quarta-feira, 21 de julho de 2010

A carta do embaixador da Venezuela ao jornal "O Estado de São Paulo"

A O Estado de S.Paulo


Sr. Ruy Mesquita — diretor de Opinião

Sr. Antonio Carlos Pereira — editor responsável de Opinião

Sr. Ricardo Gandour — editor de Conteúdo


Senhores,


É com grande preocupação e mal-estar que a República Bolivariana da Venezuela, por meio de seu Embaixador no Brasil, dirige-se a esse jornal, de reconhecidas qualidade e tradição entre os veículos da imprensa brasileira. E a razão não é outra senão nossa surpresa e indignação com os termos e o tom de que sua edição de hoje (20/07/10) lança mão para atacar o presidente de um país com o qual o Brasil e os brasileiros mantêm relações do mais alto nível e qualidade.


O respeito à plena liberdade de imprensa e de expressão é cláusula pétrea de nossa Constituição e valor orientador do governo de nosso país. A estas diretrizes, no entanto, cremos que devam sempre estar associadas a lhaneza na referência a autoridades constituídas – democraticamente eleitas — e a plena divulgação de todos os fatos associados a uma cobertura jornalística.


Cremos descabido que um jornal como “O Estado de S.Paulo” se refira ao presidente Hugo Chávez, eleito e reeleito pelo voto livre da maioria dos venezuelanos, com o uso de termos e expressões como ”lúgubre circo de Chávez”, “autocrata”, “protoditador”, “circo chavista”, “caudilho”, “lúgubre picadeiro”, “costumeira ferocidade”, “rugiu”, “toque verdadeiramente circense da ofensiva chavista – no gênero grand guignol”.


Mais graves ainda são a distorção e ocultação de informações que maculam os textos hoje publicados.


O presidente Hugo Chávez nunca “atropelou” a Constituição Bolivariana, instituída por Assembleia Nacional e referendada em plebiscito. Ao contrário, submeteu-se, inclusive, a referendo revogatório de seu próprio mandato, prática democrática avançada que pouquíssimos países do mundo têm o orgulho de praticar.


O editorial omite que o cardeal Jorge Savino já foi convocado pela Assembleia Nacional para apresentar provas de sua campanha difamatória frente aos deputados — também democraticamente eleitos –, mas o mesmo rechaçou a convocação. Prefere manter suas acusações deletérias a apresentar aos venezuelanos e à opinião pública internacional os fatos que lastreariam suas seguidas diatribes.


Outros trechos do texto só podem ser lidos como clara campanha de acobertamento de um terrorista, como o é, comprovadamente, Alejandro Peña Esclusa: “O advogado de Esclusa assegura que o material foi plantado pelos policiais que invadiram a casa de seu cliente –- considerando o retrospecto, uma acusação mais do que plausível” (grifo nosso).


Esclusa foi preso em sua residência em posse de explosivos, detonadores e munição, após ter sido denunciado, em depoimento à polícia, pelo terrorista confesso Francisco Chávez Abarca –- este criminoso, classificado com o alerta vermelho da Interpol, foi preso em solo venezuelano quando dirigia operação de terror, visando desestabilizar o processo eleitoral de setembro deste ano.


A prisão de Esclusa ocorreu de forma pacífica, com colaboração de sua família, e segue os ritos jurídicos normais: ele tem advogado constituído, direito a ampla defesa e será julgado culpado ou inocente de acordo com o entendimento da Justiça, poder independente de influência governamental ou partidária, assim como no Brasil.


Inadmissível seria o governo da Venezuela ter permitido que um terrorista ceifasse vidas e pusesse em risco a democracia, que nos esforçamos arduamente para defender, ampliar e aprimorar em nosso país, assim como o fazem, no Brasil, os brasileiros.


O “Estado de S.Paulo” tem pleno conhecimento desses fatos, tendo inclusive recebido, em 14/07/10 a Nota de Esclarecimento desta Embaixada, a respeito do desbaratamento da operação terrorista internacional que estava em curso (cópia anexa). O responsável pela editoria Internacional, Roberto Lameirinhas, inclusive confirmou seu recebimento à nossa assessoria de comunicação.


Daí manifestarmos nossa estranheza com a reiterada negativa do jornal em dar tais informações a seus leitores. E ainda tomando como verdade declarações do advogado do referido terrorista.

Temos certeza que os senhores não desconhecem, até pela história recente do Brasil, o quão frágil pode ser a liberdade diante do autoritarismo tirano da intolerância e do uso do terror como método de ação política.


Reafirmamos que não nos cabe emitir qualquer juízo de valor sobre as opiniões político-ideológicas do jornal dirigido por V. Sas., por mais que delas discordemos. O que nos leva a enviar-lhes esta correspondência é, tão somente, a solicitação de que se mantenha a veracidade jornalística e o respeito que se deve sempre às pessoas, sejam ou não autoridades constituídas, mesmo quando o jornal as considere, de moto próprio, como seus inimigos ou desafetos.


Esta Embaixada permanece à disposição do jornal e de seus leitores, para esclarecimentos adicionais sobre quaisquer dos assuntos supracitados, bem como de novos temas julgados pertinentes e reivindica, formalmente, a publicação da presente carta, com o mesmo destaque dado ao editorial de hoje, intitulado “O lúgubre circo de Chávez”, publicado à página A3.


Atenciosamente,

Maximilien Arvelaiz

Embaixador da República Bolivariana da Venezuela no Brasil

Brasília, DF