quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Que nenhum progressista deixe-se enrolar em falsas “polêmicas”: Chuck Hagel foi escolhido pelo Pentágono


8/1/2013, Allen Ruff, The Progressive
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Allen Ruff
Depois de semanas de discussões/balões de ensaio, o presidente Obama indicou formalmente Chuck Hagel, ex-senador por Nebraska e apresentado quase sempre como “Republicano moderado”, para substituir Leon Panetta como secretário da Defesa.

Críticos conservadores puseram-se imediatamente a repetir objeções, desde o primeiro instante em que o nome de Hagel apareceu como possibilidade em meados de novembro. A torcida organizada pró-neoliberais-conservadores de sempre o acusou de ser pouco beligerante contra o Irã e pouco beligerante a favor de Israel.

Seguindo sua linha cada vez mais neoliberal conservadora, o Washington Post escreveu em editorial dia 18 de novembro que Hagel “não é escolha certa para a secretaria de Defesa”.  Citando o ex-senador, disse o Post: “Em questões críticas, que vão do orçamento da Defesa, ao Irã, o sr. Hagel expôs posições, ainda mais à esquerda que as do sr. Obama em seu primeiro mandato”.  (Hagel, uma vez, cometeu a temeridade de sugerir que os gastos do Pentágono deveriam ser “rebaixados”. Imaginem só!).

Barack Obama e Chuck Hagel
Os detratores desenterraram um voto de Hagel contra sanções ao Irã, enquanto a mídia de direita repetia, como câmara de eco, a acusação de “antissemitismo”, porque o senador, há anos pronunciou a expressão “lobby judeu”. Mas, sim, Hagel enfureceu mais de um fundamentalista pró-Israel, quando disse, em 2006, que “Não sou senador de Israel. Sou senador dos EUA. Apoio Israel, mas meu primeiro pensamento é que, ao tomar posse como senador, jurei servir à Constituição dos EUA, não a um ou outro presidente, não a um ou outro partido, nem jurei servir a Israel. Se fosse eleito senador em Israel, sim, seria diferente”.

James Fallows
Parte da esquerda nos EUA imediatamente saltou em defesa de Hagel. James Fallows, do Atlantic, apresentou-o como “inteligente escolha no campo do bipartidarismo”, veterano condecorado na guerra do Vietnã e com currículo de “direita realista e cautelosa”; e denunciava as “falsas acusações assacadas contra Chuck Hagel.

Em agosto de 2005, Hagel ganhou as simpatias dos centristas, ao mostrar-se como o primeiro senador Republicano a criticar abertamente a guerra do Iraque e exigir a retirada dos EUA. Criticou o então presidente Bush, a ala mais conservadora dos Republicanos, o “Velho Grande Partido” [orig. Great Old Party, GOP] e a violência, contra as liberdades civis, implícita na lei Patriot Act aprovada em dezembro daquele ano. Na ocasião, Hagel disse que “jurei obedecer e servir à Constituição, não ao estatuto do meu partido ou ao presidente.”

Adiante, em 2007, criticou os planos para a “avançada” [orig. surge] na guerra do Iraque. Essas declarações – que a direita jamais esqueceu –, contribuíram para dar melhor imagem a Hagel aos olhos dos pacifistas e militantes antiguerra centristas moderados.

O problema é que nem os detratores nem os apoiadores expuseram ainda claramente quem é, de fato, o homem; nem por que os progressistas temos de nos opor firmemente à indicação de seu nome para o posto de Top Gun do Pentágono.

Mais uma vez, cabe à verdadeira esquerda entender e fazer ver com a máxima clareza possível, que nenhuma esquerda pode-se deixar enredar na arapuca de apoiar a mais recente escolha de Obama para a secretaria da guerra, apenas porque a direita opôs-se à indicação.

Atualmente membro do Conselho Diretor da Chevron (desde 2010), Hagel liderou os ataques, em 1997, que bloquearam a ratificação do Protocolo de Kioto, o acordo internacional que visava a obrigar os EUA e outras nações industrializadas a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. A Resolução Hagel-Byrd – que leva também o nome do Democrata de West Virginia e defensor de empresas norte-americanas poluidoras, Robert Byrd – pela qual ficou decidido que os EUA não ratificariam o Protocolo de Kioto argumentava que o protocolo deixava de fora os países emergentes e criava impedimentos à expansão econômica dos EUA.

Em suas idas e vindas pela porta giratória que liga os congressistas e a empresa privada nos EUA, e à caça de fama e fortuna sempre crescentes, Hagel anunciou em setembro de 2007 que não se candidataria para o que poderia ser seu terceiro mandato no Senado; ali iniciava outra carreira... na diretoria da Chevron. As biografias em circulação repetem, todas, que Hagel é professor na Georgetown University; e praticamente todas elas omitem que, para assumir a secretaria da Defesa, Hagel terá de afastar-se do emprego na diretoria da Chevron.

Provavelmente, também terá de deixar a posição de co-presidente do Corpo de Conselheiros Presidenciais para Inteligência – aquele grupo de “cidadãos de notório saber selecionados [nomeados] nos setores de segurança nacional, político, acadêmico e mercantil-privado (...) independentes da Comunidade de Inteligência oficial, dispensados de qualquer responsabilidade operacional e de administração do dia a dia, com pleno acesso, sem qualquer restrição, a toda e qualquer informação no campo da Inteligência”.

John Kerry
Hagel tem assento atualmente também no corpo de direção do American Security Project, um thinktank imperial, com sede em Washington, cuja missão é “compreender e articular as crenças e valores relacionados à política externa dos EUA”, e forjar, domesticamente, um “consenso bipartidário” sobre “uma nova estratégia nacional de segurança que restaurará a liderança americana”. Fundado em 2007, com Hagel e o já provável sucessor de Hillary Clinton no departamento de Estado, John Kerry, como membros fundadores, o American Security Project é agente profundamente envolvido na “pesquisa para a segurança no campo da energia” e “a necessidade dos biocombustíveis para a segurança nacional dos EUA (quer dizer: é o Pentágono virando “verde”!), além da tarefa de “construir respostas estratégicas para os desafios do século 21”.

Se sua indicação for confirmada, o emprego atual de Hagel, como diretor da organização privada, mas imensamente influente, o Conselho Atlântico [orig. Atlantic Council] será, muito provavelmente suspenso e preservado, pelo menos, até que retorne à “vida privada”.

Rick Rozoff
Raramente discutido, esse Conselho Atlântico, com sede em Washington, foi fundado há 50 anos, como organização não governamental da elite da política externa dos EUA, com a missão de promover o “interesse nacional” dos EUA e a supremacia norte-americana na Guerra Fria, dentro da “comunidade atlântica” e também fora dela, em outros espaços. Segundo Rick Rozoff, crítico da política externa dos EUA, o Conselho Atlântico foi organizado em 1961, por dois ex-secretários de Estado, Dean Acheson e Christian Herter, para impulsionar o apoio à Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN. Sob a liderança dos EUA, vários “conselhos atlânticos” foram implantados em países membros do conselho-mãe, todos com a mesma finalidade.

Lista recente de atuais associados do Conselho Atlântico corresponde praticamente à lista telefônica de todo o establishment de política externa de Washington. Discípulo de Henry Kissinger, Brent Scowcroft, ex-assessor do Conselho de Segurança Nacional, teve papel destacado na modelagem da organização como existe hoje. O principal conselheiro de Obama para Segurança Nacional, James L. Jones, e a embaixadora dos EUA à ONU, Susan Rice (cujo nome chegou a ser cogitado para substituir Panetta no Pentágono), já trabalharam, ambos, para o Conselho Atlântico.

James L. Jones
O antecessor de Hagel no cargo que ocupa no Conselho Atlântico, James L. Jones, foi general de quatro estrelas comandante do Marine Corps, comandante geral do Comando dos EUA na Europa e Comandante do Comando Supremo dos Aliados da OTAN na Europa, de 2003 a 2006. Foi também enviado especial da secretária de Estado, Condoleezza Rice para assuntos de segurança do Oriente Médio e, nessa posição, discutiu abertamente o deslocamento de tropas da OTAN na Cisjordânia, recomendação repetida e reforçada por Scowcroft, também colega de Hagel no Conselho Atlântico.

Scowcroft, general aposentado da Força Aérea e Conselheiro para Segurança Nacional nos governos dos presidentes Ford e George H. W. Bush, é hoje um dos presidentes do Corpo de Conselheiros Internacionais; Hagel é co-presidente desse corpo de conselheiros, no qual se reúnem cerca de 40 altos especialistas em questões de segurança transatlântica e no espaço da OTAN. Fundado em 2007 por Jones, então presidente do Conselho; por Scowcroft e outros, o Grupo de Conselheiros Estratégicos apresenta-se como “instituição destacada no campo do pensamento estratégico e análise de segurança euroatlântica”, graças à sua “liderança respeitada” em assuntos como Afeganistão/Paquistão e o Conceito Estratégico da OTAN [orig. NATO’s Strategic Concept]. O grupo produz relatórios e memorandos sobre temas relacionados a esses temas e organiza “Sessões Estratégicas” privadas, não divulgadas, para altos funcionários, civis e militares, dos EUA e Europa; além de também oferecer aconselhamento informal, pelos seus especialistas, a deputados e senadores”.

Obama e o Ditador do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev
Sob a direção de Chuck Hagel, as atenções do conselho concentraram-se cada dia mais na direção da Ásia, Sul e Central. Como parte dessa “virada” [movimento de “pivô”], e de olhos postos no Cazaquistão, rico em petróleo e urânio e com localização privilegiada do ponto de vista estratégico, em 2010 o Conselho abraçou um projeto que atende pelo título de “A Eurásia como parte da Segurança Transatlântica” [orig. Eurasia as Part of Transatlantic Security]. Também sob a direção de Hagel, o conselho trabalhou para “modelar o debate transatlântico sobre segurança na Eurásia (...)”.

A Força Tarefa Eurásia [orig. Eurasia Task Force] do Conselho foi criada a partir de uma doação financeira do governo do Cazaquistão, hoje sob a presidência “vitalícia” de Nursultan Nazarbayev; somaram-se a essa contribuições também do Strategic Advisory Group e da empresa EADS-North America,  subsidiária norte-americana de uma das maiores fabricantes europeias de aviões de combate, que atualmente fornece armamento a vários regimes repressores em toda a Ásia Central.

Cazaquistão e países fronteiriços (Cáucaso)
Ainda como senador, e bem antes de tornar-se empregado da Chevron (hoje, a maior dentre as empresas já posicionadas para explorar os campos de petróleo do Cazaquistão no Mar Cáspio) ou copresidente do Conselho Atlântico, Hagel já era o único senador dos EUA que visitara as cinco repúblicas da Ásia Central. Naquelas viagens, bem evidentemente, construiu laços e os seus interesses tomaram forma. De lá até hoje, os interesses de Hagel naquela região não mudaram.

Em maio de 2010, Michelle Kinman, vice-diretora da organização Crude Accountability [transparência e petróleo] organização de cidadãos e grupo de ação que opera nas questões ambientais geradas pela exploração do petróleo no Mas Cáspio, dirigiu-se a Hagel, na reunião anual da Diretoria da Chevron. Lembrou o quanto a empresa Chevron sempre esteve pesadamente envolvida em projetos de petróleo no Cazaquistão e noutras associações com regimes repressores, em muitas dos quais já se comprovaram violações de leis ambientais, falta de transparência e, em termos gerais, falcatruas, escândalos (...).

Kinman disse que “se a empresa Chevron envolve-se com regimes repressores como o do Turcomenistão, para garantir a exploração dos hidrocarbonetos, sem, antes, exigir atitude firme contra a violação de direitos humanos, transparência nos atos do governo e estado de direito, só fará reforçar as tendências antidemocráticas e impedir o desenvolvimento de uma sociedade civil que, até agora só foi duramente explorada e sacrificada, como já fez em Burma, na Nigéria, na Colômbia e em inúmeros outros países pelo mundo”.

Michelle Kinman questionando a Chevron
E continuou, dirigindo-se ao hoje futuro secretário de Defesa dos EUA: “Senador Hagel, como novo membro da direção da empresa Chevron, o senhor tem excepcional oportunidade, além da responsabilidade de exigir mais compromisso democrático da sua e de todas as empresas que operam no Mar Cáspio, para que se adaptem aos padrões legais da Chevron, para começar; mas, sobretudo, para que se adaptem à legislação e às melhores práticas internacionais”.

Para, afinal, perguntar: “Senador Hagel, o senhor está preparado para insistir no sentido de que sua empresa assuma a liderança na luta por respeito aos direitos humanos no Turcomenistão, hoje?”. Hagel não respondeu. O diretor executivo da Chevron aconselhou a organização Crude Accountability a escrever ao senador, noutra oportunidade.

Quem sabe, nas sabatinas a que Hagel será submetido no Senado, algum senador dos EUA lembre-se de perguntar sobre as preocupações do senador Hagel com a “segurança no campo da energia” misturada à visível disposição para não ver as agressões contra direitos civis que se compram e vendem-se nessas negociações? Pouco provável.

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