17/2/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Brincando de Guerra Fria |
Conheçam a
nova guerra (fria), igual à velha guerra (fria). Mais do mesmo, só que
diferente. Um dia, são as zilhões de implicações do movimento de “pivô” de
Washington rumo à Ásia – para “conter” a China. Dia seguinte, o imorredouro
esforço para meter a Rússia na gaiola. Uma emoção por minuto, sem parar, no
Novo Grande Jogo na Eurásia.
Contra a
Rússia, agora, o desqualificar sem fim, sobretudo, de Sochi – que se pode atribuir
à estupidez inerente dos “padrões” da imprensa-empresa ocidental corporativa – foi
apenas um subenredo do show principal, que sempre vira pessoal; o grande
show, hoje, é a incansável demonização do
presidente russo Vladimir Putin.
Vitali Klitschko |
Mas o Nulandgate
– a Secretária-de-Estado Assistente, Victoria “neoconservadora” Nuland e seu já
famoso “Foda-se a União Europeia” [1] – foi muito, muito mais sério.
Não por causa da boca-suja e tom profano (Deus nos livre), mas por deixar ver o
que a think-tankelândia dos EUA saudou como “um indicador do pensamento estratégico
norte-americano”.
Aí vai
então o jogo, explicado numa linha: a Alemanha
comanda por controle remoto um dos “líderes” dos protestos na Ucrânia,
o lutador de boxe peso-pesado, Vitali Klitschko.
O “Foda-se
a União Europeia” é dirigido, essencialmente contra Berlim e Klitschko, seu
preferido. Para Washington, é movimento que leva a nada, porque, de fato, a
Alemanha só está, lentamente, construindo uma complexa parceria de
energia-investimentos com a Rússia.
O governo
Obama quer resultados – e depressa. A própria Nuland ressalta (ouçam lá, no vídeo a seguir em 7’26) que
Washington, ao longo das últimas duas décadas, “investiu” mais de US$5 bilhões
para “democratizar” a Ucrânia. Assim sendo, sim, sim: esse jogo é “nosso”; a
União Europeia não passa de estorvo; e a Rússia é o principal estorvo. Pronto!
Aí está a “estratégia” de Washington para a Ucrânia.
O tabuleiro
de xadrez ucraniano
A think-tankelândia
dos EUA trabalha também agora a noção de que o governo Obama está(ria) pondo-se
inteligentemente a favor de uma estratégia de equilíbrio de poder. Incluírem a
Líbia como parte dessa “estratégia” é piada pervertida; a Líbia pós-Gaddafi é
estado fracassado, cortesia do bombardeio “humanitário” que contra ela derramou
a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN. E enquanto isso, na Síria, a
“estratégia” dos EUA resume-se a deixar que árabes matem árabes aos magotes.
O Irã é
muito mais complexo. Pode-se dizer que o governo Obama pressupõe que, nas
conversações entre o Irã e o P5+1 – os cinco membros permanentes do Conselho de
Segurança da ONU mais a Alemanha – os EUA conseguirão passar a perna nos
russos, muito próximos de Teerã. Implica assumir que o governo Obama realmente
queira um acordo nuclear com o Irã que, adiante, abriria as comportas para a
ação do business ocidental.
Acordo Irã e P5+1 |
Na Síria,
as posições dos russos continuam vitoriosas; para nem lembrar que Putin salvou
Obama de mais uma guerra no Oriente Médio. Se a Síria foi ponto para a Rússia,
não surpreende que Washington sonhe com um ponto na Ucrânia.
Pode-se
interpretar o que está acontecendo como um remix da Revolução Laranja de
2004. Mas o Grande Quadro vai muito mais longe – desde a expansão da OTAN nos
anos 1990s, até as ONGs norte-americanas tentando desestabilizar a Rússia, o
flerte da OTAN com a Geórgia e aqueles esquemas de mísseis de defensa tão próximos
das fronteiras russas.
Expressão
que já é marca registrada do estilo Obama de governar, o apoio do Departamento
de Estado aos protestos anti-Rússia e pró-União Europeia na Ucrânia bem se pode
classificar como “liderar pela retaguarda” (lembram-se da Líbia?).
Completa-se
com apelo “humanitário”, clama por “reconciliação” e pela dicotomia bem versus
mal, que mascaram movimento na direção de mudança de regime.
Abandonai
toda a esperança de ouvir vozes de sanidade mental na imprensa-empresa dos EUA,
como a de Stephen Cohen, da New York
University e de Princeton, que
expõe toda a falcatrua em artigo intitulado “Distorcendo
a Rússia. Como a imprensa norte-americana “desnoticia” Putin, Sochi e a Ucrânia”.
Nesse artigo, Cohen mostra que:
(a
revelação essencial do Nulandgate) foi
que funcionários de alto nível do governo dos EUA estão conspirando para
induzir o “parto” de um governo anti-Rússia na Ucrânia. Para isso, trabalham
para depor ou neutralizar um presidente democraticamente eleito. Vale dizer: o
governo dos EUA está conspirando a favor de um golpe na Ucrânia.
Aqui a
“estratégia” mostra-se claramente: os EUA preferem um fantoche seu lá e agora –
com golpe ou sem golpe – a um fantoche da União Europeia mais adiante. Ninguém
no prédio e no quarteirão do Departamento de Estado dos EUA dá a mínima para se
Viktor Yanukovich foi legalmente eleito presidente da Ucrânia, nem se importam
por ele ter plena autoridade para rejeitar um péssimo negócio com a União
Europeia.
O Pravy Sektor instrumentalizado pelos EUA promovem terrorismo na Ucrânia |
E ninguém
lá, no Beltway, dá bola para o fato de que, agora, os “protestos” já estão
sendo comandados pelo Pravy Sektor (Setor da Direita) – uma repugnante
coleção de fascistas, fanáticos de torcidas organizadas, ultranacionalistas e
todos os tipos de neonazistas os mais variados: os equivalentes ucranianos dos jihadistas
de Bandar “Bush” na Síria.
Pois a
“estratégia” dos EUA determina que protestos de rua têm de levar a mudança de
regime. Aplica-se à Ucrânia, mas não se aplica à Tailândia.
Washington
quer mudança de regime na Ucrânia por uma única razão: no contexto do Novo
Grande Jogo na Eurásia, seria o equivalente de o Texas desertar dos EUA e
tornar-se aliado dos russos.
Mas esse
gambito está condenado ao fracasso. Moscou tem muitos e muitos meios para usar
sua alavancagem econômica na Ucrânia; tem acesso a melhor inteligência que os
norte-americanos; e os “manifestantes”/gangues/neonazistas não passam de
pequena minoria barulhenta.
Washington,
contudo, não desistirá, porque vê ambas, a crise política na Ucrânia e a crise
financeira emergente no Cazaquistão como “oportunidades” (papo de Obama) para
ameaçar interesses econômicos/estratégicos de Moscou. É como se o Departamento
de Estado estivesse rezando por crise financeira disseminada por toda a União
Aduaneira liderada pela Rússia (Rússia, Cazaquistão e Bielorrússia).
A eles só
resta, mesmo, rezar, enquanto a União Europeia, no que pese o pensamento
desejante retórico grandiloquente, continua na mesma confusão, cravada de
divisões internas.
Depois de
Sochi, Vlad, A Marreta estará de volta aos negócios, para vingar-se. Nuland
& Co., abram o olho!
Vlad, A Marreta |
_____________
Nota dos tradutores:
[1] A fala completa pode ser ouvida a seguir: De fato, não se trata de
“Foda-se a União Europeia!” em tom de brado de líder da terra dos bravos e
único país indispensável no universo. Como se ouve ali, se trata, mais, de um
“você sabe... a União Europeia que se foda, né, o de sempre, você sabe...” E o
embaixador dos EUA na Ucrânia responde “É, sim, sei... OK”. Ouça a seguir:
___________________
[*] Pepe Escobar 1954) é
jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia
Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e
correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News
Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the
Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot
of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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