23/1/2013, Nicola Nasser, Countercurrents
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Nicola Nasser |
No
discurso da segunda posse, dia 21/1/2013, o Presidente dos EUA, Barack Obama fez
o anúncio, histórico, de que “está terminando uma década de guerras” e declarou
que os EUA estão determinados a “demonstrar a coragem necessária para resolver
pacificamente nossas diferenças com outras nações”. Mas é mensagem que não
passará de palavras, se não vier seguida de ações e que ainda não alcançou
alguns dos mais íntimos aliados dos EUA no Oriente Médio, os quais ainda batem
os tambores de guerra, como Israel contra o Irã, e o Qatar contra a
Síria.
Se
se consideram o nível de “coordenação” e “cooperação” desde que se estabeleceram
relações diplomáticas em 1972 entre EUA e Qatar, e a concentração de militares
dos EUA naquela minúscula península, parece impossível que o Qatar possa
mover-se independentemente, em paralelo ou fora de uma linha de colisão frontal
com os planos estratégicos regionais dos EUA.
EUA e Qtar, mesmos interesses? |
Segundo
a página online do Departamento de Estado dos EUA, “as relações
bilaterais permanecem fortes”, os dois países estão diplomaticamente “em
coordenação” e “cooperando” para a segurança regional; mantêm um “pacto de
defesa”; “o Qatar hospeda o quartel-general avançado do CENTCOM” e apoia a OTAN
e as “operações militares regionais dos EUA”. O Qatar é também ativo
participante nos esforços, comandados pelos EUA para implantar uma rede
integrada de mísseis de defesa na região do Golfo. E, além do mais, o Qatar
abriga o Centro de Operações Aéreas Combinadas dos EUA e três bases militares
norte-americanas: a Base Aérea Al Udeid, a Base Assaliyah do Exército e a Base
Aérea Internacional de Doha – nas quais estão alojados cerca de 5.000 soldados
norte-americanos.
Cada estrela representa uma base militar dos EUA no Oriente Médio. O Centro de Comando é no Qtar |
O
casamento de conveniência entre o Qatar e os Irmãos criou uma incubadora natural
de islamistas fundamentalistas armados, contra os quais, desde 11/9/2001, os EUA
fazem o que se conhece sob o rótulo de “Guerra Global ao
Terror”.
A
guerra no Mali, nação africana, oferece o mais novo exemplo de como os EUA e o
Qatar, aparentemente, trilham caminhos separados. Por um lado, o secretário de
Defesa dos EUA, Leon Panetta estava em Londres, dia 18/1, entregando aos
franceses “a liderança do esforço internacional” no Mali; e para garantir aos
franceses que os EUA dariam apoio logístico, de transporte e de inteligência.
Mas o Qatar dava sinais de não se incomodar de pôr em risco seus laços especiais
com a França, que atingiram o auge na guerra da OTAN contra a Líbia, e deu
sinais de não pensar em termos exatamente conformes com o que diziam EUA e
França.
Hamad bin Jassem al-Thani |
Em
exemplo relativamente mais antigo, segundo WikiLeaks, o ex-presidente da Somália
em 2009, Sharif Ahmed, disse a um diplomata dos EUA que o Qatar estava
canalizando toda sua assistência financeira para o grupo Shabab al-Mujahideen,
associado à al-Qaeda, que os EUA incluíram na lista de “organizações
terroristas”.
Mais
um caso: na Síria, a Fraternidade Muçulmana é a principal força “de combate”
contra o regime de Bashar al-Assad e em aliança com um dos culpados por
atrocidades em vários ataques terroristas, a Frente Al-Nustra, ligada também à
al-Qaeda; em dezembro do ano passado, os EUA incluíram a Frente Al-Nusra em sua
lista de “organizações terroristas”. Simultaneamente a oposição síria, liderada
por EUA e patrocinada pelo Qatar protestava publicamente contra o ato dos EUA. O
silêncio do Qatar só pode ser interpretado como apoio ao protesto contra a
decisão dos EUA.
Recentemente,
o Qatar substituiu, para dar mais um exemplo, a Síria (listada como estado
patrocinador de terrorismo desde 1979), como patrocinador do Hamás, cujos
principais comandantes políticos mudaram-se de Damasco para Doha. Os EUA também
listam o Hamás entre as “organizações terroristas”. E o Hamás, por sua vez, não
perde ocasião de declarar que é o braço palestino da Fraternidade
Muçulmana.
Em todos
esses exemplos, vê-se que o Qatar parece estar-se reposicionando para
qualificar-se como mediador, com as bênçãos dos EUA, tentando obter, com
dinheiro, a posição que os EUA não conseguem alcançar militarmente, ou só
conseguiriam alcançar a um preço ainda muito mais alto em dinheiro e em
vidas.
No
caso do Mali, o Primeiro-Ministro do Qatar, Xeique Hamad, veio a público para
declarar seu próprio projeto: “Seremos parte da solução, (mas) não o único
mediador” – disse ele. A bênção dos EUA não poderia ser mais clara que a
aprovação, pelo presidente Obama, a que se instale em Doha um escritório de
representação dos Talibã afegãos, “para facilitar” uma “paz negociada no
Afeganistão”, nas palavras do Ministro de Relações Exteriores do Qatar, dia
16/1.
Mas
uma mediação unilateral do Qatar já fracassou no Iêmen, e uma mediação árabe
liderada pelo Qatar também fracassou na Síria, há dois anos. A “Declaração de
Doha” para reconciliar grupos palestinos rivais ainda permanece só no papel. A
mediação qatari no Sudão, em Darfur, ainda não produziu resultados. A “mediação”
qatari na Líbia foi condenada como interferência em assuntos internos do país
pelo mais destacado líder pós-Gaddafi. E no Egito pós-“Primavera Árabe”, o Qatar
abandonou os esforços iniciais de mediação para alinhar-se publicamente à
Fraternidade Muçulmana eleita. Mesmo assim, apesar de tantos e repetidos
fracassos, tantos esforços de “mediação” cumpriram bem o papel atribuído ao
Qatar, como “aliado”, na estratégia dos EUA.
Daí
as bênçãos dos EUA. O Soufan Group,
de analistas de inteligência, dia 10/12 passado, concluiu que “o Qatar continua
a comprovar que é aliado chave dos EUA (...) O Qatar quase sempre consegue
alcançar objetivos comuns dos EUA e do Qatar, dos quais os EUA não querem ou não
podem encarregar-se diretamente”.
O
primeiro governo Obama, sob a pressão da “austeridade fiscal”, abençoou os
qataris que continuaram a financiar e armar islamistas anti-Gaddafi na Líbia;
fingiu que não viu que o Qatar transferiu todo o arsenal militar de Gaddafi para
seus aliados islamistas sírios e não sírios que lutam para derrubar Assad na
Síria; “compreendeu” a visita que o Emir do Qatar fez a Gaza em outubro passado,
como “missão humanitária”. E, mais recentemente, aprovou que o Qatar armasse sua
aliada, a Fraternidade Muçulmana no Egito, com 20 jatos de combate F-16 e 200
tanques M1A1 Abrams.
Essa
contradição levanta a questão sobre se o que aí se vê é colusão entre EUA e
Qatar, ou se há, mesmo, algum conflito de interesses. O governo Obama, em seu
segundo mandato, terá de traçar alguma linha clara que responda, sem
tergiversar, essa questão.
Pelo
que se vê hoje, Doha e Washington não têm a mesma visão sobre os islâmicos e os
movimentos islamistas, mas, no campo de batalha da “guerra ao terror”, nem Doha
nem Washington podem discutir sobre seus respectivos papéis, não podem deixar de
mostrar coordenação e não podem deixar de complementarem-se
mutuamente.
Apoiada na
experiência histórica de abordagem semelhantemente “religiosa” no caso do Irã,
mas em base “xiita” sectária, essa conexão islamista “sunita” qatari
inevitavelmente levará a aumentar a polarização sectária na região e fará
aumentar a instabilidade, a violência, e provocará outras guerras
civis.
Localização das bases dos EUA no Qtar |
Tradicionalmente,
o Qatar, que está no olho do furacão naquela região crítica e geopoliticamente
volátil do Golfo, teatro de três grandes guerras nos 30 últimos anos, sempre se
empenhou em manter um equilíbrio o mais frágil possível entre as duas potências
que determinam a própria sobrevivência do Qatar: a velha presença militar dos
EUA no Golfo; e o Irã, hoje potência regional em ascensão.
Em
1992, o Qatar assinou amplo acordo bilateral de defesa com os EUA; e em 2010,
assinou acordo militar de defesa com o Irã, o que explica os laços cada dia mais
cálidos que se vão construindo entre Qatar e Irã – unidos pelos movimentos de
resistência anti-Israel: o Hezbollah no Líbano, e o Hamás nos territórios
ocupados da Palestina; explica também a “lua de mel” em que o Qatar vive com os aliados
do Irã na Síria.
Contudo,
desde a eclosão da sangrenta crise síria, há dois anos, a abertura do Qatar para
estados e não estados pró-Irã já está exposta como manobra tática para manter
aquelas potências bem longe do Irã. Nos casos da Síria e do Hezbollah, o
fracasso dessa tática já levou o Qatar a entrar em rota de colisão com ambos,
Síria e Irã, ambos apoiados por Rússia e China, o que está forçando o Qatar a
dar meia-volta no longamente cultivado processo de equilibramento na região,
movimento do qual o Qatar parece não se dar conta, e que ameaça a própria
sobrevivência do estado qatari, sob a pressão de interesses fortemente
conflitantes, regionais e internacionais, como já se veem, escritos em sangue,
na crise síria.
Durante
o crescimento de movimentos massivos panarabistas, nacionalistas, socialistas
e democráticos no mundo árabe, no início da segunda metade do século 20, as
monarquias autoritárias conservadoras árabes adotaram a Fraternidade Muçulmana,
outros islamistas e a ideologia política islâmica e as usaram contra aqueles
movimentos, para sobreviverem como aliados dos EUA. E os EUA, por sua vez,
usaram todos, com a al-Qaeda à frente, contra a ex-URSS e a ideologia comunista;
depois do colapso da ordem mundial bipolar, essa instrumentalização foi feita em
detrimento das nações instrumentalizadas.
É
verdade que a história parece repetir-se, com as monarquias árabes apoiadas
pelos EUA (e, outra vez, com a al-Qaeda no comando), recorrendo à sua velha
tática de explorar a ideologia islamista para minar e “conter” uma revolução
árabe antiautoritarismo, pelo Estado de Direito, por sociedade civil respeitada,
por instituições democráticas e justiça social e econômica para os povos árabes
em torno do bastião superprotegido dos EUA na península
árabe.
Mas
todos parecem não ver que estão abrindo uma caixa de Pandora. O que dela sairá
fará a vingança da al-Qaeda contra os EUA em 2001 parecer um simples, pequeno,
insignificante precedente histórico.
A problematica da ordem politica mundial é difícil de decifrar. Porém é razoável dider que a "ordem mundial bipolar" é o mínimo declarado obrigatório para o equilíbrio do mundo, sendo esta consequência natural e imediata das diversas circunstâncias. Portanto, no seu parecer os EUA terão sempre uma contraparte na balança mundial, quer seja um estado único como a Rússia por exemplo, quer seja um grupo de países, estados ou movimentos fundamentalistas "fracos" unidos pela necessidade comum da sobrevivência, sendo este último grupo o pior que possa prevalecer.
ResponderExcluir