes empresas, e morreram mais de 100 pessoas; outras
1.400 pessoas foram atingidas por fragmentos de pedra, metal e vidro resultantes
da explosão (sobre isso, ver 14/2/2008, “The
asymmetry of economic war” [A assimetria da guerra econômica].
Nos
últimos dez anos, a maioria desses ataques têm acontecido no Oriente Médio e Sul
da Ásia, mas praticamente todos mostram as características listadas acima. São
sempre efetivos; e são ataques difíceis de conter sem quantidade considerável de
recursos.
Salta aos olhos a semelhança com
os aviões-robôs, os drones, armados. Drones do tipo Reaper
carregam vários mísseis ar-terra, podem voar durante horas e são “voados” em
tempo real por operadores localizados a milhares de quilômetros de distância.
Não há risco para esses operadores; e elimina-se o fator suicídio. Os
drones podem não ter toda potencial precisão de um suicida-bomba e, nos
segundos finais, imediatamente antes do impacto, os mísseis já disparados não
podem ser desviados ou desligados. E a ação depende completamente de informações
de inteligência, que sempre pode ser imprecisa ou errada e, como nos ataques
suicidas, o alvo pode estar acompanhado de outras pessoas, inclusive familiares.
Apesar disso, os drones são, cada vez mais, armas preferenciais (ver “Drone
warfare: cost and challenge” [Guerra de drones, custo e desafios,
23/6/2011].
Hilária e um drone - miniatura |
A
maior parte dos desenvolvimentos para os aviões-robôs armados nas últimas
décadas foram norte-americanos e israelenses, mas o grau de proliferação desse
tipo de arma é notável, pelo menos entre os países da OTAN. Israel faz uso
extensivo de drones, mas os EUA são campeões absolutos, com aviões-robôs
armados que são “voados” da base da Força Aérea em Creech, perto de Las Vegas;
seguidos pela Grã-Bretanha, que está mudando sua própria base, de Creech para
Waddington, sul de Lincoln, no leste da Inglaterra, um dos principais centros de
guerra da Royal Air Force (air-warfare centre, AWC-RAF).
O efeito
“dar-o-troco”
No momento, há “equilíbrio” entre
a quantidade de ataques de suicidas-bomba e ataques de drones. Em
2007-08, os ataques por suicidas-bomba apareciam em maior número, mas os
drones armados já “recuperaram a diferença” (ver Michael Hastings, “The
Rise of the Killer Drones: How America Goes to War in Secret” [O
crescimento dos drones matadores: a guerra secreta dos EUA”,Rolling
Stone, 12/4/2012].
O conflito vai-se convertendo, de
guerra expedicionária, com dezenas de milhares de “coturnos em solo”, em guerra
por “controle remoto” na qual se reúnem os drones armados, forças
especiais, empresas privadas que prestam serviços de guerra ao Pentágono, e,
possivelmente, alguma “Prontidão para Ataque Global Instantâneo” [orig. “Prompt
Global Strike”] com mísseis balísticos armados com armas convencionais. Os
drones armados serão provavelmente peça central de tudo isso, com cada
vez mais pesquisas, desenvolvimentos, produção, deslocamento e uso, em futuro
próximo (ver “America’s
global shift: drone wars, base politics” [Mudança global nos EUA: guerra
de drones como base da política, 3/5/2012].
E
vem o efeito dar-o-troco.
Com os movimentos paramilitares
aprendendo a reagir, a faixa de opções na qual operam começa pela utilização de
tecnologias já disponíveis. Podem receber ajuda e apoio de regime aliado – caso
dos drones não armados guiados por televisão já usados pelo Hezbollah,
que empregam tecnologia iraniana e tanto preocupam os israelenses (ver “Hizbollah’s
warning flight” [O voo de aviso do Hezbollah], 5/5/2005).
Já bem perto de chegar lá, a fusão
de tantas tecnologias de duplo uso, com as capacidades de engenheiros e técnicos
habilitados e competentes, a serviço de movimentos radicais de resistência,
implica que drones armados, comandados e operados por atores não estatais
serão, em bem pouco tempo, traço de uma guerra assimétrica transnacional (ver
“An
asymmetrical drone war” [Uma guerra assimétrica de
drones], 19/8/2010)
Além
disso, e mesmo sem usar drones, deve-se prever que movimentos
paramilitares de resistência organizem-se para atingir centros da guerra de
drones, como as bases Creech e Waddington e, se não as próprias bases, os
alvos menos bem guarnecidos que haja nas vizinhanças das bases.
Mas o que planificadores e
estrategistas militares, deputados, senadores e políticos em geral, no ocidente,
parecem absolutamente não ver é que, embora a guerra de drones só muito
raramente seja assunto que a imprensa-empresa ocidental noticie com alguma
profundidade, ela é manchete praticamente diária, várias vezes ao dia, nas redes
de televisão regional e por satélite em todo o Oriente Médio e
Ásia. E ainda mais ampla e insistente é a cobertura dos ataques de
drones, em toda a mídia social do mundo jihadista. E em todos
esses veículos e meios, as imagens da morte e do sofrimento gerado nos ataques
de drones são muitíssimo mais terríveis que qualquer coisa que estejamos
habituados a ver no ocidente (ver “Every
casualty: the human face of war” [Cada morte: a face humana da guerra”,
15/9/2011].
Por hora, os drones matam sem
encontrar resistência e reação direta – mas esse é fenômeno temporário, uma
fase, que logo passará. Em poucos anos, talvez mesmo em apenas poucos meses, a
próxima fase dessa guerra eclodirá, quando grupos paramilitares da resistência
começarem a reação. Como já se viu em outros detalhes da “guerra ao terror”, a
sedução das vantagens de curto prazo mascaram consequências de longo
prazo.
Nota
dos tradutores
[1]
Os mísseis eram
guiados por um sistema de navegação inercial que era atualizado durante o voo,
por uma técnica chamada Tercom
(terrain contour matching), que usava mapas armazenados na memória do
computador instalado no próprio míssil.
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