21/2/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
na Tendinha do Pascácio, cá na Vila Vudu:
Hoje, um
autoproclamado “correspondente” da FSP escreve, e a FSP publica,
TUUUUDO que a FSP “sabe” (só rindo!) sobre a Ucrânia: “é culpa de Putin!”. É a propaganda do
Departamento de Estado dos EUA, malhada para os infelizes consumidores do
jornalismozinho RIDÍCULO da Barão de Limeira.
Parece ruim, mas, pensando bem, é muito bom:
se o que o Departamento de Estado tem para usar no Brasil, é o “correspondente”
da FSP... Então o Departamento de Estado tá é f*dido! \o/ \o/\o/
The Saker |
Se se olham
os incontáveis vídeos que vem, não só de Kiev, mas também de outras cidades da
Ucrânia, pode-se ter a impressão de que o que está acontecendo ali é caos
total, que ninguém controla. É impressão muito errada, e acho que é mais que
hora de examinar os atores desse conflito e o que cada um realmente quer. Só
assim será possível construir alguma compreensão clara sobre o que se passa lá,
sobre quem puxa os cordões por trás da cortina e sobre o que pode acontecer
adiante. Assim sendo, examinemos os vários atores, um a um.
O povo
ucraniano insatisfeito
Absolutamente
não cabe dúvida alguma de que um grande segmento da população ucraniana está
profundamente infeliz com o regime que está no poder, com o próprio Yanukovich
e com o que está acontecendo na Ucrânia, há muitos anos.
Como já
escrevi inúmeras vezes antes, a Ucrânia está, essencialmente, em mãos de vários
oligarcas, exatamente como a Rússia nos anos 1990s, só que piores. A vasta
maioria dos políticos ucranianos estão à venda a quem dê mais, e isso vale para
os membros do Parlamento, o Gabinete do Presidente, os governadores regionais,
todo o governo e, é claro, também para o próprio Yanukovich. Coletivamente,
esses oligarcas também são proprietários dos jornais e televisões, dos juízes,
da política, dos bancos e de tudo. Resultado direto disso, a economia ucraniana
está descendo pelo esgoto há anos e, atualmente, está, pode-se dizer, em
ruínas.
Não deve
ser surpresa para ninguém que muitos ucranianos estejam infelizes e que queiram
prosperidade, segurança, respeito à lei, oportunidades de negócios, os meios
para seu desenvolvimento pessoal, social, profissional e espiritual. Basicamente,
querem o que todos os seres humanos querem: condição decente de vida. Alguns
deles veem a União Europeia como a melhor aposta para alcançar esse objetivo;
outros apostam numa união econômica com Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão,
como opção muito melhor. A exata proporção dessa diferença não faz diferença
alguma, para lado algum, por uma razão simples, mas que poucos parecem
considerar: o povo da Ucrânia não faz qualquer diferença nesse conflito; são
simples peões usados por todos os lados interessados.
Os
principais políticos ucranianos:
Bem, em
teoria, Yanukovich, Timoshenko, Klitchko e Iatseniuk querem coisas diferentes,
mas na realidade todos têm exatamente a mesma agenda: agradar ao patrão de
todos os fantoches e fazer carreira na política. O caso de Tiagnibok talvez
seja um pouco diferente. Ele tem alguma chance real de tornar-se figura
realmente poderosa no oeste da Ucrânia. É esperto o bastante para perceber que
nem os EUA nem a União Europeia o querem por perto, mas que ele comanda força
muito mais poderosa (tanto politicamente como em termos de poder violento) que
qualquer outro político ucraniano. Mesmo assim, todos os líderes da oposição ou
políticos pró-regime são todos fantoches nas mãos de forças muito mais
poderosas; e, se Tiagnibok é exceção a essa regra, ele portanto não se encaixa
no jogo geral, dado que suas ambições são locais, limitadas à Ucrânia ocidental
[oeste do país].
Tendo
rapidamente examinado os locais, passemos a examinar os caras que realmente
fazem diferença:
Os
oligarcas ucranianos
Muitos
deles creem que, enquanto a Ucrânia se mantiver contra a Rússia, a União
Europeia os deixará fazer seja que diabo for dentro da Ucrânia. Nisso, acertam.
Para eles, assinar um acordo que noutras circunstâncias não faria sentido algum
implica, basicamente, aceitar a seguinte barganha: converter-se-ão em fiéis
serviçais dos patrões na União Europeia, em troca do quê os patrões na União
Europeia os deixarão continuar a pilhar a Ucrânia por todos os modos e meios
que desejem.
Manifestantes ucranianos usam “bulldozers” contra a polícia
Há um grupo
menor de oligarcas que tem mais a perder que a ganhar se as relações
Rússia-Ucrânia azedarem e se a Rússia introduzir barreiras no comércio com a
Ucrânia (o que a Rússia terá de fazer se a Ucrânia firmar um acordo de livre comércio
com a União Europeia). Esses oligarcas creem que podem ganhar mais dinheiro da
Rússia que da União Europeia; foram esses que convenceram Yanukovich a fazer
seu famoso “zag” para longe da União Europeia e para perto da Rússia. Assim
sendo, há uma fissura dentro da oligarquia ucraniana; há representantes dos
dois grupos nos dois lados em luta hoje.
A União
Europeia
A União
Europeia está em crise profunda, sistêmica, social e política, e está
absolutamente desesperada por novas oportunidades para resgatar-se do próprio
colapso em câmara-lenta. Para a União Europeia, a Ucrânia é, primeiro e
sobretudo, um mercado onde vender seus bens e serviços. A Ucrânia é um modo
também de a União Europeia parecer maior, mais poderosa, mais relevante. Há
quem creia que a Ucrânia também poderia fornecer mão de obra barata à União
Europeia, mas não me parece que essa seja causa a considerar, pelas seguintes
razões: já há imigrantes demais na União Europeia, e já há fluxo constante de
ucranianos (e bálticos) que deixam o própria país por uma vida melhor no
ocidente. Assim sendo, o que a União Europeia realmente quer é um jeito para
arrancar vantagens da Ucrânia, mas sem sofrer as muitas consequências negativas
de qualquer acordo. Daí as 1.500 páginas do acordo que a União Europeia propôs
à Ucrânia.
Os EUA
Os
objetivos dos EUA na Ucrânia são completamente diferentes dos objetivos da
União Europeia, o que explica que haja tensões muito reais entre os diplomatas
norte-americanos, tão claramente manifestas naquele “Foda-se
a União Europeia” de Madame Nuland. Além disso, e diferente da falida União
Europeia, os EUA já gastaram mais de 5
bilhões de dólares para alcançar seus objetivos na Ucrânia. OK, mas...
que objetivos são esses, de fato?
É onde a
coisa fica *realmente* interessante.
Hillary Clinton |
Primeiro,
temos de voltar à declaração
crucial (para assinantes), feita por Hillary Clinton no início de
dezembro de 2012:
Há um
movimento para ressovietizar a região. (...). Não
será chamado assim. Receberá o nome de “união aduaneira”, será chamado de União
Eurasiana e coisa e tal (...). Mas que ninguém se engane sobre isso.
Sabemos qual é o objetivo e estamos tentando definir modos efetivos para
retardar ou impedir que aconteça.
OK. É
absolutamente irrelevante discutir se Hillary acertou ou errou em sua “interpretação”
do que seja a União Eurasiana ou do que alguém espere que venha a ser. O que
importa é no que creem ela e seus patrões políticos, e eles realmente creem que
Putin deseja recriar a União Soviética. Não importa que seja ideia totalmente
estúpida; o que temos de manter em mente é que as/os Hillaryos e assemelhados realmente acreditam nisso.
Além disso,
é preciso lembrar outra declaração
também crucial, dessa vez da lavra de Zbigniew Brzezinski, que escreveu:
Zbigniew Brzezinski |
Sem a
Ucrânia a Rússia deixa de ser império; mas com a Ucrânia – primeiro comprada,
depois assaltada, a Rússia automaticamente converte-se em império (...) Segundo ele, a nova ordem mundial sob a hegemonia dos EUA está
sendo criada contra a Rússia e sobre os fragmentos da Rússia. A Ucrânia é
sentinela ocidental avançada, para impedir a recriação da União Soviética.
Outra vez,
não interessa absolutamente a ninguém se Zbig, o mau, acerta ou erra. O que
interessa é que Zbig e Hillary juntos nos dão a chave para conhecer toda a
política dos EUA para na Ucrânia: impedir que a Rússia venha a ser
superpotência. Para a dupla, diferente dos europeus, não se trata de “ganhar
a Ucrânia”, trata-se de “não deixar que os russos ganhem a Ucrânia”. E isso
é absolutamente crucial: do ponto de vista dos EUA, caos, tumultos e até guerra
civil em grande escala são, todos, eventos muito, muito, preferíveis a qualquer
– e digo qualquer mesmo! – forma de união política ou econômica entre Rússia e
Ucrânia. Para os EUA, esse é jogo de soma-zero: quanto mais a Rússia perder,
maior a vitória para o Império Anglo-sionista.
Rússia
Aqui temos
de mudar completamente nosso ponto de vista e entender o seguinte (e não
importa que pareça contraintuitivo, dada a extrema proximidade entre línguas e
culturas russa e ucraniana; dada uma longa história comum; dado que juntos
ucranianos e russos derrotaram a Alemanha nazista; dado que a Ucrânia é grande
vizinho da Rússia; e dado que os dois países têm estreitos laços econômicos): fato
é que a Rússia não precisa da Ucrânia.
Hillary e
Zbig estão simplesmente redondamente errados. Além do mais, a Rússia
absolutamente não tem qualquer intenção de recriar a União Soviética ou – muito
menos! – de converter-se em Império. Toda aquela conversa é absoluta tolice,
propaganda da mais estúpida, para alimentar as massas ocidentais, batidos
clichês da Guerra Fria, já absolutamente inaplicáveis para as realidades
atuais.
Além do
mais, a Rússia
já é superpotência, perfeitamente
capaz de desafiar EUA e EU juntas (como o exemplo da guerra na Síria já
ilustrou tão dramaticamente). De fato, a Rússia teve o seu mais dramático
período de crescimento precisamente quando a Ucrânia estava ocupada pela
Polônia (séculos 14-17):
Crescimento da Russia ao longo do tempo |
Por que a
Rússia moderna precisaria da Ucrânia? A economia ucraniana está em ruínas, o
país está tomado por terríveis tensões sociais e políticas, e não há recursos
naturais na Ucrânia que interessem à Rússia. Quanto a ser “uma superpotência”,
os militares ucranianos são uma farsa, e os militares russos pouco precisam da
“profundidade estratégica” que a Ucrânia ofereceria: isso é lógica militar dos
séculos 19-20; as guerras modernas são pensadas além da distância do território
inimigo, com armas de longo alcance. E a Rússia pode fechar o espaço aéreo
ucraniano, mesmo sem ter assinado qualquer tipo de união econômica ou política
com o país.
Não. O
que a Rússia mais quer e precisa é que haja estabilidade e prosperidade na
Ucrânia. Não só porque parte não
desprezível da economia russa tem laços com a Ucrânia, mas porque um total
colapso de vizinho tão grande certamente afetará também a economia russa (a
qual, por falar disso, está muito perto de uma
recessão, pela primeira vez há
bastante tempo). Além disso, milhões de russos vivem na Ucrânia e milhões de
ucranianos vivem na Rússia. Muitas famílias russas têm laços com a Ucrânia. Assim
sendo, a última coisa que a Rússia quer é uma guerra civil, para a qual
será, quase inevitavelmente, arrastada.
Mesmo na
Crimeia, tudo de que a Rússia realmente precisa é de um status quo: paz,
prosperidade, boa infraestrutura de turismo para receber turistas russos, e
situação estável para a hospedagem da Frota do Mar Negro. Para isso, a Rússia
não precisa ocupar ou anexar a Crimeia. Mas, no caso de a Península da Crimeia
ser atacada pelos neonazistas ucranianos, não há nem sombra de dúvida, para
mim, que a Frota do Mar Negro intervirá para proteger a população local, com a
qual há inúmeros laços familiares.
Deve-se
lembrar, porque é importante, que a Frota do Mar Negro é incomparavelmente
mais bem treinada e equipada que os militares ucranianos, e que inclui uma
muito potente força de Infantaria Naval (uma Brigada e um Batalhão, esse último
especializado em operações de contraterrorismo). Uma coisa é espancar e
incinerar policiais de tropas antitumultos; outra, muito diferente, lidar com
forças de elite com longa experiência de combate (Chechênia, Geórgia) e
altamente treinadas, além de armadas até os dentes, com o mais moderno e mais
eficiente equipamento militar.
Quanto ao
grande esquema das coisas, a Rússia perscruta o próprio futuro na direção do
Norte e do Leste, não, absolutamente não, na direção do Sudoeste do país. O
Ártico, a Sibéria, o Extremo Oriente, a China e o Pacífico – essas são as
direções para as quais os estrategistas russos voltam os olhos, pensando no
futuro da Rússia. E não têm qualquer interesse nem numa União Europeia
decadente, moribunda, nem nas arruinadas e instáveis terras da Ucrânia.
Assim
sendo, o que, mais provavelmente, virá a seguir?
Acho muito
pouco provável que a União Europeia alcance seus objetivos na Ucrânia, por uma
razão bem simples: os nacionalistas ucranianos e a chamada “oposição” (quer
dizer a insurgência armada) são todos comprados e pagos pelos EUA. Os
burocratas da União Europeia podem continuar a visitar a Ucrânia e fazer
declarações altissonantes o quanto queiram, mas eles, de fato, não têm
importância alguma.
Trata-se,
mesmo, de EUA vs Rússia. Quanto a isso, sou obrigado a reconhecer que os
objetivos dos EUA são muito mais facilmente alcançáveis que os objetivos
russos; os EUA precisam de caos, algo fácil de obter e relativamente
barato de comprar; e a Rússia precisa de estabilidade e prosperidade, o que,
no mínimo, exige ressuscitação cardíaca para a economia ucraniana basicamente
arruinada, e alguma espécie de choque que dê a partida para algum tipo de
reformas muito necessárias. Essa parte final dificilmente poderá ser feita sem
quebrar a espinha dorsal dos oligarcas ucranianos. A Rússia tem meios para
conseguir isso? Duvido muito. Não com os atuais sinais de problemas econômicos
chegando; e não com um palhaço de mola, sem ossos e corrupto feito Yanukovich,
no poder. Assim sendo, o que virá?
Ora, se
resgatar a Ucrânia não é opção razoável, a única opção restante é proteger a
Rússia contra o caos inevitável e os tumultos. Isso, e cuidar que a Crimeia
esteja e permaneça em total segurança. A Rússia pode, por exemplo, oferecer
assistência direta ao leste da Ucrânia, especialmente a regiões como Kharkov,
governada por gente competente e determinada. Além disso, a única opção que
resta para a Rússia é fincar pé onde está e esperar ou que alguma força viável
chegue ao poder em Kiev, ou que a Ucrânia se parta em cacos.
E quanto ao
povo ucraniano?
Creio que
minha posição já esteja bem clara para todos. A União Europeia precisa dos
ucranianos como escravos; os EUA precisam dos ucranianos como peões; e a única
parte envolvida que precisa dos ucranianos cada vez mais prósperos é a Rússia. É
simples fato de geoestratégia.
Se o povo
ucraniano for completamente estúpido, ou se já estiver completamente cego por
seu nacionalismo doentio, e não entender sequer isso, então, eles que paguem o
preço da própria loucura. Se conseguirem pensar corretamente e perceberem que,
sim, é geoestratégia, ainda terão de ter coragem para agir e criar meios para
que a Rússia consiga ajudá-los. Se nem disso forem capazes, aconselho-os, pelo
menos, a controlar os surtos de pânico e delírios de medo de algum tipo de
invasão pelas forças “dos amaldiçoados russos” [orig. Moskal Spetsnaz forces]
que invadiriam e ocupariam a “Ucrânia independente”. Moscou tem muito mais o
que fazer. E está ocupadíssima noutras frentes.
The Saker
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