14/1/2013 Jean-Luc
Mélenchon, Le Blog de Jean-Luc Mélenchon
“Invité de la matinale de France
Info” (14/1/2013)
Vídeo-entrevista traduzida pelo
pessoal da Vila Vudu (~8
minutos)
Jornalista:
Obrigado por estar conosco, hoje, ao vivo. Desde 6ª-feira passada, há quase
unanimidade nacional sobre a intervenção francesa no Mali. Por que o senhor diz
que em sua opinião, pessoalmente, a intervenção é discutível?
Jean-Luc
Melenchon (JLM): Temos
de começar com um pensamento em memória dos nossos que já morreram nessa
operação. São nossos. Serviram e obedeceram até o sacrifício supremo. Falamos de
uma guerra que se impôs. Já começou. E a França está em guerra, o que altera a
natureza de qualquer comentário.
Mas
nada nos libera do dever de pensar. O que se deve dizer? Qual das guerras ditas
necessárias, das muitas em curso hoje pelo mundo, apresentadas como urgentes,
indispensáveis, e que, como nos disseram, resolveriam o problema, resolveram,
até hoje, os problemas que se propunham a resolver? O Iraque, que foi destruído,
resolveu alguma coisa? O Afeganistão, de onde estamos saindo em frangalhos,
resolveu alguma coisa? A Líbia, que está na origem da propagação das armas que
permitiram que esse grupo atacasse o governo do Mali, foi solução de algum
problema? Nenhuma dessas intervenções resolveram coisa alguma.
Jornalista: O senhor diz, como Dominique de Villepin,
que não soubemos extrair nenhuma lição daquelas guerras?
JLM:
Nenhuma lição. Por isso digo que a intervenção no Mali é discutível. Também é
discutível a nossa intervenção numa situação que já é conhecida há vários meses,
em relação à qual tomamos a primeira medida no último instante, quero dizer, no
momento em que os rebeldes já ameaçam tomar a capital. Por que a capital está
sendo ameaçada? E penso aqui nos nossos muitos amigos malienses, da imensa
comunidade do Mali que vive na França e que estão muito inquietos com a situação
atual. Por que a capital está sob ameaça? Não será porque já houve um golpe de
Estado, porque o atual presidente já estava em situação ilegítima, unicamente
porque o ex-presidente foi forçado a renunciar, porque o Primeiro-Ministro foi
deposto por um capitão armado? Quero dizer, não será porque o Estado maliense já
estava, em vários sentidos, destruído, sem que a França tenha, até agora, movido
um dedo?
E,
de repente, a intervenção militar se torna urgente?
Disse
e repito que, sim, espero que essa intervenção, alcance, pelo menos, o objetivo
para o qual foi feita, com a urgência com que foi feita, uma vez que já
aconteceu e já começou. Não implica dizer que apoio a intervenção.
Jornalista: Com os objetivos que tem, de...
JLM: Sei o
que você sabe: a intervenção visa a conter um ataque armado que levava a crer
que a capital do Mali estaria em vias de cair em mãos de rebeldes. Mas, também
quanto a isso, recomendo sangue frio aos que nos escutam, que não se ponham a
simplificar tudo. Os “islamistas”, entre aspas, os quais, parece, estariam com a
iniciativa do que aconteceu no Mali, começaram, eles mesmos, por derrotar as
forças que ocuparam dois terços do território do país, que caíram em mãos dos
tuaregues. Tudo isso, ali, está misturado. Lembro que, por trás do problema dos
islamistas persiste o problema dos tuaregues que declararam a independência de
uma parte do país. Consequentemente, nenhuma força de intervenção conseguirá
resolver problema algum se se puser a bombardear uns, para resolver problema
criado por outros.
Jornalista: Seria o caso, então, de intervir, mas não
agora, ou, seja como for, não como a intervenção foi feita? É isso?
JLM: O que
temos hoje é uma situação de fato consumado. A intervenção já está em curso. A
única coisa que ainda se pode discutir é como que se pode evitar, para o futuro,
que, como aconteceu, mais uma vez, ninguém tenha pensado em levar a discussão ao
Parlamento. Não digo que se devesse discutir o momento de uma intervenção
militar no Parlamento. Mas, pelo menos, deveria ter havido, no Parlamento,
alguma discussão sobre a situação no Mali, para que se analisassem vários
cenários.
Lembro
que a França não está atuando com mandato da ONU. Não é verdade. O mandato da
ONU ordenou que uma força africana interviesse. O que aconteceu? Os africanos
não seriam capazes de cumprir um mandato da ONU?
Jornalista (lê algumas linhas da Carta da ONU).
JLM: Essa é
a Carta da ONU. Não é o texto da Resolução da ONU. A resolução ordena
expressamente que “uma força africana” intervenha no Mali. Então... O que se
passou, entre a Resolução da ONU e a intervenção francesa? Não encontraram, em
toda a África, exército à altura? A Argélia, ao lado do Mali, tem exército
tecnicamente moderno. O que aconteceu?
Jornalista: Seria papel da Argélia, então...
JLM: Seria
papel dos africanos. A resolução da ONU fala em “forças africanas”. Os africanos
são adultos. Os países africanos não são países folclóricos. São nações,
verdadeiras nações.
Temo
que estejamos retomando o velho hábito de intervir aqui, ali, às vezes na Costa
do Marfim, para estabelecer um governo cuja legitimidade é por muitas razões
muito discutível.
Jornalista: O senhor está dizendo que o governo da
Costa do Marfim, de France-Afrique,
não seria legítimo?
Alassane Ouattara |
JLM: Não
tenho dúvidas. Digo-lhe, olhos nos olhos que a legitimidade do governo do Sr.
Alassane Ouattara na Costa do Marfim é muito discutível. E a França interveio
ali militarmente para cassar um presidente legítimo, francês, nosso compatriota,
que está hoje na cadeia na Costa do Marfim, o Sr. Laurent Gbagbo, pelo único
crime de ter Gbagbo no sobrenome. E nenhum governo francês manifestou por isso
qualquer incômodo. Temo é que estejamos voltando a esses velhos hábitos.
Laurent Gbagbo |
E
gostaria muito de que a França não voltasse a um tipo de comunicação [orig.
volonté de communication, “vontade de comunicação”] , como se vê hoje no
jornal Libération, que escreveu hoje que “uma guerra não é jamais má
notícia para um chefe de Estado”. Espero que não se trate disso.
Jornalista: Posso dizer talvez que há aí uma fratura a
mais entre o senhor e o presidente...
JLM: Não
sei. Cada caso é estudado separadamente. Uma atitude não determina a atitude
seguinte. Vejo, por exemplo, hoje cedo, que Noël Mamère [jornalista e deputado
dos Verdes] é até muito mais severo que eu, nessa questão. Vários socialistas
eleitos também têm questões a discutir e perguntam por que o Parlamento só foi
consultado depois. Lembrem que, para uma operação “de polícia
internacional” – e foi assim que o presidente Mitterrand apresentou à ONU, na
terça-feira de manhã, uma guerra que começou ao meio-dia.
Jornalista: Um tema no qual o senhor está de acordo com
Hollande, o casamento para todos. Não deveria também começar por uma consulta
aos franceses, ao Parlamento?
JLM: Os
parlamentares são os franceses. De minha parte, não tenho nenhuma intenção de
menosprezar a mobilização em curso, da direita. Acho que a França tem sorte.
Estamos engajados nesse debate barulhento, como se dizia. A democracia opera
assim. Temos de aceitar toda a densidade dessa discussão. Mas [no debate em
curso sobre o casamento civil entre homossexuais, no qual a direita mobilizara,
na véspera, vasta multidão contra o casamento entre homessexuais] não se trata
de “a rua”.
"Manif pour Tous" - "Manifestação para todos", Paris em 13/1/2013 |
Jornalista: Mas o que o senhor tem a dizer sobre a
manifestação nas ruas, ontem?
JLM: Em
primeiro lugar, o governo não é um bando de jornalistas a publicar comentários.
Eu, tampouco, faço “comentários” sobre os eventos. Eu sou um homem engajado. A
direita também tem suas figuras engajadas, que se manifestaram ontem a favor da
“união civil” e contra o “casamento”. Tudo é política e é preciso que todos se
manifestem. E o objetivo da manifestação política é convencer o maior número
possível de pessoas.
Nós
pregamos o casamento igual para todos. E nós também faremos nossa manifestação
de rua. A coisa será votada e é preciso mobilizar a maior quantidade possível de
pessoas. Nossa tarefa é política e não se trata de ficar em casa, pensando que a
tal manifestação foi menor do que anunciaram, e eles que se acertem lá entre
eles, que a coisa não é comigo.
Jornalista: O senhor vai se manifestar sobre o
casamento de homossexuais?
JLM: Dia 27
teremos nossa manifestação pública. Não será manifestação de apoio ao governo
[Hollande também apoia o casamento de homossexuais]. Os socialistas não são
donos dessa questão. Este que lhe fala foi quem apresentou a primeira lei sobre
o assunto. E os que são contra hoje, já eram contra. Nossa posição é que não se
pode coibir o amor, o amor para todos...
Jornalista: E que diferença há entre a união civil que
a direita propõe e o que o senhor está dizendo?
Léon Blum |
JLM: As
associações pedem o casamento e não se satisfazem com a união civil. Mas a
questão geral, de fundo, é a questão de garantir todos os direitos iguais para
todos. Não se trata de os homossexuais terem direito a núpcias. Trata-se de
todos terem direitos civis iguais.
Eu
não partilho dessa excitação nupcialista de algumas organizações, que parecem
lutar exclusivamente pelo direito burguês ao vestido de noiva. Não. A tradição
da esquerda, a longa tradição de esquerda nesse campo nunca foi essa. Léon Blum
dizia que a união civil livre será o que decidirmos que ela seja. Todos os seres
humanos ou são iguais, ou não são. Para homem ou mulher de esquerda, a luta pela
igualdade de direitos civis e a luta pela igualdade de direitos sociais são uma
única e mesma batalha. Por isso tudo há quem seja a favor e quem seja contra os
direitos civis para todos e há os que são contra: a união civil de que fala a
direita não garante direitos iguais para todos. A batalha é a mesma de 1789: ou
todos os homens e todas as mulheres têm direitos iguais, ou não têm. A união
civil que a direita propõe limita direitos para alguns.
[Agradecimentos
e fim da entrevista]
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