sábado, 10 de julho de 2010

Aziz Dweik, Deputado do Hamás: “A Flotilha da Paz fez mais que 10 mil mísseis”

8/7/2010, Robert Naiman, The Huffington Post - Traduzido por Caia Fittipaldi

Quem ainda duvida de que a ação estratégica não violenta possa transformar a política no conflito entre Israel e os palestinos? Aziz Dweik, deputado do Hamás, já não tem dúvidas disso, como noticia o Wall Street Journal [1]:


“Quando usamos violência, ajudamos Israel a conquistar apoio internacional”, disse Aziz Dweik, destacado deputado do Hamás na Cisjordânia. “A Flotilha de Gaza fez mais que 10 mil mísseis”.


Há poucos meses, o bloqueio de Gaza não era item de destaque na agenda mundial. Hoje, o governo israelense está sendo politicamente obrigado a “aliviar” o bloqueio. Não, ainda, a levantar completamente o bloqueio: continuam proibidos de sair de Gaza produtos de exportação; ainda não podem entrar matérias-primas e peças de reposição para as fábricas de Gaza. Mas mesmos as medidas que “aliviam” o bloqueio e que acabam de ser anunciadas, além de Israel ter substituído a lista de itens proibidos por lista de itens permitidos, são demandas dos palestinos que, antes da Flotilha da Paz, o governo de Israel rejeitara sumariamente.


E a história ainda não acabou: a imprensa internacional informa sobre o bloqueio mais do que jamais antes; analisa as declarações de Israel, como jamais antes; dá espaço aos argumentos de grupos defensores de direitos humanos israelenses, palestinos e internacionais, como jamais antes. E há mais barcos a caminho de Gaza [2].


O que se poderá conseguir, se governos e movimentos de massa que se opõem às políticas israelenses para os palestinos jogarem todo seu peso a favor de outras exigências dos palestinos, igualmente irrefutáveis, do ponto de vista moral?


O que acontecerá se, por exemplo, governos e movimentos de massa que se opõem às políticas israelenses para os palestinos exigirem que os EUA parem de subsidiar – pelo uso abusivo do dinheiro dos contribuintes encaminhado para grupos que apóiam as colônias exclusivas para judeus em terra palestina –, a construção de colônias israelenses na Cisjordânia, que até o governo israelense reconhece que são construções ilegais?


Vários grupos, nos EUA, fazem doações, isentas de impostos, para ajudar colonos israelenses a construir nos territórios ocupados, obstruindo, na prática, a criação de um Estado palestino, e contra a política declarada do governo dos EUA e, em alguns casos, contra, também, o governo de Israel, como noticia o New York Times [3]:


O NYTimes anota vários traços extraordinários sobre essa atividade:

  • em vários casos de doações, não se pagam impostos devidos;
  • algumas das colônias israelenses subsidiadas por grupos norte-americanos são ilegais, sob a lei israelense;
  • o governo israelense não isenta de impostos grupos que apóiam a construção de colônias, enquanto que, nos EUA, esses grupos acabam por se tornar isentos, dado que não respeitam a lei norte-americana;
  • funcionários dos EUA e oficiais militares israelenses, privadamente, têm reclamado do trabalho desses grupos, em parte porque alguns dos movimentos de judeus que recebem ajuda desses grupos norte-americanos desafiam abertamente o governo israelense e participam, regularmente, de movimentos violentos contra a lei e a polícia israelenses;
  • parte significativa da atividade dos grupos de colonos judeus radicais é financiada por grupos protestantes de extrema direita (chamados “dispensationalistas [4]” [ing. "Dispensationalist"]), que trabalham para fomentar o conflito entre Israel e seus vizinhos, porque crêem que essa guerra seria realização de profecias bíblicas.

O que aconteceria se governos e movimentos de massa que se opõem às políticas do governo de Israel para os palestinos exigissem que o governo dos EUA parasse de subsidiar construções de colônias exclusivas para judeus na Cisjordânia (subsídio que existe, na prática, porque os EUA isentam de impostos grupos que financiam a construção dessas colônias)? Em particular, se passassem a exigir que:


  • o governo dos EUA fiscalizasse diretamente todos os grupos que apóiam a construção de colônias exclusivas para judeus na Cisjordânia;
  • o governo dos EUA negasse direitos de isenção de impostos a qualquer grupo ou pessoa que apoiasse financeiramente a construção de colônias na Cisjordânia que o governo israelense considere ilegais;
  • o governo dos EUA negasse direitos de isenção de impostos a qualquer atividade na Cisjordânia de apoio a construção de colônias que não seja atividade isenta de impostos, também, pelo governo de Israel?

Como o governo dos EUA conseguiria explicação plausível para recusar-se a aceitar essas demandas? No caso de essa questão se tornar risco internacional para a confiabilidade do governo dos EUA, será que algum think-tanks de Washington, algum jornal, algum grupo de pacifistas, ou algum deputado ou senador não se poria a comentar o assunto?


O ataque militar israelense contra o navio Mavi Marmara trouxe à tona, também, a questão do “boicote a Israel”.


Quanto a isso, governos como o da Turquia – e outros países ‘moderados’ de maioria muçulmana – poderiam mudar a história, se garantissem liderança estratégica para uma luta que parece ainda não ter encontrado foco e direção. Como Naomi Klein escreveu, “Boicote não é dogma; é tática” [5]. Boicotes são tanto mais efetivos quanto mais são usados estrategicamente, quando visam especificamente a algum comportamento extremo contra o qual seja possível arregimenta r vastas fatias da humanidade. A questão não é nem a nação nem o Estado de Israel. A questão é a ocupação da Palestina, por Israel.


Imaginemos que o governo da Turquia – que já ameaçou cortar relações diplomáticas com Israel, por causa do bloqueio de Gaza – anunciasse que estaria disposto a liderar um movimento internacional de boicote a empresas ligadas à ocupação israelense da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Leste. O que aconteceria se a Turquia proibisse a exportação, para a Turquia, das escavadeiras fabricadas pela Caterpillar – como a escavadeira que matou Rachel Corrie?


E se a Turquia e outros Estados ‘moderados’ de maioria muçulmana fizessem aprovar na Organização da Conferência Islâmica, uma Resolução de apoio ao boicote contra corporações ligadas à ocupação da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Leste? Que argumento plausível o governo dos EUA encontraria para resistir a esse movimento, se, ao resistir contra a ocupação, aqueles Estados de maioria muçulmana estivessem, simplesmente, tentando fazer valer uma política defendida e afirmada pelo governo dos EUA?


Atenção, recado para o Hamás e todos os muçulmanos que visam, de fato, a derrotar a ocupação israelense da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Leste: o grupo Jewish Voice for Peace [Voz dos Judeus pela Paz] acaba de publicar uma relação de empresas que, precisamente, trabalham a favor da ocupação (Carterpillar, Motorola, dentre outras) e devem ser boicotadas. Temos o mar pela popa e o adversário à proa.

O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Hamas Lawmaker: Gaza Flotilla Did More Than 10,000 Rockets


Notas de tradução:

[1] WSJ, 2/6/2010, “Israel's Foes Embrace New Resistance Tactics” [“Inimigos de Israel abraçam novas táticas de resistência”]. Curioso, nesse artigo do Wall Street Journal, que o Huffington Post repercute quase quatro dias depois de publicado, é que o Wall Street Journal parece reunir, num só artigo, todos os argumentos que a secretária Hillary Clinton vive a repetir (que o Hamás e o Hizbollah devem “renunciar à resistência armada”, por exemplo; e faz declarada campanha contra o Hamás e a favor do Fatah), além de apresentar a versão dos israelenses sobre o ataque aos pacifistas que viajavam na Flotilha. Por exemplo: “O Hamás reza por uma cartilha que prega a destruição de Israel; jovens palestinos continuam a atacar, com pedradas, soldados israelenses ao longo do muro de separação na Cisjordânia. E o incidente da Flotilha não se encaixa nos padrões convencionais de protesto pacífico: enquanto alguns ativistas resistiram pacificamente aos soldados israelenses, vários militantes, no barco no qual manifestantes foram mortos, atacaram os soldados, como se viu nos filmes distribuídos por Israel e nos depoimentos dos soldados.” Adiante, o WSJ cita palavras de Mark Regev, porta-voz do governo israelense: “Estão usando as manifestações pacíficas para provocar violência. Continuam a trabalhar para destruir Israel.” Na conclusão, o WSJ repete, quase literalmente, o argumento de Obama, a favor do reinício de conversações diretas de paz: “A falta de conversações de paz, por já praticamente dois anos, empurrou os líderes da Autoridade Palestina a também abraçar o movimento [de resistência não violenta]. A AP, controlada pelo Fatah, mais moderado, defende há muito tempo um acordo negociado com Israel e nunca antes havia apoiado protestos populares.” De fato, observado de perto, o artigo do WSJ parece ter sido escrito para ser lido por Netanyahu, como se fosse ‘recado’ de Obama-Clinton.

O Huffington Post, no artigo acima, dá outro tipo de enfoque-uso às mesmas informações e parece mais "sinceramente" empenhado, mesmo, mais em pregar o recurso a táticas de não violência, do que opor Fatah e Hamás (o Huffington Post, por exemplo, abre o artigo com palavras do Hamás); e por explorar mais a fundo algumas questões muito objetivas que não se veem discutidas e expostas no artigo do WSJ. No artigo do Huffington Post não se veem tantos interesses ocultados, como se vêem nas entrelinhas do Wall Street Journal [NT].

[2] Al-Ahram Weekly, Cairo, 24-30/6/2010,
“Coming ashore in Gaza”[A caminho do porto de Gaza], Dina Ezzat.

[3] New York Times, 5/7/2010,
“Tax-Exempt Funds Aid Settlements in West Bank” [Fundos isentos de impostos ajudam colônias na Cisjordânia”].

[4] "Dispensacionalismo". Tradição protestante evangélica, baseada numa específica interpretação da Bíblia, segundo a qual haveria várias “dispensações”, ou períodos históricos nos quais Deus falaria aos homens. No que tenha a ver com Israel, a nação de Israel que há hoje nada teria a ver com a terra prometida, que Deus ainda não teria indicado aos judeus. Para os dispensacionalistas, portanto, a Israel que há hoje não é a terra prometida aos judeus e os judeus que lá vivem em heresia (Wikipedia
). O resumo é grosseiro, mas, por hora, terá de bastar. [NT].

[5] Naomi Klein, 12/1/2009, “
Boicote a Israel para acabar com violência em Gaza”, em português em Carta Maior