O Brasil riremos por último, de
vocês todos, até dos “cães de guerra” (by Shakespeare), do
STF-2012!
Ainda sob o impacto da cena
detestável montada pela jornalista Hildegard Angel [1], não se sabe se por ingenuidade,
mas prova de que não se podem misturar jornalismo e política, nos sentimos na
obrigação de lembrar algumas coisas.
Há
zilhões de zilhões de coisas que se têm de lembrar. Não conseguiremos lembrar
muitas, nem há tempo. Mas lembraremos aqui, pelo menos, uma:
--
o contexto narrativo, discursivo em que, na peça de Shakespeare, acontece o
discurso que a jornalista Hildegard Angel desossou e subutilizou.
Evidentemente,
o discurso do “vim enterrar Cesar, não vim elogiar Cesar” não é toda a conversa.
Se fosse, nem Shakespeare seria Shakespeare! [risos, risos]
Antes
daquele discurso, Marco Antonio chegara ao Senado, momentos depois do
assassinato de Cesar, resultado de complô de cuja armação Marco Antônio tinha
conhecimento. Em vários sentidos, Marco Antônio é cúmplice dos assassinos; num
mínimo por não ter impedido o assassinato; noutro mínimo, por ser amigo de
césares. Sempre fora amigo daquele Cesar e sabia o quanto Cesar não acreditara
nos muitos sinais prévios de que o complô estava em marcha. (Daí , aliás, a surpresa
de Cesar, já convertida em dito popular: “Até tu, Brutus?!”). Exatamente por
Marco Antônio ser notório amigo de Cesar, a multidão o recebe mal, supondo que
ele viesse “elogiar o ditador”, uma das falas que se ouvem “da massa”
fascistizada, antes de a massa ser conduzida/persuadida pelo discurso de Marco
Antônio a começar a desconfiar mais dos senadores que de Cesar. Por isso, para
explicar a que veio e ganhar alguma confiança da massa, Marco Antônio abre seu
discurso com uma justificativa:
“vim
enterrar, não elogiar”.
Mas,
antes disso, na cena anterior, chegado ao Senado, Marco Antônio conversara com
os senadores assassinos. Todos ali se conhecem muito bem. Marco Antonio pede
licença aos senadores assassinos para falar à assembleia, fazer uma espécie de
“encomendação” do morto. Os senadores lhe dizem que sim, que pode falar, mas que
tenha cuidado com o que vai dizer. Que nada diga contra os assassinos. Que meça
as palavras. Mas que, sim, tem autorização para falar à assembleia. De lado,
entre eles, os senadores comentam que será bom, mesmo, que fale, como “prova” de
que o Senado (para a jornalista Hildegard Angel, o STF) seria “isento”.
Então,
os senadores assassinos saem para a praça (não sem antes examinarem as túnicas:
que não aparecessem eles, lá, ainda respingados de sangue!). Marco Antônio fica
a sós com o morto. E ali, então, sim, antes de ir à praça, ele fala, de fato, pelo morto.
Essa
fala é muito mais politicamente significativa, do que o discurso posterior, à
multidão.
De
fato, nem se pode entender corretamente o discurso à multidão, senão no contexto
narrativo da peça.
Marco
Antônio sabe que aquele assassinato põe Roma sob grave risco. Não se trata,
absolutamente não, de pedir que algum Senado/STF “faça justiça”.
Trata-se,
isso sim, no discurso de Marco Antônio do “vim enterrar (etc.)”, de ele
conseguir-fazer-ver – conseguir mostrar! – à multidão, um Senado/STF que, das
duas, uma ou ambas: (a) ou o
Senado/STF se deixou conversar pela baboseira moralista, justiceira,
vingancista, metida a “ética” do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) udenista e
eternamente golpista no Brasil há mais de 60 anos; ou trata-se de Marco Antônio
conseguir mostrar à assembleia (b)
que o próprio Senado romano/STF é, ele mesmo, uma desgraçante fonte
desdemocratizatória de mal “legalizado”.
Porque,
se Marco Antônio não conseguir mostra (a) ou (b) acima, ou (a) e (b), e o povo for mantido engambelado,
duas desgraças acontecerão:
(c) O
Senado/STF desmoraliza-se, de vez; além de assassino, terá também fracassado no
servicinho, reles, sujinho, mas ainda importante, de manter a aparência de
grandeza de Roma (ou de manter ativa a reles democracia que há no Brasil; que é
reles, mas que, pelo menos, arremedo de democracia e reles, que seja, ainda tem
de manter algum ar de democracia, porque, se não mantiver, nem a luta pela real
redemocratização do Brasil conseguirá avançar). E, segundo,
(d), se o
Senado/STF desmoralizar-se de vez, Roma se torna ingovernável. E se acaba. E
babaus pré-redemocratização engatinhante, hoje em curso no Brasil.
Exatamente
porque Marco Antônio sabe de tudo isso é que ele sabe que tem o dever
político (não algum “dever de amigo”! Que besteira é essa, D. Hildegard?!
Numa hora dessas?! Faça-me o favor!) de falar à Assembleia: para impedir que a
multidão deseducada, desdemocratizada,
manipulada-conduzida-enlouquecida-fascistizada pelo gesto assassino dos
senadores/STF, decida julgar, ela mesma, todos os crimes de todos os senadores e
degolá-los na praça, operação na qual o primeiro degolado seria, só pra começar,
o império romano. Ou, no caso, Brasília inteira, o STF e toda a frágil, reles,
fragilíssima quase-democracia brasileira.
O
discurso de Marco Antônio, portanto, não é discurso para “falar a favor” do
morto, ou falar “como amigo” do morto, nem, muito menos, ocasião para “explicar
o morto”. Marco Antônio sabe que nenhum morto jamais será despido, pela morte ou
pelo amor dos amigos, da própria história e papel político – nem por sentença de
algum STF! É o contrário disso! A assembleia tem de despertar para a consciência
do próprio poder: cabe a ela democratizar o senado romano e o STF-2012 em
Brasília. Trata-se disso.
Mais
uma: o discurso de Marco Antônio não é, de modo algum, “emotivo” ou “emocional”
– o que o xororô da jornalista Hildegard Angel é e só é. É, outra vez, o
contrário disso, e mais um traço que a jornalista Hildegard Angel não soube ler
em Shakespeare.
O
discurso de Marco Antônio é discurso milimetricamente construído como peça
pensadíssima de oratória política com objetivo claro: Marco Antônio fala,
exclusivamente, para fazer reverter a loucura da multidão que, naquele momento,
quer mais sangue. Evidentemente, nem Marco Antônio nem Shakespeare cometem a
temeridade tola de supor que seria possível persuadir senadores assassinos/STF,
assim, só no gogó!
Como
se os senadores assassinos/STF não soubessem da longa, potente, bela história
política do ministro José Dirceu!
Como
se estivessem fazendo o que estão fazendo porque não soubessem da importância
histórica e das capacidades do ministro José Dirceu!
Como
se não soubessem que o ministro José Dirceu é o ÚNICO sobrevivente da
resistência à ditadura que sobreviveu, até hoje, como está -- e felizmente para
o Brasil -- ainda próximo, aliado, ombro a ombro, do poder brasileiro
democrático.
O
ministro José Dirceu está sendo julgado PRECISAMENTE porque aqueles ministros do
STF são manifestação de todas as forças mais reacionárias que jamais houve no
Brasil, apenas que, hoje, mais “civilizadas”. As mesmas forças, em estado mais
“bruto”, mataram Getúlio. Mas o Brasil avançou muito! Hoje, aquelas mesmas
forças reacionárias já não têm poder para matar o ministro José Dirceu, o
presidente Lula, a presidenta Dilma e os votos da maioria dos brasileiros que
são avalistas da democracia brasileira, hoje, mais poderosos, os nossos votos,
do que jamais foram, em 500 anos. Então aqueles ministros, que vestem a toga
como se usassem cetro e coroa -- ou o pelourinho e o tronco! -- lá ficam,
consumindo tardes e tardes e tardes infindáveis naquela patética “leitura de
votos”... Como se a extensão dos votos lidos, as pilhas de páginas engordadas
com detalhes de inquérito policial, com raras linhas de consideração ao que
determina a lei, bastasse para acrescentar conteúdo democratizatório aos tais
“votos”!
E
desde quando, por falar nisso, o fato de algum daqueles ratos do PP terem
recebido dinheiro no dia de uma ou outra votação prova(ria) que houve compra de
votos?! Desde quaaaaaaaaaando, ministro Joaquim Barbosa?! No mesmo dia em que
recebeu dinheiro, um daqueles ratos do PP teve um filho. Está(ria) provado que
recebeu dinheiro para ter um filho?! Não fosse tão doentio ridículo, seria de
rolar de rir.
Aqueles
ministros conhecem todas as capacidades do ministro José Dirceu!
Nenhum
“mensalão” (que nunca existiu) poderia algum dia ter sido mais corrompedor que o
movimento pelo qual o governo de FHC comprou a própria reeleição. Nenhum
“mensalão” (que nunca existiu) foi algum dia mais corrompedor que as operações
pelas quais todo o dinheiro das privatizações foi “desaparecido” -- e jamais
buscado!
A
Privataria Tucana aí está, um catatau de provas suuuuuuuuper probatórias e já
reunidas e publicadas, mas ainda à espera da atenção do ministro Joaquim
Barbosa... Mas o STF, agora, tem de fazer o diabo, pra tentar enterrar Dirceu
vivo! É a lei. Como repete a jornalista Hildegard Angel. E a jornalista
Hildegard Angel é jornalista honrada.
O
que Marco Antônio e Shakespeare sabem e fazem por aquele discurso é coisa muito
diferente disso. Os dois sabem que têm
de tentar persuadir a multidão e impedir que a loucura assassina que vem “de
cima” se alastre, sem controle possível, para “baixo”. E basta saber disso,
para ver que a jornalista Hildegard Angel cometeu uma temeridade (no mínimo),
naquela “paráfrase” arrogante.
O
que nos interessa lembrar é que, antes do discurso do “não vim elogiar, vim
enterrar” famosésimo, há, em
Shakespeare, do mesmo Marco Antônio, sozinho com o corpo de Cesar assassinado,
dentro do Senado, o também muito conhecido, embora menos citado por jornalistas
e outros re-citadores de repetição – e não por acaso!
É
conhecido como o “discurso contra os cães da guerra”. E esse, sim, é Shakespeare
a ser recordado aos ministros do STF e ao Brasil em geral, hoje.
Aqui
vai esse outro discurso, em tradução de trabalho, que fazemos agora, na
correria.
É nossa
contribuição para tentar impor alguma racionalidade ao chilique
jornalístico-espetaculoso da jornalista Hildegard Angel.
Julio
Cesar,
Shakespeare, ato 3, cena 1
(em
português, mas a tradução é HORRENDA). Fiquem, pelo menos prá começar, com a
nossa tradução, abaixo. Todas as correções são
bem-vindas.)
BRUTO —
Marco Antônio, aqui tens o corpo. No discurso fúnebre, não deves lançar nenhuma
censura sobre nós. Dize de César todo o bem que quiserdes, explicando que nós te
demos permissão para falar. A não ser isso, ficareis excluído das cerimônias
fúnebres. E ainda: tu falarás da mesma tribuna em que eu falar, depois de
mim.
ANTÔNIO
— É o que desejo. Está bem.
BRUTO —
Prepara, então, o corpo e vem conosco.
(Saem
todos, com exceção de Antônio.)
ANTÔNIO,
ao cadáver — Meu amigo, pedaço de terra a verter sangue, perdoa que me mostre
humilde e brando com estes carniceiros! Fizeram de ti a ruína do mais nobre
homem que jamais viveu na corrente do tempo. Ai, ai da mão que fez correr tão
precioso sangue! Mas aqui vaticino, ante tuas feridas. Falo pelas bocas mudas,
que me pedem língua, voz e fala:
Sobre
os teus assassinos e sobre os homens que se calaram, a maldição desabará. Lutas
internas sem fim. A mais terrível das guerras civis encherá cada canto dessa
Roma. O sangue e a destruição de tal maneira ficarão familiares, vulgares, que
até as mães acabarão por sorrir à vista dos filhos massacrados pela guerra. A
honra será asfixiada, pelo hábito do crime. O espírito do César assassinado –
porque nenhum complô assassina o espírito de um homem que se alimentou do melhor
que havia no povo – clamará seu quinhão. E voltará, rubro ainda do inferno, para
gritar em tom de mando contra a injustiça: “Luta sem quartel!” Este assassinato
horrível empesteará Roma de cadáveres que reclamarão honra e sepultura. E assim
se soltarão os cães da guerra.
Então,
entra um criado, que ajudará Marco Antônio a preparar o corpo para ser levado a
cerimônia, à frente do Senado, onde Marco Antônio fará o discurso do “vim
enterrar” etc. etc., que a jornalista Hildegard Angel meteu-se a parafrasear.
Mas cujo argumento ela inverte!
Muito
estranhamente, a jornalista Hildegard Angel pré-mata. Quer dizer: ela primeiro
mata e enterra, preventivamente, um homem vivo! Para, então, por-se a elogiá-lo,
em perfeita
segurança. Digamos que é movimento tolo. Digamos que não passou
disso.
Felizmente,
o nosso ministro José Dirceu está e segue vivíssimo, graças a deus, para o bem
do Brasil. E nem de longe corre algum risco de ser morto por sentença do STF.
O
Brasil é infinitamente complexo. Dessa complexidade, vem nossa força. A força
que nos trouxe até 2012, e que nos levará adiante.
O
ministro Joaquim Barbosa não fará história. Nós e o ministro José Dirceu, sim,
fizemos, fazemos e faremos a história do Brasil.
Fato
é que nem Shakespeare, em toda a sua glória, daria conta da tragicomédia que o
STF-2012, que aprende leis, justiça e democracia nos jornais do Grupo GAFE
(Globo-Abril-FSP-Estadão), está escrevendo em Brasília!
Pois
que se lixem! Pois inventem lá o que queiram! Façam lá o que lhes dê na telha!
Vocês são patéticos! O Brasil é mais! O Brasil riremos por último, de vocês
todos.
Também riremos muito desse patético “jornalismo” que desgraça o Brasil, até quando é bem intencionado!
Também riremos muito desse patético “jornalismo” que desgraça o Brasil, até quando é bem intencionado!
Dirceu
vive! No pasarán! Venceremos! Só a luta ensina! Viva o Brasil!
São
Paulo, 18/9/2012
Coletivo
Vila Vudu de Tradutores/redecastorphoto
Notas
da redecastorphoto e do pessoal da Vila Vudu
[1]
Pode ser visto, como referência, a seguir, mas não se recomenda: é
HOR-RÍ-VEL.
[2
Marco
Antônio by Shakespeare, como nós e Shakespeare, conhecemos bem os riscos
de, naquelas/atuais circunstâncias, deixar falar também o coração, risco aliás
idêntico a deixar falar só o coração. Às tantas, Marco Antônio diz: “Permitam-me que me cale, porque meu coração
desceu ao túmulo com Cesar. Peço tempo para reencontrá-lo”, fala que é
perfeita formação, em discurso, da consciência política clara de que política se
faz também com o coração; que se pode fazer até sem coração; mas que nunca,
nunca, em nenhum caso, se pode fazer só com o coração (Lênin vive!). Isso a
jornalista Hildegard Angel também não soube ler em
Shakespeare.
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirLindo, corretíssimo, o texto-discurso do nosso Coletivo, ligado inteligentemente a esta Pátria de todos, inclusive dos "cães de guerra" que sabemos escorraçar, com amor e honestidade, longe das "éticas" de titica que bem conhecemos. Manca esta República, desde os tempos de Arthur Bernardes e Aurelino Leal - antes, era só um pseudo-Império de barrete frígio - marcada pelas tragédias políticas de 1935, 1937, 1964, 1968, e estamos aqui para ajudá-la sempre a soerguer-se. As crapulices demonstram que as camadas reacionárias têm consciência exata disso. Agora mesmo, a Comissão da Verdade quer investigar só agentes públicos, deixando de lado talvez os piores, os agentes privados, prepostos do imperialismo, financiadores da repressão assassina, inclusive da mãe e irmão da jornalista. O STF jamais corrigirá sua decisão de isentar os assassinos, criando uma hermenêutica safada da Lei de Anistia. O ministro José Dirceu sabe disso, o seu julgamento resulta disso. Esses "cães de guerra" shakespearianos é que deveriam ser julgados, mas nos falta uma corte jurisdicionada para tal.
Abraços do
ArnaC