Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama e Hamid Karzai... Rumos opostos? |
Já é bem
claro que o presidente Hamid Karzai do Afeganistão manteve a palavra, e com
certeza haverá transição política no Afeganistão, com eleições marcadas para 5 de abril de 2014.
As
insinuações, que comentaristas e jornalistas norte-americanos em geral recebem
de adversários afegãos de Karzai, e repetem incansavelmente, conseguiram
implantar muitas suspeitas contra a sinceridade da promessa que o presidente
afegão fez; a imprensa-empresa ocidental por muito tempo dedicou-se
exclusivamente a “noticiar” que Karzai se agarraria ao poder e ali ficaria pelo
mais longo tempo possível. Hoje, já se vê que aquele “noticiário” nunca passou
de propaganda enganosa.
A campanha
eleitoral, para os onze candidatos, começou formalmente semana passada no
Afeganistão.
Por sua
vez, os EUA decidiram não mais realizar pesquisar de opinião no Afeganistão –
sob o pretexto de que, assim fazendo, estariam mantendo posição de rigorosa
neutralidade. Na realidade, a manipulação
pelos norte-americanos alcança agora rotação máxima.
O
lançamento da campanha norte-americana para eleger o ex-Ministro de Relações
Exteriores, Abdullah Abdullah, em grande estilo, em entrevista super
propagandeada com Christiane Amanpour da CNN, fala por si.
Abdullah Abdullah, candidato preferido dos EUA e da imprensa-empresa ocidental |
Os “marketeiros”
norte-americanos estão tentando implantar a ideia de que Abdullah teria “grande
vantagem” eleitoral. Claro que ele agrada à imprensa-empresa: é íntimo dos think-tanks
norte-americanos e tem pensamento pró-EUA. Do ponto de vista dos EUA, é certo
que Abdullah apoiará empenhadamente o Acordo de Segurança Bilateral
EUA-Afeganistão.
Mas há
vários obstáculos na estrada dessa marcha vitoriosa “marketada”: Abdullah não é
pashtun e é totalmente inaceitável pelos Talibã; ao mesmo tempo, seus laços com
elementos da linha dura indiana são vistos com desconfiança no Paquistão. No
Afeganistão, não só há polarização étnica, mas também tensões regionais que se
superpõem; tudo isso torna extremamente difícil, para Abdullah, inventar algum
tipo de identidade pan-afegã. A recente tentativa abortada para assassinar Ismail Khan, carismático líder do oeste do
Afeganistão, e, pouco depois, o assassinato de dois cabos eleitorais de
Abdullah em Herat são sinal visível de que há tensões entre os tadjiques. E o
campo “Panjshiri”, ao qual Abdullah pertence, também está hoje dividido em
várias facções.
Ismail Khan |
Como se não
bastasse, Abdullah nada ganha com partilhar a visceral antipatia que os EUA
demonstram contra Karzai; tendo de concorrer contra a formidável coalizão que
Karzai arregimentou em torno de si ao longo do tempo, a disputa nos próximos
dias tende a ficar mais difícil. Por isso, precisamente, é indispensável que
Washington interfira, para reduzir “o tamanho” eleitoral de Karzai.
Washington
vai fazer de tudo para pulverizar a coalizão de Karzai. A campanha já começou:
Karzai teria sido diabólico na negociação com a NA. Os detratores citam
como prova, que o Secretário da Defesa, Robert Gates, em suas memórias, conta
que, numa conversa com ele, Karzai fez um estranho comentário, culpando as
forças anti-Talibã no Afeganistão, como co-responsáveis pela violência
perpetrada no país. A campanha visa a criar discórdia dentro da coalizão de
Karzai (que inclui algumas poderosas personalidades que participam da NA).
Enquanto
essa controvérsia ainda ferve, Karzai também sofreu outro golpe assestado por
Washington, de outro ângulo – também dessa vez, para minar os contatos
crescentes com os Talibã.
Ora, já se
sabe, como uma espécie de segredo que todos conhecem, que Karzai muito
trabalhou nos últimos anos para manter aberta uma linha de comunicação com os
Talibã, apesar de não haver quaisquer conversações formais de paz. A política
de Karzai, de reconciliação com os Talibã, não obteve nenhum sucesso
espetacular, mas, na avaliação de Karzai, se os Talibã não forem de algum modo
integrados ou acomodados por alguma espécie de acordo, o país não alcançará a
paz, e a matança e a destruição avassaladoras não terão fim.
Enquanto os
norte-americanos tentavam apresentar Karzai como personalidade autoritária,
obcecadamente oposto à assinatura do Tratado de Segurança Bilateral, o
presidente afegão cuidava de seu próprio mapa alternativo do caminho para o
Afeganistão pós-2014. Por esse mapa do caminho, é importante que o país
livre-se da ocupação norte-americana e que todo o cálculo político seja
exclusivamente intra-afegão, sem o envolvimento do Tio Sam.
Guerreiros Talibã |
Karzai
planeja conseguir engajamento construtivo com os Talibã mediante os métodos
tradicionais afegãos de construção de consensos, o que pode eventualmente levar
ao retorno dos Talibã como participantes da vida nacional. Na verdade, não há
qualquer garantia de que possa ser bem-sucedido, por causa da intransigência
dos Talibã; mas essa política de Karzai é a única tentativa que se tem à vista,
uma vez que não há conversações de paz – apesar de, afinal de contas, a própria
CIA também estar mantendo contatos clandestinos com os Talibã.
Não
surpreende, portanto, que esteja em curso uma guerra declarada entre Karzai e
os norte-americanos. O xis da questão é que, por mais que fale e fale a favor
de um processo de paz “liderado por afegãos” e “controlado por afegãos” e tal e
tal, Washington não cogita de afrouxar o duro controle que mantém sobre a
política afegã. A excessiva interferência de Washington assegura que nenhum
acordo intra-afegão, em nenhum caso, jamais interessará aos objetivos estratégicos
regionais dos EUA. Por isso, a inteligência dos EUA não tira, nem os olhos, nem
as garras de águia cravadas para impedir quaisquer negociações entre Karzai e
os Talibã.
É onde as
eleições de abril no Afeganistão convertem-se em ponto focal de todas as
atenções norte-americanas. O governo Obama concluiu que, apesar de todas as
ameaças, chantagens, ataques e”‘guerra psicológica” – Karzai absolutamente não
cederá e não assinará o Acordo de Segurança Bilateral; assim sendo, as eleições
de abril no Afeganistão ganharam extraordinária importância nas futuras
estratégias regionais dos EUA. De fato, qualquer tipo de entendimento nebuloso
ou tácito, que seja, que Karzai consiga com os Talibã terá profundo impacto nas
eleições de abril.
Assim
sendo, o New York Times já entrou em ação... Na 5ª-feira (6/2/2014), o
jornal publicou matéria em tom sensacionalista, baseada só em briefings de
funcionários dos EUA, em que põe os contatos secretos entre Karzai e os Talibã
na pauta do dia. Segundo a peça da 5ª-feira (6/2/2014), representantes do
governo afegão e dos Talibã encontraram-se recentemente em Dubai.
Ora! Os EUA
deveriam estar satisfeitíssimos por Karzai estar trabalhando para reconciliar
os Talibã. Mas não. O governo Obama parece ofendidíssimo. E já começou a minar
toda a estrada pela qual Karzai caminha na direção, precisamente, do tal
processo de paz “liderado por afegãos” e “controlado por afegãos” e tal e tal,
de que os EUA tanto falam!
Hamid Karzai tenta fazer a paz com os Talibã... Mas os EUA abominam! |
A matéria
do New York Times nada traz de conteúdo novo. Os contatos entre Karzai e
os Talibã são notícia velha, e até os assessores de Karzai já falaram sobre
eles. O único objetivo de a coisa voltar ao noticiário é reforçar a impressão
de que Karzai é “falso”, “dissimulado”. E o servicinho parece ter sido
bem-sucedido, dado que inúmeras agências
de notícias em todo o mundo já “confirmaram” a “notícia”.
Por outro
lado, um Karzai demonizado como homem de duas caras também semeia dúvidas sobre
as reais fidelidades dele, entre os parceiros de Karzai na Aliança do Norte.
Washington também consegue efetivamente torpedear quaisquer nascentes contatos
intra-afegãos, porque cria embaraços para os Talibã – cuja posição pública é de
que não negociarão diretamente com Karzai antes das eleições de abril.
A verdade é
que Washington, hoje, não quer saber de nenhum tipo de conversações de paz
“lideradas por afegãos” nem “controladas por afegãos”; conversas de paz, só se
forem feitas sob comando dos EUA.
Mais
importante: os EUA não querem saber de nenhuma conversa séria com os Talibã,
antes de Karzai já ter sido substituído por alguém que assine o tal Tratado de
Segurança Bilateral EUA-Afeganistão, porque só essa assinatura formalizará o
estabelecimento de bases militares EUA-OTAN no Afeganistão…
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Irã,
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para
várias publicações, dentre as quais: Strategic
Culture, The Hindu,Asia Times Online
e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK
Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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