8/2/2013, Irina Lebedeva, Strategic
Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Irina Lebedeva |
O relatório
“Ucrânia
2020” foi publicado em 2010 pelo Center
for Global Affairs (CGA). O documento apresenta possíveis opções
para o desenvolvimento político da Ucrânia. O professor Michael Oppenheimer (Center for Global Affairs, New York University), foi o criador do
projeto.
Os eventos
na Ucrânia parecem desenvolver-se hoje segundo, não um, mas todos os “três
cenários” descritos no documento.
James Sherr
(Russia and Eurasia Program, Chatham House) escreve no prefácio que o
CGA participou dos projetos conduzidos pelo Departamento de Estado,
Departamento da Defesa, Conselho de Inteligência Nacional, CIA, Institute for Peace, Brookings Institute, Council on Foreign Relations e pelo
Conselheiro Científico do Presidente dos EUA. Praticamente todos os
especialistas em Ucrânia conhecidos, dos EUA, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da
Bélgica, da Polônia e de outros estados participaram do projeto do CGA...
[mas nenhum representante da Rússia nem especialista em Rússia].
Yulia Tymoshenko |
Não será
surpresa que, algum dia, se os escritórios do Partido Batkivshchyna da Ucrânia
[partido de Yulia Tymoshenko] forem revistados,
encontrem-se ali excertos desse manual de “o que fazer”, redigido pelos
norte-americanos como se fosse algum “relatório”.
Em 2010, há
apenas poucos anos, os autores do Relatório conseguiram “antever” que o Partido Svoboda [ex-Partido
Nacional Socialista da Ucrânia; é hoje o mais forte partido
da direita na Ucrânia] viria a liderar “protestos populares”; a
renúncia do Primeiro-Ministro Nikolay Azarov e a ascensão de Arseniy Yatsenyuk
[em 2009, criara a “Frente para a Mudança”]... Conforme se lê no Relatório,
haveria ataques antissemitas contra Yatsenyuk por causa de sua nacionalidade,
mas seria fácil descartá-los como “ridículos”.
Stepan Bandera |
O cenário
que o Relatório pinta prevê que o Partido Svoboda seria deixado de
lado, ultrapassado pelos militantes do Trizub [o tridente: Deus,
no céu e na terra], organização que reverencia a chamada “Organização
dos Nacionalistas Ucranianos” liderada por Stepan Bandera [Em
2011, os partidos comunistas ucranianos pediram ao Parlamento (Rada) o banimento de todas essas
organizações de extrema direita, denunciadas como organizações nazistas].
No Relatório “Ucrânia-2020”,
toda essa gente aparece descrita como “elementos moderados”.
Por tudo
isso, conforme o Relatório “prevê”, logo se aprofundaria o processo de
“ucranização”, o que provocaria “elementos russos”. O Relatório recomenda a
privatização dos ativos estratégicos, portas abertas para investidores
ocidentais, créditos assegurados pelo Fundo Monetário Internacional e pelo
Banco Mundial, pondo fim aos “tabus soviéticos” contra a venda de terras a
estrangeiros; e o envolvimento supervisionado da China, que é apresentada como
inimigo da União Europeia e concorrente da Rússia, o que levaria à expulsão da
Frota do Mar Negro do porto de Sebastopol; e mudança na Constituição da
Ucrânia, para converter o país em república parlamentarista ou
presidencial-parlamentarista. (Mas o Relatório não explica quem votaria
para eleger Yatsenyuk nas eleições presidenciais...).
Cenário Um:
Fragmentação do Autoritarismo Fracassado. Para os autores do Relatório,
essa opção é desvantajosa para os EUA e para a Federação Russa.
Cenário
Dois: Consenso Nacional Conduzindo a Reformas. É a melhor
opção, do ponto de vista de Washington e da União Europeia.
Cenário
Três: Autoritarismo Estratégico. Aqui, o Relatório “prevê” um
desenvolvimento de eventos pelo qual o presidente Yanukovych mantém o poder. É
uma espécie de “Plano B”. Neste cenário, o presidente Yanukovych terá de
curvar-se, para manter a legitimidade. Terá de fazer todos os tipos de
concessões a “investidores estrangeiros”, implementar reformas constitucionais
e estruturais, aceitar empréstimos que lhe ofereçam para suavemente empurrar a
Rússia para bem longe da esfera de seus interesses estratégicos.
Viktor Yanukovich, Presidente da Ucrânia |
As forças
externas já criaram o caos na Ucrânia, mas não se sabe se conseguirão
controlá-lo. Yanukovych já foi avisado de que pode ter o destino de Milosevic
na Sérvia ou de Gaddafi na Líbia. A “comunidade internacional” presunçosamente
acredita que os nacionalistas ucranianos hoje inflados serão, na sequência,
facilmente domesticáveis.
Haverá
dinheiro para os democratas pró-ocidente, sob a condição de que implementem as
“reformas” acima mencionadas (questão sobre a qual a oposição “confiável” já
está conversando. E, sobre isso, Yatsenyuk lembrou recentemente o Plano
Marshall).
O Relatório
considera a história da Aliança do Atlântico Norte e várias vezes menciona o
Plano Marshall, para o caso da Ucrânia, que seria como “duas metades da mesma
noz”.
Mas depois
da 2ª Guerra Mundial, os EUA não garantiram à Europa arruinada um empréstimo
gratuito: houve acordos de natureza semicolonial que incluíram instalar ali
“armas secretas da OTAN”. E não será o Pravy Sektor (aliança dos grupos
de mais extrema direita), mas essas estruturas da OTAN, que desempenharão a
função de “mão de ferro” que levará a Ucrânia à integração com a Europa e os
EUA.
***
Washington
está diante do risco de novos fracassos de diplomacia, que ferem a imagem do
país no exterior. É hora de perguntar em que foram consumidos $5 bilhões de
dólares dos contribuintes norte-americanos.
Victoria "Fuck European Union" Nuland |
A quantia
é a que informaram a secretária-assistente de Estado, Victoria Nuland e o vice-secretário de Estado do Gabinete
de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, em audiência no Senado, em janeiro,
ao falarem dos sucessores ucranianos dos que apoiavam as ideias de Stepan
Bandera e Roman Shukhevych.
Os mesmos
ditos moderados do Trezub nomeados em honra de Stepan Bandera estiveram
sob constante supervisão pelos centro euroatlânticos.
Abra aleatoriamente
qualquer página do jornal Ukrainian Weekly (editado nos EUA). Ali se veem
pulular as ideias dos colaboracionistas ucranianos. O jornal mantém escritórios
em Kiev. Se se lê, veem-se muitas coisas interessantes sobre os “compromissos”
passados dos que se “manifestam” nas ruas da Maidan Nezalezhnosti [Praça
Independência] e na Rua Grushevsky.
Dmytro Yarosh |
Desde que
Victor Yanukovych foi eleito presidente da Ucrânia, o jornal Ukrainian
Weekly só noticia e destaca as atividades do Pravy Sektor,
histórias sobre tortura de prisioneiros na Ucrânia contemporânea; clama por
apoio aos “patriotas ucranianos” que destroem monumentos da era soviética.
Oferece também farta informação elogiosa sobre Dmytro Yarosh, líder militante
da extrema direita, do Pravy Sektor, e sobre o
coordenador do Pravy Sektor (apelido,
Pilipas) Andrei Tarasenko, que anda contando histórias sobre treinamento de
militantes (jovens que nunca prestaram serviço militar, agora ensinados a “virar
homens”, aprendendo a usar punhais e armas de ar comprimido). O mesmo jornal
oferece também informação sobre outros “bravos nacionalistas” e modos para
conter “a intervenção russa”. E o jornal ainda traz recomendações de
“revolucionários sérvios”, que contam como derrubaram “ditadores”.
Um pouco
antes, as edições de Ukrainian Weekly viviam cheias de histórias de
fazer gelar o sangue, sobre intrigas entre comunistas e Moskali, termo
ucraniano depreciativo para “russos”, e sobre o Golodomor – o genocídio
organizado por russos, para exterminar a população ucraniana.
É uma
vergonha que, sem contar com informação de fonte independente, a diplomacia
norte-americana sirva-se desse tipo de fonte para, a partir disso,
construir políticas para a Ucrânia.
Zbigniew Brzezinski |
A
arrogância da maioria dos diplomatas e congressistas norte-americanos não
surpreende mais ninguém. Em janeiro, durante audiência para discutir a Ucrânia,
até alguém já tão entrado em anos como Zbigniew Brzezinski ainda lá estava a
dar “aulas” aos senadores, “ensinando” que, antes de os russos aparecerem os
ucranianos já acalentavam o sonho de unir-se à Europa; e por isso que o sonho
dos ucranianos tem de ser apoiado. Depois de esse sonho realizado, lança-se uma
“reação Dominó”, e a multinacional Rússia seguirá exatamente a mesma boa trilha
que a levará a se tornar membro da OTAN!
Os dois
filhos de Zbigniew Brzezinski mantêm-se muito próximos da OTAN. Ian Brzezinski
é membro Senior Fellow do International Security Program e faz
parte do Grupo de Conselheiros Estratégicos do Conselho do Atlântico. E Mark
Brzezinski, advogado, trabalhou para o Conselho de Segurança Nacional do
presidente Clinton, como especialista em Rússia e Sudeste Europeu; foi sócio de
McGuire Woods LLP; e é hoje embaixador dos EUA na Suécia. Muito ativo na venda
de aviões militares.
Por que
Victoria Nuland – que se tornou presença obrigatória em todas as páginas e
blogs humorísticos na Ucrânia e na Rússia, por ter andado distribuindo
coelhinhos e sanduíches na Praça Maidan – apareceu em Kiev outra vez, na
véspera do início dos Jogos de Inverno de Sochi, e pôs-se a dizer que os que
estivessem insatisfeitos com “o regime Yanukovych” ou voltassem à ideia da
integração com a Europa ou tomassem “o caminho da guerra”?
É onde a
mentalidade de clã – velho carrasco da política externa dos EUA – entra em
cena.
O clã ao
qual pertence Victoria Nuland não é menos influente que o de Brzezinski. O
marido, Robert Kagan, é conhecido intelectual dedicado a temas de política
externa, analista e colunista de grandes jornais. Sente-se muito a vontade
entre os “especialistas” ativos nos mais importantes think-tanks norte-americanos
e tem acesso aos mais influentes veículos da imprensa-empresa norte-americana.
Kagan muito se empenhou na operação militar na Líbia. Trabalhou muito, também,
na oposição a Obama-candidato, como assessor de Mitt Romney. Foi quem instruiu
Romney a declarar que a Rússia seria o inimigo geopolítico número 1 dos EUA.
Seu irmão, Fred Kagan, é autor de inúmeros livros e artigos publicados em todo
o mundo.
A carreira
de Victoria Nuland sempre seguiu de perto o colapso da União Soviética: ela
estava, então, em Moscou. E testemunhou as “mudanças tectônicas” da política
externa dos EUA a partir daquele momento. Foi ela que mobilizou todas as suas
habilidades para encontrar pretextos para a intervenção no Afeganistão,
invocando o artigo 5º do Tratado de Washington, em 2001, quando os EUA
invadiram o Afeganistão. Depois, foi representante dos EUA no Conselho do
Atlântico Norte. A experiência dela na OTAN está sendo mobilizada novamente
agora – o coração a está arrastando de volta para o Leste europeu...
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