23/1/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online – The roving
eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
E
o vencedor do Oscar de Melhor Sequência de 2013 vai para... A Guerra Global ao
Terror [orig. Global War on Terror (GWOT)], produção do Pentágono.
Abandonai toda a esperança, vós que pensastes que a coisa não passaria da
conversa fiada sobre o passamento dessa p’ra melhor, de “Jerônimo”, codinome
Osama bin Laden, já reduzido a reles figurante de Zero Dark Thirty,
filme-aula de tortura.
Agora já é informação oficial –
emitida pela boca do leão, Comandante do Estado-Maior dos Comandantes das Forças
Armadas dos EUA, general Martin Dempsey, e devidamente postado
no site do AFRICOM, braço
africano armado do Pentágono.
Martin Dempsey |
Sai
de cena a al-Qaeda “histórica”, enfiada lá em algum buraco dos Waziristões, nas
áreas tribais do Paquistão. Entra em cena a al-Qaeda no Maghreb Islâmico [orig.
al-Qaeda in the Islamic Maghreb (AQIM)]. Nas palavras de Dempsey, a
AQIM “é uma ameaça não só ao Mali, mas a toda a região. (...) E se não
for contida, pode, de fato, converter-se em ameaça global”.
Com
o Mali já elevado à categoria de “ameaça” global, comprova-se que a Guerra
Global ao Terror é realmente sem fim. O Pentágono não distribui frases de
efeito. Quando, no início dos anos 2000s, os guerreiros-de-poltrona cunharam a
expressão “A Longa Guerra”, falavam, mesmo, de guerra muito, muito longa.
Mesmo com a doutrina do governo
2.0 do presidente Obama de “liderar pela retaguarda”, não resta qualquer dúvida
de que o Pentágono
caminha diretamente para guerra no Mali – e ninguém cogita de
guerrear nas sombras. O
general Carter Ham, comandante do AFRICOM, já opera sob o pressuposto de que os
islamistas no Mali “atacarão interesses dos EUA”.
Portanto,
nesse momento já estão sendo enviados os primeiros 100 “conselheiros” militares
dos EUA rumo ao Niger, Nigéria, Burkina Faso, Senegal, Togo e Gana – os seis
países-membros da Comunidade Econômica dos Estados da África Oriental [orig. Economic Community of West African States
(ECOWAS)] que integrarão um exército africano que terá a tarefa (dada a eles
por Resolução da ONU) de reconquistar (invadir?) as partes do Mali que estão sob
controle do enxame de islamistas da AQIM, do MUJAO (grupo que se separou da
AQIM) e da milícia Ansar ed-Dine. Claro: esse miniexército africano é pago pelo
ocidente.
Quem
estude a Guerra do Vietnã logo lembrará que enviar “conselheiros” foi o
primeiríssimo passo que os EUA deram na direção de afundarem-se completamente no
pântano no qual só depois perceberam que se haviam metido. Ironia suprema nada
Pentagônica à parte, os EUA já há vários anos sim, deram instrução e treinamento
a tropas do Mali. Muitos desertaram logo depois de treinados. Um desses, que
recebeu treinamento nos EUA, em Fort Benning, o capitão Amadou Haya Sanogo, não
só comandou um golpe militar contra o governo eleito do Mali, como também criou
as condições indispensáveis para o avanço dos islamistas.
Carter Ham |
Mas
ninguém está prestando atenção a esses detalhes. O general Carter Ham está tão
excitado com a possibilidade de o seu AFRICOM ganhar mais luzes e caixas de som
que o Led Zeppelin nos grandes dias, com ele próprio apresentado pessoalmente ao
mundo como salvador (o Carter da África?), que não toma nem tomará conhecimento
de fato histórico algum.
O
general parece ter esquecido que o AFRICOM – e, então, a Organização do Tratado
do Atlântico Norte, OTAN – deram total apoio (e armaram) os rebeldes-da-OTAN na
Líbia, quando lutavam guerra cara à cara contra Muammar Gaddafi. O general
sempre soube que a al-Qaeda no Maghreb Islâmico “tem muito dinheiro e muitas
armas”.
Apesar
disso, ainda diz que “mercenários pagos por Gaddafi” teriam desertado, deixado a
Líbia e levados suas armas, “muitas das quais chegaram ao norte do Mali”.
Nã-nã-não,
general! Nunca foram mercenários de Gaddafi; a maioria deles eram rebeldes pagos
pela OTAN, os mesmos que atacaram o consulado dos EUA, que sempre foi base da
CIA, em Benghazi; os mesmos que tomaram a direção da Síria; os mesmos que agora
aparecem por todo o Sahel.
Assim
sendo... como a Argélia entra nisso?
David Cameron |
Na sequência, na imediata rabeira,
o primeiro-ministro David Cameron seguiu a Voz do Mestre e anunciou
que a intervenção no Mali durará anos, “talvez décadas”.
Nessa
3ª-feira, o crème de la creme do establishment da inteligência
britânica reúne-se para planejar, nada mais nada menos, que uma guerra
pan-Saara/Sahel, para a qual querem mais
uma “coalizão de vontades” à moda Bush”.
Para o momento, o envolvimento dos britânicos significa ainda mais
“conselheiros” das categorias “cooperação militar” e “treinamento de segurança”
de sempre, montanhas de dinheiro e, por fim mas nem por isso menos importante,
Forças Especiais do tipo que fazem guerra nas sombras.
O
cenário se completa com outro providencial “Jerônimo”: Mokhtar Belmokhtar,
codinome “O Incapturável” (para a inteligência francesa), comandante do MUJAO e
cérebro pensante por trás do raid contra o campo In Amenas de extração de
gás na Argélia.
Já não vimos esse filme?! Claro
que vimos. Mas agora – já é oficial – o Mali é o novo Afeganistão (como o jornal
Asia Times Online já informou via redecastorphoto em “Queima,
arde, padece o Afeganistão africano”, 18/1/2013.
Eis
o que disse Cameron: “Assim como tivemos de lidar com o Paquistão e o
Afeganistão, agora o mundo tem de unir-se para lidar com essa ameaça na África
do Norte”. Certo. Belmokhtar já está ensaiando para uma rápida intervenção, como
figurante, no roteiro que está sendo redigido da continuação de Zero Dark
Thirty.
Já
está bem claro o pé em que ficam as “relações especiais” anglo-americano –
Pentágono – AFRICOM / inteligência britânica com a França sob a presidência de
François Hollande, reconvertido à função de senhor-da-guerra, na “liderança”
(momentânea) rumo à Operação Beco-sem-saída Africano. Fato
absolutamente crucial é que ninguém na União Europeia, exceto os Brits, é
suficientemente doido para seguir as pegadas de Hollande, neossenhor-da-guerra.
Mas
ainda não se sabe onde fica a Argélia, chave de toda a equação, do ponto de
vista da Guerra Global Ocidental contra o Terror.
Mokhtar Belmokhtar |
Fato
número 1: o novo “Jerônimo”, Belmokhtar, e sua Brigada Mulathameen [“Os
Mascarados”], da qual o Batalhão “Assinaturas de Sangue” que atacou na Argélia é
um subgrupo, mantém laços próximos, íntimos, com o serviço secreto da
inteligência da Argélia. Em certo sentido, vê-se aí um remix das relações
que havia entre os Talibã – e a al-Qaeda “histórica” – e o serviço secreto da
inteligência do Paquistão (ISI).
A
reação ultra duríssima dos militares da Argélia ao raid dos islamistas
era previsível (já reagiam assim nos anos 1990s durante a guerra interna contra
a Frente de Salvação Islâmica). Não negociamos com terroristas: nós os matamos
(mesmo que morram também muitos reféns). Fazemos tudo sozinhos, sem estrangeiros
que metem o nariz em tudo. E, em seguida, descemos pesada cortina sobre qualquer
tipo de informação ou noticiário.
Não
surpreendentemente, esse modus operandi fez subir uma longa fieira de
sobrancelhas em todo o campo do “relacionamento especial” anglo-norte-americano.
Daí a “conclusão” a que chegaram Washington / Londres: não se pode confiar nos
argelinos. Nossa Guerra Global ao Terror – capítulo Saara / Sahel – terá de ser
lutada sem eles. Muito provavelmente, isso sim, contra eles.
Fator complicador grave é que os
cerca de 40 islamistas (ou mais) entre os quais havia líbios, sírios e egípcios
atravessaram 1.600 quilômetros , no
mínimo, de alto deserto, vindos da Líbia, não do Mali. Não teriam chegado ao fim
da viagem se não tivessem recebido efetiva “proteção” – algo como alguma
potência estrangeira que forneceu informações de inteligência a gente importante
de dentro do governo da Argélia. Reféns resgatados disseram que os
sequestradores falavam “inglês com sotaque norte-americano” (entre os quais um
canadense que a Reuters batizou de “Chedad”) e que sabiam exatamente onde
encontrar os estrangeiros dentro do complexo da usina.
O
professor Jeremy Keenan, da Escola de Estudos Orientais e Africanos em Londres,
fala de uma operação
de forças da Argélia, mascarada como se fosse operação de grupos terroristas,
que saiu pela culatra.
Argel
parece ter querido sinalizar para o ocidente que se a França se pusesse a
bombardear o Mali haveria retaliação inevitável; mas durante o desenrolar dos
eventos, Belmokhtar decidiu inverter completamente o jogo, porque se enfureceu
quando a Argélia abriu seu espaço aéreo para a passagem dos aviões franceses que
bombardeariam o Mali. Em mais de um sentido, é remix da revolta dos
Talibã contra o ISI paquistanês.
A opinião pública na Argélia
suspeita, para dizer o mínimo, dos motivos de praticamente todos os envolvidos,
entre os quais também do governo da Argélia e sobretudo da França. No blog
maghrebino The
Moon Next Door lê-se uma amostra fascinante de o que e como os
argelinos pensam hoje.
Vale
a pena fazer aqui uma longa citação desse artigo, escrito por um professor de
ciência política, porque aí se resume o modo como o pensamento local vê e expõe
a “liderança” francesa, no novo capítulo da Guerra Global ao
Terror.
Ahmed Adimi |
Em
entrevista ao diário Le Soir d'Algerie, o professor de ciência política,
Ahmed Adimi descreve a intervenção como tentativa para “minar a Argélia” e “um
passo no plano de instalar forças estrangeiras na região do Sahel”. A tese de
Adimi é que a França trabalhou durante anos para desestabilizar o Sahel como
modo de fortalecer a sua posição geopolítica.
Perguntado
sobre se a operação francesa no Mali teria sido consistente com a Resolução n.
2.085 do Conselho de Segurança da ONU, Adimi diz que a resolução “não é problema
grave. As potências ocidentais têm usado essas resoluções para justificar suas
operações militares. Já aconteceu no Iraque. De fato, a operação francesa pode
parecer legal, dado que foi empreendida a pedido do atual presidente do Mali.
Mas deve-se lembrar que o atual governo chegou ao poder por golpe de Estado.
Quanto à intervenção, era sem dúvida previsível, mas os franceses precipitaram
as coisas. (...) Aqueles grupos terroristas estão sendo manipulados pelas
potências estrangeiras”. Diz também que esses grupos tiveram “autorização” para
andar na direção do sul, para Konna, para assim justificar a intervenção
francesa.
Para
Adimi, os algerianos “há tempo soam o alarme sobre a situação no Sahel
em geral. Ahmed
Barkouk e eu organizamos vários seminários sobre essa questão.
Discutimos o papel da França e seu compromisso na região. A França esteve por
trás da criação do movimento pelo Azawad. Falo é claro da organização política,
não do povo do Azawad, que tem direitos como comunidade. Os franceses sabiam que
sua intervenção na Líbia levaria os militares tuaregues pró-Gaddafi a retornarem
ao Mali. Também planejaram a distribuição de muitas armas líbias entre os grupos
do Sahel. A meta é converter a região num novo Afeganistão. É resultado de um
longo planejamento”.
Tariq Ramadan |
Tariq Ramadan, em artigo
devastador, também
desmascara Paris, expondo a conexão entre a tortuosa intervenção “humanitária”
de Sarkozy na Líbia e ao atual ímpeto de Hollande para proteger “um país amigo”
– e, isso, depois de anos de hipocrisia francesa que jamais deu qualquer atenção
ao “povo sofredor” que sofria sob o tacão de incontáveis ditadores africanos.
Mas
o Oscar para o Cenário mais Hipócrita vai, sem dúvida, para as atuais “graves
preocupações” franco-norte-americanas sobre o Mali ser hoje o novo playground
da al-Qaeda, quando já se sabe que os principais playgrounds são
mesmo o norte da Síria, onde a al-Qaeda é apoiada pela OTAN (até a fronteira
turca); o norte do Líbano e grandes partes do território líbio.
Sigam
o ouro e sigam o urânio
Mesmo
antes de que se possam analisar com alguma profundidade todas as muitas
ramificações – algumas não previstas – da Guerra ao Terror expandida, há duas
pistas a seguir atentamente no futuro próximo: o ouro e o urânio.
Seguindo
o ouro.
Várias nações têm montanhas de ouro depositadas no New York Federal Reserve. Dentre elas destaca-se,
hoje crucial, a Alemanha. Recentemente, Berlim começou a pedir que seu ouro
físico seja repatriado: 374 toneladas depositadas no Banco da França e 300
toneladas das 1.500 toneladas depositadas no New York Federal Reserve.
Franceses
e norte-americanos imediatamente pensaram: “Ficaremos sem ouro algum!” A
operação de repatriação do ouro se prolongará por sete anos, no mínimo. Resumo:
Paris e Washington / New York têm de comparecer com ouro, de verdade, seja como
for.
É
onde o Mali encaixa-se belamente. O Mali – com Gana – é responsável por mais de
8% da produção global de ouro. Se você estiver desesperadamente carente do
produto genuíno – ouro físico – é indispensável controlar o Mali. Imaginem se
todo aquele ouro acaba em mãos da... China ?!
Agora,
sigamos o urânio.
Como todos os que viveram de perto a saga do yellowcake [concentrado de
urânio] do Niger antes da invasão do Iraque, o Niger é o quarto maior produtor
mundial de urânio. O principal comprador é – adivinhem... – a França; metade da
energia elétrica da França é produzida por energia nuclear. As minas de urânio no
Níger
estão concentradas no noroeste do país, na face ocidental das montanhas Air, bem
próximas da fronteira com o Mali – e uma das regiões que os franceses estão
bombardeando.
Região dos Tuaregs (hachurada) e ouro... e urânio... |
A
questão do urânio mantém íntima ligação com sucessivas rebeliões dos tuaregues;
não se pode esquecer que, para os tuaregues, não há fronteiras nacionais no
Sahel. Todas as recentes rebeliões tuaregues no Niger aconteceram em território
de urânio – na província de Agadis, próxima da fronteira do Mali. Assim, do
ponto de vista dos interesses franceses, imaginem o risco de os tuaregues
passarem a controlar aquelas minas de urânio – e porem-se a fazer negócios
diretamente com... a China?! E Pequim, por falar dela, já está presente naquela
região.
Hollande (França) em assalto ao Mali |
Todo
esse jogo crucial de poder estratégico – o “ocidente” enfrenta a China na
África, com o AFRICOM dando “uma mão” a Hollande, neossenhor-da-guerra e
assumindo a perspectiva da Longa Guerra – de fato é mais decisivo que a síndrome
da retaliação. Não é crível nem pensável que os serviços de inteligência
britânico, francês e dos EUA não tenham previsto os efeitos em cascata e
eventuais efeitos da “guerra humanitária” da OTAN contra a Líbia. A OTAN é
aliada muito íntima dos salafistas e dos Jihads salafistas –
temporariamente apresentados como “combatentes da liberdade”. Eles sabiam que o
Mali – e todo o Sahel – imediatamente depois, seria inundado de armas.
Não,
não foi por acaso. A expansão da Guerra Global ao Terror para o Saara/Sahel foi
construída passo a passo. Guerra Global ao Terror é maná que nunca acaba de
chover sobre os interessados: o que mais poderia interessar ao complexo
industrial-militar-segurança-midiático franco-britânico-USAmericano, que um novo
teatro de guerra?
Oh,
yes!
Há também o tal “movimento de pivô” em direção à Ásia. Muita gente daria um dedo
– extraído à moda dos radicais – para saber como e quando virá o contragolpe de
Pequim.
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