1/1/2013,
Muthana Abdallah مثنى
عبدالله
Traduzido
do árabe ao espanhol por Al Fanar
Traductores, em Tlaxcala:
Traduzido
para o português pelo pessoal da Vila
Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu: Aos poucos se pode
começar a entender por que Dona Hilária Clinton anda com coágulos na cabeça
“entre o crânio e o cérebro”, como “noticiam” as agências internacionais...
[pano rápido]
Parece
certo que nosso povo iraquiano chegou afinal ao resultado lógico. Einstein
ensinava que não há resultados novos, se as causas se repetem.
Durante
os dez anos de ocupação norte-americana e dos governos que impuseram ao Iraque,
falseou-se a vontade de um povo submetido à mais repugnante lavagem cerebral e
de consciência, para tentar que aceitasse o que lhe era imposto em eleições
locais e parlamentares e no referendo de uma Constituição-bomba; que aceitasse
uma representação sectária, étnica e doutrinária sobre a qual se erigiram as
instituições do Estado e da sociedade.
Apesar
do que tenha sempre havido de temerário nesse projeto, para o destino da nação e
o futuro dos iraquianos, o povo do Iraque esperava chegar a algum resultado que
o arrancasse do desespero e afinal visse alguma luz no fim do túnel no qual se
via metido, depois que irmãos e amigos o traíram, separaram-se dele e o
converteram em botim a ser extraído, de qualquer plano que se armasse contra o
Iraque.
Se
se tivesse aproveitado melhor todo esse tempo, seria possível melhorar a
situação, mas no Iraque só a miséria, a analfabetismo e a fome aumentaram nos
dez anos de ocupação norte-americana, apesar dos ganhos cada vez maiores para
alguns, e de orçamentos astronômicos, graças ao aumento do preço do petróleo
exportado.
O
pobre vê-se cada dia mais pobre, o rico, cada dia mais rico. Essa é a regra da
vida diária em todo o Iraque , desde que o
poder foi arrancado do povo por quem se diz representante de seitas,
nacionalidades e religiões, porque os recursos do país estão sendo monopolizados
pelos que nos arrancaram o poder, seus sócios, seus acólitos, os parentes deles.
Vivem de adaptar as leis para que atendam aos interesses deles e para vencer
fraudulentamente licitações e concorrências e contratos com o Estado, nos quais
se leiloa o patrimônio público. E ainda roubam o dinheiro destinado àqueles
projetos. E criaram grandes empórios comerciais, empresariais ou de
representação de empresas árabes ou estrangeiras.
Tudo
isso acontece porque não há nenhum tipo de controle parlamentar – e o Parlamento
deveria ser o verdadeiro representante do povo; ou porque a Justiça é omissa e
nada faz. Os pactos de silêncio perpetuam a corrupção, cuja única vítima,
material e moral, é o cidadão iraquiano.
O
desprezo contra os iraquianos e a especulação contra nosso povo chegaram a
níveis indescritíveis. Já cancelaram a Carteira de Abastecimento, que permitia
que o cidadão tivesse acesso a alguns alimentos básicos. A justificativa que o
governo apresentou para o cancelamento, foi que o cancelamento seria
indispensável para impedir que continuasse a corrupção dos que fazem a gestão
dos contratos de compra de alimentos no atacado. Quer dizer: em vez de castigar
os culpados, castiga-se o cidadão, que acaba privado do próprio pão.
Dada
a destruição do Estado, a ausência de qualquer sistema judiciário e a absoluta
falta de coordenação entre os atuais governantes, sempre em luta entre eles,
porque os diferentes grupos representam interesses regionais e internacionais,
surgiram no Iraque novas autoridades e dirigentes religiosos e tribais. E,
aproveitando-se da falta absoluta de qualquer segurança e porque os cidadãos
veem-se obrigados a proteger, cada um, a sua propriedade, milícias armadas
controlam as ruas e os bairros e, esgrimindo essa falta absoluta de segurança
pública, chantageiam os cidadãos para que votem neles e os elejam; e assim,
vão-se instalando no poder.
Alguns
dirigentes tribais, uma vez instalados no poder, convertem-se em braços
executores dos governantes, glorificando o governo, tanto quanto desfrutando das
dádivas que recebem em paga pelos seus ‘serviços’. Também já surgem dirigentes
religiosos que se aliaram ao poder, para glorificar valores religiosos,
aparecendo frente às câmeras de televisão como mais interesse aos governantes,
quando não estão assassinando crentes de outras seitas, ou violando mulheres
prisioneiras deles. Esses dirigentes, que integram as comissões de investigação,
existem não para investigar, mas para ocultar os crimes de guerra uns dos outros
e conceder indultos a criminosos conhecidos. O cidadão, assim, está
completamente desprotegido.
Nessa
situação, resta ao povo enfrentar de peito aberto toda a vergonha, a humilhação,
a morte, os êxodos, as violações, apoiando-se nas verdadeiras forças da nação,
nos símbolos religiosos e tribais honrados – que em momento algum deram trégua
nem às forças norte-americanas de ocupação, nem aos governos que impuseram ao
Iraque, os mesmos símbolos religiosos e tribais honrados que fizeram de servir à
nação iraquiana e aos iraquianos a sua estratégia de resistência, desde 2003 até
hoje.
Desde
o momento em que os
EUA invadiram o Iraque, o tempo parou para o povo iraquiano. O
passar dos anos nada significa, porque dia e noite são iguais e hoje é igual a
ontem. Só a tragédia aumenta dia a dia, com os iraquianos sofrendo, tanto a
injustiça fardada e dos partidos políticos, como a injustiça institucionalizada
nos aparelhos do Estado e nos altos mandatários, que atuam sob a proteção da
nova Constituição das novas leis.
Até
nos piores momentos, na época das sanções, os iraquianos sonhamos com algum
futuro; acreditávamos que os sofrimentos terminariam. Hoje descobrimos que
perdemos o presente e o futuro sob a violência da ocupação e suas autoridades
impostas, que, de fato, estabeleceram no Iraque uma alternância de poder entre
grupos políticos que não acreditam nos direitos do povo, e passaram a mão nos
recursos e nas riquezas do país, para pô-los a serviço de um setor minoritário.
A marginalização, o
desenraizamento, o isolamento, a exclusão contribuíram muito para o sentimento
generalizado na população do Iraque, de que, aqui, os cidadãos não são todos
iguais em direitos e deveres, o que gerou o clima necessário para que surja a
revolta: o cidadão que nada tem, nada pode perder. A agressão constante e
repetida contra os cidadãos iraquianos: perseguições, corrupção, discriminação
etc., acabaram por fazer eclodir o levante na província Al Anbar, que já começa a alastrar-se até
Saladino e Mosul.
Al Anbar é a maior província do Iraque |
Isso
implica que a população começa a conscientizar-se sobre o que lhe cabe fazer
para pôr fim a situação atual, porque se nega a continuar submetida às
autoridades governamentais, a partidos sectários e a milícias que paralisam o
desenvolvimento em todos os espaços da vida.
É
levante saudável e valente, porque visa a pôr fim à injustiça e a assegurar
dignidade para todos. O fato de os protagonistas da revolta insistam em que nada
têm a ver com nenhum dos atuais partidos políticos, grupos ou seitas, é mostra
de que têm consciência do que fazem.
São
conscientes, em primeiro lugar, de que todas as forças políticas que participam
no sistema, embora pertençam ao entorno social, contribuíram para o
empobrecimento do país e a perseguição cidadãos e enriqueceram à custa do
sofrimento do povo.
Em
segundo lugar, os protagonistas das revoltas são conscientes de que a etapa pela
qual o país está passando, não exige longos debates sobre a forma de governo ou
sobre a natureza do sistema político; e exite, isso sim, governo transparente,
capaz de garantir alguns mínimos serviços econômicos, sociais, educacionais e de
segurança pública – governo capaz de combater a pobreza e de pôr fim às
violações de Direitos Humanos básicos.
Todos
os iraquianos veem com clareza que o poder atual e as forças políticas que o
sustentam são incapazes de oferecer qualquer serviço público real, porque
nasceram do útero de uma crise política que partilhou cargos em função da força
relativa de cada grupo, não com vistas a oferecer algum serviço a algum cidadão
iraquiano. Os cargos públicos servem unicamente para reforçar e financiar a
força política à qual serve um ou outro e se converte em trincheira de luta
contra todas as demais forças política – e contra o povo. Nada disso ajuda a
desenvolver qualquer sentimento de responsabilidade pública sequer em face do
próprio cargo de cada um e, além do mais, torna os políticos impotentes para
convencer os cidadãos de que o Estado é o Estado dos cidadãos.
O
Estado no Iraque perde qualquer legitimidade – se é que algum dia teve alguma
legitimidade – razão pela qual os levantes populares assumem responsabilidade
legítima e legal.
As
autoridades não vão analisar o que fazem, porque o destino delas e o modelo em
que vivem, de corrupção e riqueza, está em jogo. Cabe esperar, portanto, que
utilizem contra o povo, todo o aparelho do Estado e seus recursos, para
influenciar, primeiro, os cabeças dos levantes, servindo-se, em primeiro lugar,
da força e da repressão contra grupos de cidadãos. Em segundo lugar, utilizarão
as forças políticas e as personalidades religiosas e tribais próximas e
dependentes do poder, mas que pertencem ao mesmo tecido social dos
manifestantes, para tentar minar ‘'por dentro'’ as manifestações e dispersar os
cidadãos mobilizados, tentando obter que renunciem às suas demandas autênticas.
Foi exatamente o que aconteceu quando enviaram al-Mutlaq a Saleh, para convencer
os manifestantes a porem fim aos protestos, mesmo sem terem obtido qualquer
resposta a qualquer das reivindicações populares.
Aconteça
o que acontecer, a situação não voltará a ser o que foi. A data do levante no
Iraque será um ponto de inflexão entre o passado e o que está por acontecer.
A
responsabilidade por dar proteção aos cidadãos protagonistas do levante do
Iraque, e de ressaltar o valor histórico dessa ação heroica é dever absoluto de
todos os intelectuais, escritores e jornalistas árabes e locais, para que o
levante se estenda a outras praças de outras províncias, cidades e vilarejos do
Iraque, até se converter em revolta geral, transformar-se em ação histórica que
ponha de pé o Iraque e os iraquianos e devolva ao país sua unidade
nacional.
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