terça-feira, 1 de janeiro de 2013

EUA: os noticiários falhados e a ficção-fato


30/12/2012, Danny Schechter, Consortium News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Danny Schechter
As redes de noticiário praticamente não trabalharam na última semana, apenas reapresentando cenas do ano que termina, para lembrar os telespectadores. Pesquisadores varrem os arquivos à caça das melhores imagens para encher o “pacote” anual de cenas requentadas que sempre termina com fotomontagem musicada de imagens de políticos, celebridades em geral (muitos jornalistas!) e celebridades (e mais jornalistas) falecidos durante 2012.

Assistindo àquilo, nos boquiabrimos em ohs! e ahs! e relembramos as calamidades que nos atingiram, como a já (bem) denominada “Tempestade Frankenstein”, Sandy; e o assassinato, a tiros, de crianças pequenas na Escola Primária Sandy Hook em Connecticut. As redes de notícias repassarão cenas das eleições de 2012, que de nada adiantaram para superar o atual “despenhadeiro fiscal” à beira do qual o país permanece pendurado.

Ah! Sabem o que mais as redes noticiosas noticiarão? Que foi o ano do I-Phone 5 e do I-Pad 3, de jogos Olímpicos e da dancinha do cavalinho invisível de Nostradamus e de Gangham Style. E haverá notícias sobre a ascensão de Kate Middleton e o fim de Whitney Houston, além de notícias sobre o sobe e desce na carreira de Jeremy Lin, sino-norte-americano, jogador de basquete.

No que tenha a ver com o mundo, muito se falará da não guerra contra o Irã e da sim guerra que está reduzindo a Síria a ruínas. Ouvir-se-á alguma rápida referência ao novo líder chinês, a confusões no México, à eleição vitoriosa e a luta contra o câncer de Hugo Chávez. Nem uma palavra, uma, que seja, sobre as mortes em Gaza, completamente apagadas do noticiário e dos noticiários sobre o noticiário.

Andrés Oppenheimer
Pode-se apostar que ninguém cuidará de ajudar os telespectadores a recordar os eventos que Andres Oppenheimer optou por relembrar, no Miami Herald: a matéria, de 16 de julho, de Kuala Lumpur, em que informava sobre o acordo comercial da Parceria Trans-Pacífico, já praticamente concluído, e destinado a ser o mais ambicioso acordo comercial do tipo; lá se anunciava que, em outubro de 2013, a “parceria” estaria assinada e sacramentada. E daí? O que significa(ria)? Continuamos a esperar o quê, para o próximo mês de outubro? Quem ganha? Quem perde? Notícias que talvez nunca cheguem a ser notícias...

Ou: “Dia 25 de novembro, na Catalunha, Espanha, cerca de 70% dos eleitores votaram para eleger representantes dos partidos que apoiam um referendo que decida sobre a independência do norte rico da Espanha, o que assusta muita gente, porque há o risco de a independência dos catalães disparar uma reação em cadeia de outros movimento de secessão em todos os 27 países da União Europeia. Muitos temem que, se a Catalunha conseguir tornar-se independente da Espanha, a Córsega e o País Basco também se livrarão, de vez, da França; a Escócia livrar-se-á da Grã-Bretanha, e Flanders e Wallonia, da Bélgica, dentre outros casos. Às dificuldades econômicas somar-se-ia o caos político na Europa”.

Alguns desses eventos passados e “iminentes” foram apresentados como catástrofes de tal magnitude, que muitos já ansiavam que se cumprissem integralmente as tais previsões para o fim do mundo com data e horário marcados.

Os que, dentre nós, esperaram que a eleição e depois a reeleição do presidente Obama introduziriam mais justiça e igualdade no “sistema”, desapontaram-se. Os que tanto desejavam mudança na qual pudéssemos confiar, foram às ruas para fazer, eles mesmos, a tal mudança... e ali colidiram frontalmente com o Estado policial – a Polícia de NY, o FBI, vários uniformes e também gente sem uniforme “infiltrada”, etc. Só recentemente, a partir de documentos que, afinal, foram liberados para consulta, começamos a ter alguma ideia de como tantos norte-americanos espionam tantos norte-americanos há tanto tempo, e por quê e por que nos mentem tanto, há tanto tempo.

Todos os “noticiários” com os quais temos de lidar lidam com eventos e narrativas especificamente selecionados, não com as tendências nem com as forças ocultadas que comandam a economia e o sistema político nos EUA. Ouvimos sobre supostos atos e supostos feitos, nunca sobre os interesses que movem uns e outros. Os programas de “notícias” apagam cuidadosamente os contextos, o que houve antes, análises anteriores e diferentes interpretações sobre os tais feitos e atos “noticiados”. Os “noticiários” de televisão são o que são e são feitos como os conhecemos, para apalermar o telespectador ou o ouvinte, não para torná-los mais interessados ou mais ativos no que realmente interessa aos próprios telespectadores ou ouvintes.

O que fazem ou deixam de fazer os grandes bancos é assunto tratado sempre nos termos mais ralos, rasos e distanciados; absolutamente jamais se ouve notícia alguma que tenha algo a ver com o modo como os grandes bancos operam como canais para influenciar a opinião pública a favor dos 1%. Não há “plantão de notícias” que interrompa a programação regular, cada vez que os reguladores não regulam coisa alguma; nem há edição especial de “Globo Repórter” para mostrar como a empresas-imprensa “capturariam” funcionários públicos, para impor-lhes restrições que democratizassem, se não por bem, à força de lei, as tais empresas-imprensa.

O “problema” das armas em mãos de civis esteve em todos os noticiários, mas nunca se ouviu notícia alguma sobre gigantescos negócios de produção, compra e venda de armas, sequer sobre os sistemas de drones, hoje best-sellers em todo o planeta. Os EUA são sempre apresentados, nas “notícias” para o público doméstico, como “nossa pátria mãe” – expressão muito frequente na Alemanha nos anos 1930s e na África do Sul do suprematismo dos brancos e do apartheid, décadas depois. Os norte-americanos nos vemos nós mesmos como uma nação; o resto do mundo nos vê como império.

Quanto à economia, os “noticiários”, todos, parecem cópias dos editoriais da revista Wealth Daily [Riqueza Dia a Dia], alertando que os norte-americanos preparem-se para inevitáveis cortes nos salários:

“Agora que tudo converge – impostos cada vez maiores e salários cada vez menores – nas discussão sobre “despenhadeiro fiscal”, os políticos começam a apresentar programas de revisão das leis. (...) Tudo muda, de minuto em minuto. No papel, estamos à beira de promover trocas em equações obscuras que, de fato, são as mesmas de sempre e são basicamente semelhantes. Mas a verdade é uma só: o público leigo nada entenderá, se não começar a prestar atenção. E se ninguém prestar atenção, ninguém jamais aprenderá a castigar os políticos que fazem o que fazem”.

E absolutamente não se ouve nem vê notícia alguma sobre a manipulação da taxa LIBOR, que fez trilhões de dólares mudarem de mãos e de dono, sem qualquer comentário. Coisinha fácil de explicar e de entender, verdade seja dita, em 10 segundos!

Steven Spielberg
Cada vez mais, o que realmente interessaria conhecer, as forças que subjazem aos processos dos quais os noticiários só “noticiam” o que não é nem jamais será notícia significativa aparecem mais no cinema, que nos noticiários; na ficção, muito mais que no “fato inventado-noticiado” (orig. faction); nos filmes, muito mais, com certeza, que nos “noticiários” de televisão. 

Nas salas de cinema, podemos escolher entre duas visões do impacto da escravidão nos EUA: Lincoln, de Spielberg; e Django Unchained, de Tarantino. Um trata a corrupção no Congresso para tornar ilegal a escravidão; o outro, da brutalidade da escravidão sobre os escravos. Para o primeiro, uma reforma que mudaria o país de alto a baixo, seria problema de Teoria da Constituição; o outro mostra uma revolta armada até os dentes contra o feio racismo.

Quentin Tarantino
A versão cinematográfica musical de Les Miserables narra em canções a história de uma revolução francesa fracassada: só as barricadas, não qualquer valor revolucionário. Argo, por sua vez, fala superficial e rapidamente sobre algumas razões da Revolução Iraniana de 1979, para, de fato, celebrar o trabalho da CIA no resgate de reféns norte-americanos e, claro, reforça a hostilidade dos norte-americana contra os iranianos.

O filme Zero Dark Thirty mostra como a CIA tortura, com detalhes muito mais explícitos e escabrosos que qualquer “noticiário” de televisão jamais mostrou, mas, simultaneamente, ensina não a prender e julgar bin Laden, mas a assassiná-lo a sangue frio e, consequentemente, a fazer dele herói imortal.

James Gandolfini
O filme acovarda-se e não condena a tortura, os torturadores e os esquadrões da morte financiados pelo estado norte-americano e, ao que parece, erra também ao olhar a história, porque o que se chama “interrogatório estimulado” jamais foi elemento criticamente decisivo para descobrir o esconderijo de bin Laden, segundo a própria CIA, inúmeros senadores dos EUA e vários especialistas.

Realmente interessante, isso sim, no filme, é que alguém teve a brilhante, eloquente, esclarecedora, informativa ideia, de escalar, para o papel do então diretor da CIA, Leon Panetta, o ator que representa, no seriado de televisão, o papel do chefão mafioso Tony Soprano (James Gandolfini). (...) [pano rápido].

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