18/2/2014, [*] Muqtada Al-Sadr - Political World
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Muqtada al-Sadr-iraq: Clérigo xiita iraquiano Moqtada al-Sadr fala à imprensa em Bagdá em 4 de janeiro de 2013. (Foto: Thaier Al-Sudani) |
Não sou dos
que se fazem de cegos e calam ante a corrupção e os malfeitos. É nosso dever,
dos sadristas, ser os que trabalham e clamam por orientação.
Aqui, vemos
nosso Iraque, ferido e oprimido, sob uma nuvem negra que cobriu a terra e o céu
do Iraque: o sangue escorre, há guerra por toda parte, pessoas matam-se umas as
outras, umas em nome da ‘lei’, algumas sob o nome de “religião”.
Amaldiçoada
seja essa “lei” que faz correr sangue e viola santidades, e abaixo uma religião
que dá direito de degolar, bombardear e assassinar.
E então, a
política converteu-se em porta de entrada para a injustiça, a zombaria, a
autocracia e a violação. E um ditador é encarregado da riqueza e a rouba; e da
vida do povo e mata; e de cidades e as ataca; e de seitas e as divide; e das
mentes e as suborna; e dos corações e os dilacera, para que todos votem nele,
para que permaneça no poder.
No Iraque
não há vida, não há plantações, não há criação de animais, não há fábricas, não
há serviços, não há segurança nem proteção, não há paz. E eleições pelas quais
se sacrificam milhares de vidas, tudo isso, para que um governo nos governe sem
tomar conhecimento de nossos direitos e opiniões, e um Parlamento, com suas
poltronas gastas, que nem consegue proteger-se, muito menos protege outros.
As raízes da corrupção no Iraque |
Um
Parlamento que só aceita votar sob uma condição: se houver recompensas
especiais para os deputados; mas se há leis que beneficiem toda a nação, eles
todos recuam, ou o assunto chega ao Gabinete, onde as leis são ou invertidas ou
vetadas. Mas o Gabinete jamais vetará lei alguma que ameace as recompensas
especiais para os deputados ou suas aposentadorias.
O Iraque é
governado por lobos, sedentos de sangue, almas sedentas só de riquezas, que
deixam a nação afundada em sofrimento, em medo, em fossas, nas noites escuras
iluminadas só pela lua ou por uma vela, num pântano de assassinatos causados
por diferenças ou por qualquer ridículo desentendimento. Tudo isso, e o governo
só olha de longe.
O Iraque é
governado por um grupo que veio do lado de lá das fronteiras. Esperamos por
muito tempo que nos libertassem do ditador, só para vê-los agora firmemente
agarrados às suas poltronas, em nome da xia
e do xiismo.
O Imã Ali,
Comandante dos que Creem (que a paz e todas as bênçãos desçam sobre ele),
conseguia ele dormir, enquanto houvesse por perto alguém com fome? E agora,
como se encheram as ruas de pessoas sem teto, sem paredes, sem o mínimo para
comer, que dormem no chão nu, cobertos só pelo céu e pela chuva.
Bagdá - Praça Tahrir - Ver ao fundo monumento à Liberdade do Iraque.(16/3/2013) |
Um governo
inchado, estufado, que esqueceu todos os que vivem do outro lado de muralhas
super vigiadas, tornou-se cego pela riqueza, por suas mansões, palácios,
aviões, e ignora esse calabouço chamado “Iraque”.
Uma nação
honrada, que foi engolfada por guerras, em condições tão terríveis que a
reduziram a posta de carne fácil de morder, entre os dentes de políticos e
líderes. Uma nação que não pede comida, mas exige ser honrada, ser voz ouvida e
livre, para servir a Deus e dar prova do próprio valor.
Mas um
governo veio para calar todas as vozes, para matar a oposição, para forçá-la ao
exílio, para encher prisões, com todas as vozes e todos e quaisquer que
tentaram libertar esse país dos tanques e aviões da ocupação.
Um governo
que dominou tudo. Que não ouve ninguém, sequer a voz do Marj [professores
do Islã] e sua fatwa (lei), sequer as vozes ou reclamações de seus
próprios companheiros, apoiados pelo Leste e pelo Oeste, de tal modo que
surpreende até os mais sábios dos homens. Nisso tudo, não queremos, nós, os sadristas, tomar os lugares ou os
assentos deles, porque nós, os sadristas,
somos muito superiores a tudo isso.
Atentado de 31/12/2012 – 15 mortos e 24 feridos - Musayyib (60km de Bagdá) |
Queremos
guiá-los, protegê-los contra seus erros, para que o Iraque seja posto em mãos
mais seguras e cuidadosas. Mas eles só ouvem seus patrões, deixando para trás
os sadristas e os dois mártires sadristas, e quem mais tenha uma única
objeção contra eles. Xiita, sunita ou curdo, sempre será acusado de terrorismo
ou de sectarismo, usando um judiciário viciado para acabar com ele, ou o
exército para prendê-lo, ou usando a imprensa de propaganda ou outros meios que
todos conhecem muito bem.
Nós, os sadristas, se não podemos mudar isso,
dizemos: Oh, Deus, não nos associe aos opressores, associe-nos aos que amam a
verdade.
Que a paz
esteja com os que nos ajudaram, nós não os traímos e não os trairemos. Buscamos
protegê-los e sua reputação, para que não virem cinza nessa vida.
Especialmente, porque há os que tentam manipular vocês, nossos bem-amados, e
até usar nosso nome, dos sadristas,
para alcançar seus odiosos objetivos nessa vida. Eles enriqueceram, derramaram
sangue, violaram santidades e apossaram-se da vida de pessoas usando o nosso
nome, não outro.
E mesmo
assim não respeitam uma fatwa, uma ordem, uma questão ou uma decisão
(sequer um recado que parta de mim), sequer um conselho, nenhuma ordem, ignoram
tudo.
E vocês
sabem, todo o povo do Iraque, nós amamos vocês. Continuem pois em sua fé, amor,
religião e apoio. Deus os fez vitoriosos por nós e nos fez vitoriosos por
vocês. Vocês são uma honra para nós, exceto os desencaminhados que
desencaminham outros, que escolhem essa vida, em vez da eternidade. Abaixo
esses todos.
Se há entre
vocês vozes honradas, políticas ou outras, que continuem em seu trabalho, mas
de forma independente, afastados de mim, sob orientações gerais, baseados na
retidão, na fé, no patriotismo, na sabedoria e no bem público. O Iraque não
pode ser deixado entregue a gente da injustiça.
Manifestação de sadristas em novembro 2013 |
Mas tenho
de ser para todos, não sou só para os sadristas,
devotei minha vida ao Iraque, ao Islã, e tenho de permanecer para todos.
Nas
decisões ou ordens que eu tenha tomado ou dado, e que vocês não consigam
cumprir, busco perdão para mim e para vocês, mas me orgulho daquelas decisões
até o dia do juízo, porque em todas elas tentei basear-me nele e ser inspirado
pelo caminho dos dois Mártires, nas ideias deles, nas maneiras deles e não
posso me afastar disso, porque eles são meus mestres e meus líderes, eles são
minha autoridade e os inimigos deles são meus inimigos.
Além disso,
a sociedade parece muito distante de qualquer lembrança de Deus, de qualquer
respeito a Ele, e isso pôs grande distância entre eu próprio e a sociedade, em
boa medida. Conclamo os fiéis a lembrar de Deus e ser obedientes, para que Ele
perdoe todos nós e as portas da graça abram-se para nós, e possa essa ser uma
oportunidade para que a verdade apareça. A verdade deve erguer-se e nada se
erguerá acima dela.
Meus
bem-amados, tenho ainda alguns pontos a mencionar:
Primeiro, a participação nas eleições. Apesar
da decisão que tomei, vejo como obrigação a participação nas eleições e assim
tem de ser, em grande escala, para que o governo não caia em mãos de
dissimulados nos quais não se pode confiar, Deus nos livre.
Quanto a
mim, devo votar e devo dar meu voto, enquanto viver, a qualquer pessoa honrada
que queira servir ao povo e ficarei a igual distância de todos. Peço, pois, aos
iraquianos que participem dessas eleições e não se afastem. Afastar-se nesse
caso seria trair o Iraque e seu povo.
Segundo, há políticos que serviram com
honestidade e com sinceridade ao povo iraquiano, “e se não fossem pios, ele
teria sido destruído”, e são muitos, com a graça de Deus. Mas quero agradecer
especialmente e lembrar aqui dois irmãos: o governador de Misan e o governador
de Bagdá, que Deus os recompense, como recompensa os justos. Esses devem
continuar e aperfeiçoar o trabalho que fazem de servir seu país.
Obrigado.
Nota dos tradutores
[1] A
renúncia de Sadr à vida política veio logo depois de protestos populares contra
leis recentemente aprovadas que aumentarão os benefícios e aposentadorias de
altos funcionários públicos, deputados e funcionários do governo, o que pôs
mais lenha nas acusações de corrupção contra o governo. Depois de anos de
desapontamentos com o fraturado sistema político do Iraque, e rumores de que o
governo estaria planejando expulsá-lo e os seus seguidores da cena política,
não chega a surpreender que Sadr tenha afinal decidido desistir da vida
política, separar-se de seu movimento político e passar a concentrar-se em seus
estudos religiosos.
Mas é possível que o Iraque
ainda não tenha visto tudo dessa figura política poderosa e em vários sentidos
icônica. (...)
Ontem, dois dias depois de
seu discurso de despedida, Sadr fez discurso pela televisão em que acusou o
primeiro-ministro de “corrupto, ditador e tirano”. Acusou-o de perseguir e
matar a oposição e de liderar “uma matilha de lobos famintos de assassinatos e
loucos por dinheiro” (19/2/2014, Livia Bergmeijer, Muftah – Free & Open Debate em: Moqtada
al-Sadr: Al-Maliki Is a “Tyrant” and His Government Is “Corrupt”)
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