24/2/2014, [*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Manifestantes oposicionistas carregam um homem ferido
em uma maca na Praça Maidan, em Kiev 20/2/2014 (Reuters / Vasili Fedosenko) |
Quem
acredite que Washington esteja profundamente apaixonada por “democracia” na
Ucrânia deve fazer uma visitinha a eBay, único local onde se viram as armas de
destruição em massa de Saddam Hussein, e onde elas continuam à venda, à espera
da melhor proposta.
Ou prestar
mais atenção às negativas-que-nada-negam do governo Obama, que jura todos os
dias que não está guerreando “guerra à distância” nem Guerra Fria Redux
na Ucrânia.
Em resumo:
a política de Washington para a Ucrânia sempre foi anti-Moscou. Implica mudança
de regime sempre que necessária. Dado que a União Europeia (UE), em termos
geopolíticos, não passa de apêndice da OTAN, trata-se sempre, de fato, de a
OTAN estender suas fronteiras até a Ucrânia. E anexar, pelo menos, a Ucrânia
Ocidental – que já seria valioso prêmio de consolação.
É jogo
puramente militar-cêntrico – a lógica de todo o mecanismo é, de fato, decidida
em Washington, não em Bruxelas. Trata-se da expansão da OTAN, não de alguma
“democracia”.
Quando
Victoria Nuland, a funcionária neoconservadora do Departamento de Estado, vivia
recentemente seus 15 segundos de fama, o que ela realmente disse foi “Nós somos
a OTAN. Foda-se a União Europeia”. Não surpreende que tenha havido reunião
urgente dos ministros de Defesa dos países da OTAN, em Bruxelas, na 5ª-feira
(19/2/2014), exclusivamente sobre a Ucrânia.
Ninguém
lerá jamais lerá sobre isso em nenhum veículo da imprensa-empresa nos EUA – e,
aliás, tampouco na universidade dos EUA. O professor Francis Boyle, de Harvard,
falando a Voice of Russia, ou Stephen Cohen, de Princeton, em artigo
recente para The Nation, são luminosas exceções.
Zbigniew Brzezinski |
Mas
qualquer analista informado sabe que o “cérebro” por trás dessa “política”,
desde os anos 1970s, é Zbigniew “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski. Dr.
Zbig foi orientador do presidente Barack Obama dos EUA na Universidade de
Columbia e é o Talleyrand da máquina de política externa do governo Obama.
Pode talvez
ter amolecido um nada, recentemente, argumentando que, embora os EUA devam
permanecer como poder supremo em toda a Eurásia, Rússia e Turquia devem ser
seduzidas pelo Ocidente. Mas não significa que a russofobia histórica de Zbig
tenha algum dia diminuído.
A “santa”
Yulia voltou!
Agora que
estamos (outra vez) com o pé na estrada para mudança de regime na Ucrânia, nem
parece tão mau negócio por módicos US $5 bilhões – quantia revelada pela
própria Nuland, a neoliberal. Compare-se com outras aventuras externas do continuum
Bush-Obama, do Afeganistão e Iraque à Síria. Mas há grandes turbulências à
frente.
“Progressistas’”de
“progressismo” muito discutível, além de gente obcecadamente da direita mais
radical e a rapaziada da geração Google no oeste da Ucrânia e em Kiev parecem
cultivar a noção de que o país, submetido a “mudança de regime”, será aceito
como membro da União Europeia, com o que a rapaziada obterá passaportes
europeus e bons empregos na Europa, como fizeram os encanadores poloneses e os
gerentes de restaurantes romenos.
Bem, não é
bem assim. Se pelo menos pudessem pegar um EasyJet
e ver com seus próprios olhos o que está acontecendo no mercado de trabalho no
sul da Europa ou em Londres, para falar só dela, hoje aterrorizado ante uma
horda de leste-europeus que ocupam empregos ingleses.
Quanto aos
ultranacionalistas e declarados neofascistas – absoluta e totalmente anti-União
Europeia – a única coisa que têm na cabeça é livrar-se do abraço do urso russo.
Mas... e daí em diante?
Quanto ao
ardor “democrático” do Ocidente, é muito fácil esquecer que os fascistas do
oeste da Ucrânia lutaram ao lado de Hitler contra a União Soviética. Os
descendentes daqueles fascistas estiveram no comando da furiosa violência da
semana passada. E o Setor Direita (Pravy Sektor) continua a insistir que
manterá o “protesto”. Nesse sentido, talvez não sejam os fantoches preferidos
de Washington; são, apenas momentaneamente, panacas úteis.
A líder da oposição ucraniana Yulia Timoshenko fala a
manifestantes anti-governo reunidos na Praça Maidan, em Kiev 22/2/2014 (Reuters / Yannis Behrakis) |
Quanto à
ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko – já elevada no Ocidente ao púlpito de
neo Madre Teresa loura – ela chamou os manifestantes da Praça Maidan (Independência),
de “libertadores”. O mais provável é que eles se libertem dela bem
rapidamente – quando a altamente corrupta “Santa” Yulia concorrer à
presidência, em maio próximo.
A Ucrânia
que funciona – o leste e o sul – é constituída de províncias russas históricas
(Carcóvia, Mar Negro, Crimeia). O PIB do país é de $157 bilhões. Equivale a 1/5
da Turquia (que pode converter-se no novo Paquistão). No pé em que estão as
coisas, a Ucrânia não tem qualquer valor econômico que interesse ao Ocidente (e
ainda menos, se se tornar uma nova Síria). De “positivo”, só o deformado avanço
estratégico da OTAN.
Quem
acredite que uma União Europeia afundada em crises conseguirá dinheiro para
arrancar a Ucrânia do pântano econômico em que está, deve, sim, voltar a eBay e
fazer mais um lance para ver se compra as armas de destruição em massa de
Saddam. Ou, então, que espere o Congresso dos EUA entregar $15 bilhões para
aliviar a dívida externa da Ucrânia. Ou que ofereça uma redução no preço do gás
importado (como Moscou fez, em dezembro passado).
Dê bom-dia
ao meu Iskander
A pergunta
de multi-bilhões de dólares é o que fará o presidente Vladimir Putin da Rússia.
Há quem diga que se ouvem gargalhadas a rugir pelos corredores do Kremlin.
Para começar,
Putin decidirá se Moscou comprará ou não $2 bilhões em eurobonds ucranianos,
depois que houver um novo governo em Kiev, como noticiou Gazeta.ru. Kiev
não obterá coisa alguma, absolutamente nada, de Moscou, até que se saiba com
certeza que o novo regime concorda com jogar o jogo, interessado em manter
coeso o país.
“Santa”
Yulia, aliás, foi metida no xilindró por causa de um negócio de gás que ela
negociou pelos altos preços de Moscou. Voltando aos fatos: a Ucrânia não
sobrevive sem o gás russo; e a indústria ucraniana não sobrevive sem o mercado
russo.
Podem
misturar todos os tons e cores de Revolução laranja, tangerina, campari ou Tequila
Sunrise, e jogar dentro do “ajuste estrutural” do FMI: nem assim
conseguirão alterar esses fatos. E quanto à União Europeia “comprar a Ucrânia”,
podem esquecer.
A gangue da
Laranjada Ocidental – dos patrões aos mais subalternos – continua apostando
numa guerra civil ao estilo Síria. A anarquia cresce – provocada pelos
neofascistas. Cabe aos ucranianos rejeitá-la. Boa solução seria um referendo. O
povo que escolha ser uma confederação, fazer uma divisão (nesse caso, haverá
sangue) ou manter o atual status quo.
Iskander - sistema móvel russo de mísseis balísticos de alta precisão |
Ofereço
aqui um cenário bastante possível. O leste e o sul da Ucrânia voltam a ser
parte da Rússia; é bastante razoável pressupor que Moscou aceite. O oeste da
Ucrânia é totalmente saqueado, ao estilo do capitalismo de desastre, pela máfia
empresarial-financeira ocidental (e ninguém jamais verá sequer a cor de um
único passaporte europeu). Quanto à OTAN, consegue as bases, “anexando” a
Ucrânia. Mas consegue também miríades de hiper eficientes e acurados mísseis Iskander russos,
mirados para as tais bases. A isso se resume o “avanço estratégico” que
Washington “conquistou”.
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom
Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia
Today, The
Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
Na imagem em que se lê:
ResponderExcluirSkander e chama os Skander de S-400, é patético.
O S-400, é um sistema antiaéreo de médiol/longo alcance, enquanto o Skander, é um sistema balístico de curto alcance(máximo de 700 km).
Ambos, são os melhores do mundo em sua classe, diga-se de passagem.
Tem razão. Já corrigido. Pedimos desculpas pelo erro e agradecemos a correção.
ExcluirParabens pelo site. Estamos aqui todos os dias.
ResponderExcluirPor enquanto é um bloguinho. Quem sabe um dia se transforme em "site"? Ficamos agradecidos.
ExcluirNOTA MUITO ÚTIL, de Tlaxcala, Rede Internacional de Tradutores:
ResponderExcluirA Organização dos Nacionalistas Ucranianos [orig.Organization of Ukrainian Nationalists (OUN)], organização fascista criada em 1929 na Ucrânia do Oeste (então sob governo polonês), dividiu-se em duas em 1940: a OUN-M mais moderada, com Andriy Melnik; e a OUN-B mais radical, com Stepan Bandera. A OUN-B declarou uma Ucrânia independente, em junho de 1941, como estado-satélite da Alemanha Nazista. Todos os grupos direitistas na Ucrânia de hoje apresentam-se como herdeiros das tradições políticas daOUN, inclusive o Partido Svoboda, a Assembleia Nacional Ucraniana, o Congresso dos Nacionalistas Ucranianos e o Setor Direita (Pravyi Sector).