quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Não e não! Nunca, D. Hildegard! Dirceu vive!


O Brasil riremos por último, de vocês todos, até dos “cães de guerra” (by Shakespeare), do STF-2012!

Ainda sob o impacto da cena detestável montada pela jornalista Hildegard Angel [1], não se sabe se por ingenuidade, mas prova de que não se podem misturar jornalismo e política, nos sentimos na obrigação de lembrar algumas coisas.

Há zilhões de zilhões de coisas que se têm de lembrar. Não conseguiremos lembrar muitas, nem há tempo. Mas lembraremos aqui, pelo menos, uma:

-- o contexto narrativo, discursivo em que, na peça de Shakespeare, acontece o discurso que a jornalista Hildegard Angel desossou e subutilizou.

Evidentemente, o discurso do “vim enterrar Cesar, não vim elogiar Cesar” não é toda a conversa. Se fosse, nem Shakespeare seria Shakespeare! [risos, risos]

Antes daquele discurso, Marco Antonio chegara ao Senado, momentos depois do assassinato de Cesar, resultado de complô de cuja armação Marco Antônio tinha conhecimento. Em vários sentidos, Marco Antônio é cúmplice dos assassinos; num mínimo por não ter impedido o assassinato; noutro mínimo, por ser amigo de césares. Sempre fora amigo daquele Cesar e sabia o quanto Cesar não acreditara nos muitos sinais prévios de que o complô estava em marcha. (Daí, aliás, a surpresa de Cesar, já convertida em dito popular: “Até tu, Brutus?!”). Exatamente por Marco Antônio ser notório amigo de Cesar, a multidão o recebe mal, supondo que ele viesse “elogiar o ditador”, uma das falas que se ouvem “da massa” fascistizada, antes de a massa ser conduzida/persuadida pelo discurso de Marco Antônio a começar a desconfiar mais dos senadores que de Cesar. Por isso, para explicar a que veio e ganhar alguma confiança da massa, Marco Antônio abre seu discurso com uma justificativa:

“vim enterrar, não elogiar”.

Mas, antes disso, na cena anterior, chegado ao Senado, Marco Antônio conversara com os senadores assassinos. Todos ali se conhecem muito bem. Marco Antonio pede licença aos senadores assassinos para falar à assembleia, fazer uma espécie de “encomendação” do morto. Os senadores lhe dizem que sim, que pode falar, mas que tenha cuidado com o que vai dizer. Que nada diga contra os assassinos. Que meça as palavras. Mas que, sim, tem autorização para falar à assembleia. De lado, entre eles, os senadores comentam que será bom, mesmo, que fale, como “prova” de que o Senado (para a jornalista Hildegard Angel, o STF) seria “isento”.

Então, os senadores assassinos saem para a praça (não sem antes examinarem as túnicas: que não aparecessem eles, lá, ainda respingados de sangue!). Marco Antônio fica a sós com o morto. E ali, então, sim, antes de ir à praça, ele fala, de fato, pelo morto.

Essa fala é muito mais politicamente significativa, do que o discurso posterior, à multidão.

De fato, nem se pode entender corretamente o discurso à multidão, senão no contexto narrativo da peça.

Marco Antônio sabe que aquele assassinato põe Roma sob grave risco. Não se trata, absolutamente não, de pedir que algum Senado/STF “faça justiça”.

Trata-se, isso sim, no discurso de Marco Antônio do “vim enterrar (etc.)”, de ele conseguir-fazer-ver – conseguir mostrar! – à multidão, um Senado/STF que, das duas, uma ou ambas: (a) ou o Senado/STF se deixou conversar pela baboseira moralista, justiceira, vingancista, metida a “ética” do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) udenista e eternamente golpista no Brasil há mais de 60 anos; ou trata-se de Marco Antônio conseguir mostrar à assembleia (b) que o próprio Senado romano/STF é, ele mesmo, uma desgraçante fonte desdemocratizatória de mal “legalizado”.

Porque, se Marco Antônio não conseguir mostra (a) ou (b) acima, ou (a) e (b), e o povo for mantido engambelado, duas desgraças acontecerão:

(c) O Senado/STF desmoraliza-se, de vez; além de assassino, terá também fracassado no servicinho, reles, sujinho, mas ainda importante, de manter a aparência de grandeza de Roma (ou de manter ativa a reles democracia que há no Brasil; que é reles, mas que, pelo menos, arremedo de democracia e reles, que seja, ainda tem de manter algum ar de democracia, porque, se não mantiver, nem a luta pela real redemocratização do Brasil conseguirá avançar). E, segundo,

(d), se o Senado/STF desmoralizar-se de vez, Roma se torna ingovernável. E se acaba. E babaus pré-redemocratização engatinhante, hoje em curso no Brasil.

Exatamente porque Marco Antônio sabe de tudo isso é que ele sabe que tem o dever político (não algum “dever de amigo”! Que besteira é essa, D. Hildegard?! Numa hora dessas?! Faça-me o favor!) de falar à Assembleia: para impedir que a multidão deseducada, desdemocratizada, manipulada-conduzida-enlouquecida-fascistizada pelo gesto assassino dos senadores/STF, decida julgar, ela mesma, todos os crimes de todos os senadores e degolá-los na praça, operação na qual o primeiro degolado seria, só pra começar, o império romano. Ou, no caso, Brasília inteira, o STF e toda a frágil, reles, fragilíssima quase-democracia brasileira.

O discurso de Marco Antônio, portanto, não é discurso para “falar a favor” do morto, ou falar “como amigo” do morto, nem, muito menos, ocasião para “explicar o morto”. Marco Antônio sabe que nenhum morto jamais será despido, pela morte ou pelo amor dos amigos, da própria história e papel político – nem por sentença de algum STF! É o contrário disso! A assembleia tem de despertar para a consciência do próprio poder: cabe a ela democratizar o senado romano e o STF-2012 em Brasília. Trata-se disso.

Mais uma: o discurso de Marco Antônio não é, de modo algum, “emotivo” ou “emocional” – o que o xororô da jornalista Hildegard Angel é e só é. É, outra vez, o contrário disso, e mais um traço que a jornalista Hildegard Angel não soube ler em Shakespeare.

O discurso de Marco Antônio é discurso milimetricamente construído como peça pensadíssima de oratória política com objetivo claro: Marco Antônio fala, exclusivamente, para fazer reverter a loucura da multidão que, naquele momento, quer mais sangue. Evidentemente, nem Marco Antônio nem Shakespeare cometem a temeridade tola de supor que seria possível persuadir senadores assassinos/STF, assim, só no gogó!

Como se os senadores assassinos/STF não soubessem da longa, potente, bela história política do ministro José Dirceu!

Como se estivessem fazendo o que estão fazendo porque não soubessem da importância histórica e das capacidades do ministro José Dirceu!

Como se não soubessem que o ministro José Dirceu é o ÚNICO sobrevivente da resistência à ditadura que sobreviveu, até hoje, como está -- e felizmente para o Brasil -- ainda próximo, aliado, ombro a ombro, do poder brasileiro democrático.

O ministro José Dirceu está sendo julgado PRECISAMENTE porque aqueles ministros do STF são manifestação de todas as forças mais reacionárias que jamais houve no Brasil, apenas que, hoje, mais “civilizadas”. As mesmas forças, em estado mais “bruto”, mataram Getúlio. Mas o Brasil avançou muito! Hoje, aquelas mesmas forças reacionárias já não têm poder para matar o ministro José Dirceu, o presidente Lula, a presidenta Dilma e os votos da maioria dos brasileiros que são avalistas da democracia brasileira, hoje, mais poderosos, os nossos votos, do que jamais foram, em 500 anos. Então aqueles ministros, que vestem a toga como se usassem cetro e coroa -- ou o pelourinho e o tronco! -- lá ficam, consumindo tardes e tardes e tardes infindáveis naquela patética “leitura de votos”... Como se a extensão dos votos lidos, as pilhas de páginas engordadas com detalhes de inquérito policial, com raras linhas de consideração ao que determina a lei, bastasse para acrescentar conteúdo democratizatório aos tais “votos”!

E desde quando, por falar nisso, o fato de algum daqueles ratos do PP terem recebido dinheiro no dia de uma ou outra votação prova(ria) que houve compra de votos?! Desde quaaaaaaaaaando, ministro Joaquim Barbosa?! No mesmo dia em que recebeu dinheiro, um daqueles ratos do PP teve um filho. Está(ria) provado que recebeu dinheiro para ter um filho?! Não fosse tão doentio ridículo, seria de rolar de rir.

Aqueles ministros conhecem todas as capacidades do ministro José Dirceu!

Nenhum “mensalão” (que nunca existiu) poderia algum dia ter sido mais corrompedor que o movimento pelo qual o governo de FHC comprou a própria reeleição. Nenhum “mensalão” (que nunca existiu) foi algum dia mais corrompedor que as operações pelas quais todo o dinheiro das privatizações foi “desaparecido” -- e jamais buscado!

A Privataria Tucana aí está, um catatau de provas suuuuuuuuper probatórias e já reunidas e publicadas, mas ainda à espera da atenção do ministro Joaquim Barbosa... Mas o STF, agora, tem de fazer o diabo, pra tentar enterrar Dirceu vivo! É a lei. Como repete a jornalista Hildegard Angel. E a jornalista Hildegard Angel é jornalista honrada.

O que Marco Antônio e Shakespeare sabem e fazem por aquele discurso é coisa muito diferente disso. Os dois sabem que têm de tentar persuadir a multidão e impedir que a loucura assassina que vem “de cima” se alastre, sem controle possível, para “baixo”. E basta saber disso, para ver que a jornalista Hildegard Angel cometeu uma temeridade (no mínimo), naquela “paráfrase” arrogante.

O que nos interessa lembrar é que, antes do discurso do “não vim elogiar, vim enterrar” famosésimo, há, em Shakespeare, do mesmo Marco Antônio, sozinho com o corpo de Cesar assassinado, dentro do Senado, o também muito conhecido, embora menos citado por jornalistas e outros re-citadores de repetição – e não por acaso!

É conhecido como o “discurso contra os cães da guerra”. E esse, sim, é Shakespeare a ser recordado aos ministros do STF e ao Brasil em geral, hoje.

Aqui vai esse outro discurso, em tradução de trabalho, que fazemos agora, na correria.

É nossa contribuição para tentar impor alguma racionalidade ao chilique jornalístico-espetaculoso da jornalista Hildegard Angel.

Julio Cesar, Shakespeare, ato 3, cena 1 (em português, mas a tradução é HORRENDA). Fiquem, pelo menos prá começar, com a nossa tradução, abaixo. Todas as correções são bem-vindas.)

BRUTO — Marco Antônio, aqui tens o corpo. No discurso fúnebre, não deves lançar nenhuma censura sobre nós. Dize de César todo o bem que quiserdes, explicando que nós te demos permissão para falar. A não ser isso, ficareis excluído das cerimônias fúnebres. E ainda: tu falarás da mesma tribuna em que eu falar, depois de mim.

ANTÔNIO — É o que desejo. Está bem.

BRUTO — Prepara, então, o corpo e vem conosco.
(Saem todos, com exceção de Antônio.)

ANTÔNIO, ao cadáver — Meu amigo, pedaço de terra a verter sangue, perdoa que me mostre humilde e brando com estes carniceiros! Fizeram de ti a ruína do mais nobre homem que jamais viveu na corrente do tempo. Ai, ai da mão que fez correr tão precioso sangue! Mas aqui vaticino, ante tuas feridas. Falo pelas bocas mudas, que me pedem língua, voz e fala:

Sobre os teus assassinos e sobre os homens que se calaram, a maldição desabará. Lutas internas sem fim. A mais terrível das guerras civis encherá cada canto dessa Roma. O sangue e a destruição de tal maneira ficarão familiares, vulgares, que até as mães acabarão por sorrir à vista dos filhos massacrados pela guerra. A honra será asfixiada, pelo hábito do crime. O espírito do César assassinado – porque nenhum complô assassina o espírito de um homem que se alimentou do melhor que havia no povo – clamará seu quinhão. E voltará, rubro ainda do inferno, para gritar em tom de mando contra a injustiça: “Luta sem quartel!” Este assassinato horrível empesteará Roma de cadáveres que reclamarão honra e sepultura. E assim se soltarão os cães da guerra.

Então, entra um criado, que ajudará Marco Antônio a preparar o corpo para ser levado a cerimônia, à frente do Senado, onde Marco Antônio fará o discurso do “vim enterrar” etc. etc., que a jornalista Hildegard Angel meteu-se a parafrasear. Mas cujo argumento ela inverte!

Muito estranhamente, a jornalista Hildegard Angel pré-mata. Quer dizer: ela primeiro mata e enterra, preventivamente, um homem vivo! Para, então, por-se a elogiá-lo, em perfeita segurança. Digamos que é movimento tolo. Digamos que não passou disso.

Felizmente, o nosso ministro José Dirceu está e segue vivíssimo, graças a deus, para o bem do Brasil. E nem de longe corre algum risco de ser morto por sentença do STF.

O Brasil é infinitamente complexo. Dessa complexidade, vem nossa força. A força que nos trouxe até 2012, e que nos levará adiante.

O ministro Joaquim Barbosa não fará história. Nós e o ministro José Dirceu, sim, fizemos, fazemos e faremos a história do Brasil.

Fato é que nem Shakespeare, em toda a sua glória, daria conta da tragicomédia que o STF-2012, que aprende leis, justiça e democracia nos jornais do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão), está escrevendo em Brasília!

Pois que se lixem! Pois inventem lá o que queiram! Façam lá o que lhes dê na telha! Vocês são patéticos! O Brasil é mais! O Brasil riremos por último, de vocês todos.

Também riremos muito desse patético “jornalismo” que desgraça o Brasil, até quando é bem intencionado!

Dirceu vive! No pasarán! Venceremos! Só a luta ensina! Viva o Brasil!

São Paulo, 18/9/2012
Coletivo Vila Vudu de Tradutores/redecastorphoto



Notas da redecastorphoto e do pessoal da Vila Vudu

[1] Pode ser visto, como referência, a seguir, mas não se recomenda: é HOR-RÍ-VEL.


[2 Marco Antônio by Shakespeare, como nós e Shakespeare, conhecemos bem os riscos de, naquelas/atuais circunstâncias, deixar falar também o coração, risco aliás idêntico a deixar falar só o coração. Às tantas, Marco Antônio diz: “Permitam-me que me cale, porque meu coração desceu ao túmulo com Cesar. Peço tempo para reencontrá-lo”, fala que é perfeita formação, em discurso, da consciência política clara de que política se faz também com o coração; que se pode fazer até sem coração; mas que nunca, nunca, em nenhum caso, se pode fazer só com o coração (Lênin vive!). Isso a jornalista Hildegard Angel também não soube ler em Shakespeare.

Um comentário:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Lindo, corretíssimo, o texto-discurso do nosso Coletivo, ligado inteligentemente a esta Pátria de todos, inclusive dos "cães de guerra" que sabemos escorraçar, com amor e honestidade, longe das "éticas" de titica que bem conhecemos. Manca esta República, desde os tempos de Arthur Bernardes e Aurelino Leal - antes, era só um pseudo-Império de barrete frígio - marcada pelas tragédias políticas de 1935, 1937, 1964, 1968, e estamos aqui para ajudá-la sempre a soerguer-se. As crapulices demonstram que as camadas reacionárias têm consciência exata disso. Agora mesmo, a Comissão da Verdade quer investigar só agentes públicos, deixando de lado talvez os piores, os agentes privados, prepostos do imperialismo, financiadores da repressão assassina, inclusive da mãe e irmão da jornalista. O STF jamais corrigirá sua decisão de isentar os assassinos, criando uma hermenêutica safada da Lei de Anistia. O ministro José Dirceu sabe disso, o seu julgamento resulta disso. Esses "cães de guerra" shakespearianos é que deveriam ser julgados, mas nos falta uma corte jurisdicionada para tal.

    Abraços do
    ArnaC

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