5/1/2013, Franklin Lamb, Countercurrents
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Franklin Lamb |
Campo
de Refugiados Yarmouk, Damasco. Acho
que da próxima vez que eu receber pedido de aluno ou aluna de alguma
universidade pelo mundo, que queira ajuda para sua pesquisa de mestrado ou de
doutoramento sobre “a questão” dos refugiados palestinos no Líbano e na Síria e
os efeitos da atual crise síria na vida deles, responderei o seguinte:
Vá
a uma loja Sears, Target ou Sports Authority (já ia escrevendo Wal-Mart, mas
lembrei que meu amigo e alta autoridade em sionismo e Palestina ,
Jeff Blankfort, imediatamente protestaria, aos gritos por e-mail, como da outra
vez, há alguns anos, em que pedi que ele me mandasse uma câmera barata -- tão
barata como aquela, sim, só poderia ser produzida por trabalho escravo; mas,
sim, estava à venda na rede Wal-Mart), e compre uma barraca pequena, de
qualidade média-boa, no mínimo; compre também alguns cuecões e camisetas
térmicas; meta tudo na mochila e venha diretamente para o
Líbano.
Aqui,
daremos um jeito, e ele (ou ela) poderá acampar perto da fronteira síria ou
libanesa, em Maznaa, por uns dez dias. Tempo suficiente para entrevistar em
profundidade alguns dos 500 mil refugiados sírios e 126 mil refugiados
palestinos que vivem por ali, porque tiveram de fugir de onde viviam – alguns
dos quais já foram obrigados a retornar. Muitos não conseguem autorização para
permanecer no Líbano, porque não têm como pagar as 25 mil libras libanesas (US$
17) por refugiado, a “taxa de admissão” cobrada na fronteira pela Segurança
Geral Libanesa. Além dessa taxa, os palestinos que paguem e entrem têm de pagar
mais 50 mil libras libanesas (US$ 33) por pessoa, no caso de desejarem
permanecer por um mês a mais.
Há
aqui todos os dados político-sociológicos, maduros, caindo do galho, para
qualquer tipo de estudo, documentação e análise; os rapazes da fronteira,
amigáveis, mas muitas vezes semiadormecidos de tédio, em geral, cooperam. Os
estudantes, além do mais, podem ensinar às suas respectivas universidades e
orientadores de teses, que é fácil e seguro atravessar a fronteira em Maznaa; e,
segundo os guardas, por causa do frio congelante, os escorpiões e as cobras
enfiaram-se terra adentro e não saem das tocas.
Síria
e Líbano têm acordo vigente há muito tempo, que autoriza os cidadãos a cruzar a
fronteira sem qualquer tipo de visto, mas não está sendo aplicado, como antes,
aos palestinos. Algumas famílias, sobretudo as maiores, enfrentam grave problema
financeiro. Dia 2/1/2012, encontrei três mulheres palestinas que andavam, a pé,
com os filhos pequenos, atravessando a fronteira em Maznaa, saídas do campo de
Yarmouk, distante cerca de 40km. No total, tinham 12 crianças, dois bebês e dez
com idades entre 4-9 anos. A taxa total a pagar seria 300 mil libras libanesas
(US$ 200); pagaram, mas ficaram praticamente sem dinheiro algum. Diferente do
que contem e digam do lado sírio da fronteira, não há nenhuma agência de apoio,
da ONU ou qualquer outra, no lado libanês, que ofereça qualquer tipo de alívio
nessas situações de chegada desesperada.
Campo de refugiados palestinos de Yarmouk (Síria) |
Pesquisador
recém-chegado talvez concluísse que também em Maznaa quem organizasse uma
cozinha para distribuição de sopa, já ajudaria bastante, porque os refugiados
chegam muito famintos. Alguns dos raros carros que seguem por esses dias na
direção da Síria, entre os quais o carro em que eu viajava, viajam sempre cheios
de pão libanês barato, trazido pelos palestinos ou sírios que voltam, comprado
no Líbano, para as famílias que estão ainda na Síria, onde o pão já é difícil de
encontrar, ou é caro demais, por causa do racionamento de farinha e da
destruição de padarias. Não raras vezes, alguém, de dentro dos carros, estende
um ou dois sacos plásticos, com alguns pães, para os que chegam com fome.
Comprei
cinco manouche (uma espécie de pizza de queijo), na única venda que havia
por ali, para cinco meninos que vi na passagem de Maznaa, e comecei a distribuir
entre os pequenos; mas mais de dez refugiados adolescentes surgiram de repente,
de dentro do caos geral, e arrancaram os manouche das mãos das crianças –
bizarramente, lembrei-me de um ataque de piranhas contra uma galinha gorda, que
vi uma vez, no rio Amazonas.
O
problema dos refugiados palestinos que vêm da Síria já é questão política nesse
Ano Novo no Líbano, depois que um ministro do governo, aliado do Hezbollah,
repetiu essa semana que “alertamos sobre o influxo de refugiados quando não
passavam de 7 mil. Hoje, são mais de 170 mil”. Insistiu que “o problema dos
refugiados não deve ser tratado como pretexto para preocupações humanitárias. O
Gabinete mantém-se na defesa do direito dos libaneses. Temos de fazer o melhor
para o Líbano”.
Hassan Nasrallah |
Para
grande mérito seu, Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, imediatamente
respondeu àquela fala, apesar de vir de importante aliado político de seu
partido; disse, falando em nome do Hezbollah , que os
refugiados palestinos e sírios são assunto que exige atenção humanitária; e
rejeitou a ideia de fechar-lhes a fronteira. Ouvi, de um funcionário do
Hezbollah, que o Partido de Deus está trabalhando para suspender a cobrança das
taxas de entrada para os refugiados. E acrescentou: “temos de usar soluções
puramente humanitárias no problema dos refugiados; ninguém ganhará coisa alguma
com politizar o problema”.
Nasrallah
disse também que “o governo libanês deve encarregar-se de cuidar das famílias
sírias e palestinas, alinhem-se elas com a oposição ou com a situação ou nem com
uma nem com outra (...) Os libaneses devem receber as famílias imigradas em suas
casas, e em locais públicos, apesar das difíceis condições econômicas que todos
enfrentam”.
Alguns
dos refugiados palestinos que fogem pela fronteira em Maznaa, dizem temer que
afiliados da al-Qaeda estejam ocupando o campo de Yarmouk; falam de estabelecer
um Emirado Islâmico.
Visitei,
com um velho amigo palestino, hoje cedo, o campo de Yarmouk, e conversei com
muita gente. Ao contrário de boatos que circulam sobre recentes acontecimentos
em Damasco, as unidades do exército sírio que fazem guarda à entrada do campo
Yarmouk e patrulham as áreas adjacentes não estão impedindo a entrada de
norte-americanos e de outros estrangeiros. Alertam, sim, para que ninguém entre
no campo, mas não impedem a entrada nem prendem quem insista em entrar. Algumas
partes desse enorme campo de refugiados, que mais parece um grande bairro de
qualquer grande cidade, dividido pelas ruas Yarmouk e Palestina, parecem calmas
e seguras.
Mas há áreas da zona Yarmouk, que
parecem estar sob controle da Frente
Al-Nusra, completamente ou em grande parte; ali estão
sendo instalados centros de assistência social e bases de treinamento para
recrutas que não param de chegar de vários países; entre eles, sim,
lamentavelmente, há também palestinos. Pelo que ouvi, a maioria são
desempregados, jovens que abandonaram a escola e, também, bandos de seguidores
de um xeique salafista de ar feroz que faz sermões pregando as virtudes da
jihad. Os recrutas recebem uma arma, algum treinamento, algum dinheiro e
“instrução religiosa” (lições erradas, segundo as quais o Santo Corão exigiria
que libertem Yarmouk das garras dos não-crentes, inclusive de não sunitas, e
estabeleçam, nas áreas “libertadas”, um Emirado Islâmico, desmantelando o que
reste do acordo Sykes-Picot. [1].
Com
vistas a esse objetivo, o pessoal da Frente Al-Nusra está agora “limpando” as
áreas de Yarmouk sob seu controle, e tentando ampliar o controle para outras
áreas do campo. Não encontram muita resistência, como havia em 4/1/2012, quando
estive aqui, dentre outros motivos, porque os comitês populares armados, como o
Comando Geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina, ainda não
retornaram em grandes números, depois que deixaram o campo, há duas semanas.
Alguns
dos moradores desse campo de refugiados esperam que o exército sírio entre com
força massiva em Yarmouk, para expulsar daqui a Frente al-Nusra e seus aliados;
outros dizem que os sírios relutam, porque não querem ser acusados de atacar um
campo de refugiados palestinos.
Outros
dizem que é um jogo de espera, até que se resolva a crise síria; até lá, se
limitam a não circular nas áreas (sempre crescentes) pelas quais circulam os
jihadistas, evitando-os, na medida do possível, até que se resolva o problema
sírio. Senti, pessoalmente, entre as pessoas com quem falei, que há por aqui
algum otimismo; alguns, nem tão poucos, acreditam que a questão síria logo
estará resolvida; todos acompanham os contatos previstos para esse mês de
janeiro, entre EUA e Rússia, de onde esperam ver surgir alguma luz.
Conversando
com soldados sírios, à entrada do campo de Yarmouk, perguntei-lhes sobre a
missão deles ali; responderam, praticamente todos com as mesmas palavras: estão
“garantindo a segurança da área e esperando novas ordens”.
Nota dos
tradutores
[1] O Acordo
Sykes-Picot, de 16/5/1916 foi acordo secreto entre os governos do Reino
Unido e da França que definiu as suas respectivas esferas de influência no
Oriente Médio após a Primeira Guerra Mundial. Os limites estabelecidos pelo
acordo ainda permanecem na maior parte da fronteira comum entre a Síria e o
Iraque.
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