Publicado em 10/01/2013 por
Urariano Motta *
Recife (PE) - Este artigo nasceu
do comportamento da imprensa brasileira em geral, e da recifense em particular,
quando “esqueceu” no último dia 8 as notícias dos assassinatos de janeiro de
1973 no Brasil. É certo e claro que não podemos esperar dos jornais uma colossal
memória, a ponto de que façam voltar às páginas acontecimentos trágicos
em datas
significativas. Não. A falta vem da história da ditadura que
não está fechada, que pede urgência para a denúncia de crimes insepultos, no
instante em que cresce a Comissão da Memória e da Verdade em todo o país. É a
pauta do dia mesmo, é o gancho de sangue, que exige um destaque para o 8 de
janeiro de 1973.
O problema é que o título acima,
se é bom como achado, é falho em ciência. Isso porque os pacientes do mal de
Alzheimer não perdem bem o passado, perdem o presente. Então corrijo, pois dos
jornais brasileiros podemos escrever que sofrem de um Alzheimer muito pior: não
veem o presente e perderam o passado. Para não dizer que na marcha em que vão
perdem também o futuro. Entendam o porquê.
Em 8 de janeiro de 1973 as
manchetes de todos os jornais anunciaram: “seis terroristas mortos
em tiroteio”.
Foram seis homicídios, todos unidos e simplificados em um
aparelho da Chácara São Bento, um sítio na região metropolitana do Recife.
Todos, pelo anúncio dos jornais, perigosos terroristas, que resistiram à bala ao
cerco das forças da ordem. Mas só depois de mortos se fez a maquiagem nos jovens
socialistas: com tiros, para melhor coerência do suplício com o papel dos
jornais. Foram eles: Pauline Reichstul, José Manuel, Soledad Barrett, Evaldo
Ferreira, Jarbas Pereira e Eudaldo Gomes. Todos, a investigação histórica
revelou, mortos que denunciaram o rastro do Cabo Anselmo.
E que histórias têm esses mortos,
amigos. E que tragédias vivas perderam as notícias do último dia 8, vivas, pois
suas vidas clamam ser conhecidas por todos. Que grandeza épica tiveram esses
jovens massacrados. De um deles, Jarbas Pereira Marques, com quem bebi cerveja
no Pátio de São Pedro, tendo ao lado a sua esposa grávida, assim falou Mércia
Albuquerque, advogada fundamental dos anos de terror de Estado em
Pernambuco:
Três dias antes da sua morte,
Jarbas me procurou à noite e entregou fotografias da família, uma fotografia que
dizia ser do Cabo Anselmo, e mais Carteira do Trabalho, Certidão de Casamento,
Certidão de Nascimento e Certificado de Reservista.
Ele me disse que estava para ser
preso e que Fleury se encontrava no Recife com a sua equipe, e que o Cabo
Anselmo usava os nomes de Daniel, Jadiel, Américo Balduíno, que o Cabo era
companheiro de Soledad, mas ele já havia descoberto que esta pessoa era
infiltrada na organização, daí porque ele estava muito assustado...
Jarbas era um tipo romântico,
ingênuo, e eu conversei com ele, pedi que ele fugisse, mas ele se negou dizendo
que isso não faria pela segurança da filha e da esposa.
Eu pedi que ele deixasse a criança
sob meus cuidados, mas ele me falou que não ia levar Tércia Rodrigues para uma
aventura, porque ela era uma pessoa frágil e seria também
assassinada.
Que grandeza! Para salvar a
fragilidade da esposa, foi morto. A sua única filha, Nadejda Marques, vive nos
Estados Unidos, onde escreveu um livro cujo nome é Born
Subversive. Nascida Subversiva, que nome,
amigos.
No texto presente não cabe a
dimensão dessas pessoas e de seus destinos. Mas não posso deixar de esboçar com
a rispidez e a brevidade de um lead
duas mulheres:
Pauline Reichstul nasceu em Praga,
filha de judeus poloneses. Ainda bebê, a família mudou-se para Paris, onde viveu
até 1955, voltando então a migrar para o Brasil.
Completou o curso de Psicologia na
Universidade de Genebra em 1970. Nesse tempo, passou a ter contatos com
brasileiros de resistência à ditadura.
Trabalhou em órgãos de divulgação
na Europa denunciando as violações de Direitos Humanos no Brasil, em especial as
torturas e mortes de militantes.
Foi namorada e companheira de Ladislas Dowbor. O irmão de Pauline, Henri Philippe
Reichstul, ex-preso político, foi presidente da
Petrobras.
E de Soledad Barrett, guerreira,
atraiçoada mulher do cabo Anselmo, que ele entregou grávida para a morte ao seu
amigo Fleury.
Lembro rude como uma síntese. Para
ela, para a sua memória, escrevi “ Soledad
no Recife”.
Na medida do possível, os
escritores escrevemos o que falta aos jornais. Os impressos sofrem do novo
Alzheimer, sem presente e sem passado.
Dizem os médicos que a demência
começa com o esquecimento.
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