sexta-feira, 2 de julho de 2010

Fumos da “avançada” seguem Petraeus no “Afpak”

3/7/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online – Traduzido por Caia Fittipaldi

Confirmado e reconfirmado pelo presidente Barack Obama e o Senado dos EUA, e pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e devidamente sagrado como novo Messias blindado pela mídia dominante nos EUA, raposa política “rigidamente disciplinada” e ex comandante-em-chefe do Comando Central dos EUA, o general David Petraeus está às vésperas de aterrissar em Cabul. Ou será o primeiro passo para a indicação Republicana à presidência em 2012, ou testemunhará outro desastre num pântano-charco que consome US$7 bilhões mensais (e aumentando).

O mito da “avançada bem-sucedida” de Petraeus no Iraque só poderia dar nisso. O Pentágono jamais deixa de lucrar, quando vende operação de relações públicas a um público norte-americano sempre conversável. Petraeus, de fato, “venceu” a guerra do Iraque, ao desovar malas cheias de dinheiro sobre grupos selecionados da resistência sunita que combatiam furiosamente a ocupação norte-americana, ao mesmo tempo em que blindou os militares norte-americanos dentro de bases remotas.

Assumamos que o que sempre são, sobretudo pashtuns afegãos também recebam as malas de dinheiro de Petraeus (afinal, o Afeganistão é o segundo país mais corrupto do mundo; só perde para a Somália). Nesse caso, haverá tempo suficiente para subornar toda a resistência afegã antes das eleições presidenciais de 2012 nos EUA? Tudo dependerá da quantidade de dinheiro.

Certo é que os pasthuns ficarão felicíssimos com receber o dinheiro e esperar, não desaparecer – exatamente como estão fazendo os sunitas iraquianos (notícia de última hora: a guerra civil sunitas-xiitas prossegue e mata pelo menos 300 civis por mês).

Naturalmente, o lobby pró-guerra infinita – do pessoal da “dominação total do espectro”, do Pentágono, aos sionistas-conservadores linha-dura e grupo sortido de Republicanos – espera que Petraeus, o “realista de olhos frios”, engaje-se - e o que mais poderia fazer? - na guerra infinita, e suas muitas “avançadas”. Já está a caminho; o general já falou de seu “infinito” compromisso. Talvez não exatamente o tipo de compromisso da Casa Branca, que, até agora, já detonou a contraguerrilha do general Stanley McChrystal, de “tomar, limpar e ocupar” plus construir “governança” local.

À opinião pública dos EUA, vendeu-se que vem agora a “avançada” de McChrystal parte 2, no Afeganistão. Mas, de comandar esquadrões da morte do Pentágono no Iraque, até implantar a estratégia de contraguerrilha desenhada pelo próprio Patraeus, McChrystal estava muito distante do jogo que conhece; e, isso, para não dizer que ninguém conquista corações e mentes de civis pashtuns, bombardeando suas vilas até a total demolição e incinerando filhos e filhas de pashtuns em festas de casamento.

Sigam o dinheiro

Cada pedaço de lápis lázuli e cada átomo de lítio no Hindu Kush sabe que a al-Qaeda saiu do Afeganistão há eras. Só o Talibã ficou. Para Washington, Talibã e al-Qaeda é tudo a mesma coisa. Então, Washington também ficou.

Petraeus jamais pôs fim à guerra entre sunitas e xiitas que devastava o Iraque entre 2006 e 2007. Tentou marginalizar os sadristas; fracassou miseravelmente. O que fez, além de fazer jorrar dólares norte-americanos, foi assassinar – via os esquadrões da morte de McChrystal – os líderes de várias células da resistência sunita, ao mesmo tempo em que construía milhões de postos de controle e instalava um horrendo muro de apartheid em Bagdá (fator chave para conseguir elevar para 80% o desemprego na cidade).

A guerra civil diminuiu,sim, porque os xiitas conseguiram uma brutal limpeza étnica, em larga escala, em Bagdá (e isso mostrou aos sunitas que a segunda melhor opção seria por a mão no dinheiro). Petraeus foi, no máximo, agente periférico em todo esse (sangrento) processo. Mas foi um sucesso, no trabalho de vender aos EUA a noção de “vitória”.

Só comprará a ideia que o Pentágono distribui pelos jornais, de que acontecerá a mesma “avançada” vitoriosa no sul pashtun e no sudeste do Afeganistão, quem tenha fumado muito do fumo do Hindu Kush, do bom.

Para começar, não são só os “Talibãs” – essa palavra-tenda à James Joyce – que combatem os “invasores” de EUA e OTAN e, também, o governo “fantoche” de Hamid Karzai em Cabul (toda essa terminologia foi cunhada pela resistência). Na província crucial de Kunar, o ator chave da resistência é o notório amigo de Ronald Reagan, mujahid Gulbuddin Hekmatyar, com seu grupo Hizb-e-Islami. Karzai, em decisão crucial, conversou com Hekmatyar. E Hekmatyar, além de combater alguns subgrupos dos Talibãs, também se posicionou como mediador – desde que “os invasores” partam para sempre.

Karzai também está conversando com outro mujahid chave, que tem bases no Waziristão Norte do Paquistão, Sirajuddin Haqqani, filho do legendário Jalaluddin, outro dos “combatentes da liberdade” amigo de Reagan. E, para não deixar nenhuma ponta solta, Karzai também está negociando com o número 2 do Talibã histórico comandado por Mullah Omar, Mullah Baradar. O próprio Mullah Omar não quer saber de chá com Petraeus: Omar crê firmemente que, mais dia menos dia, os infiéis partirão.

Isso tudo significa que o astuto Karzai, aferindo de que lado sopram os ventos, tende hoje, essencialmente, na direção do serviço secreto paquistanês – e, quanto a isso, Petraeus nada pode fazer. A CIA – sempre aplicada crente da tática de dividir para governar –, abomina a ideia de os afegãos conversarem entre eles para decidir seu futuro comum. Em desenvolvimento no qual se vêem os tons carregados do dadaísmo, o chefe dos Talibãs em Kunar, Obaid al-Rahman, ofereceu a Patreus um grupo, não de guarda-costas, mas de mata-pelas-costas, uma “Guarda Morte”.

O xis da questão é que a amplíssima maioria dos pashtuns no sul e sudeste não querem Karzai, não querem Petraeus, não querem “avançadas”, não querem EUA e não querem OTAN. Querem ser deixados por sua conta para governar sua terra tribal local como acharem melhor. E, sobretudo, todos os grupos chamados tolamente de “Talibã” crêem, do fundo do coração, com a alma, que seu próprio tipo de luta contraguerrilhas é o melhor negócio a fazer e o único que chegará “lá” – quer dizer, que tomará Cabul até o fim 2012.

A diplomacia de suborno, de Petraeus, danou-se. Os Talibãs, em todos os ramos e tendências, são infinitamente mais fortes, comparados aos sunitas iraquianos, tanto quanto Karzai é muito mais fraco que o primeiro-ministro iraquiano Nuri al-Maliki. E, ainda que apenas 30% dos pashtuns tribais afegãos apóiem ativamente os Talibãs, a maioria absoluta apóia absoluta e completamente sua feroz luta de resistência antiocupação. A ideia de Washington, de que Petraeus possa influenciar a complexa política tribal dos pashtun, é ridícula.

Se Petraeus pensa que vai “limpar, ocupar e construir” suas idéias de contraguerrilha nas terras pashtuns, Petraeus danou-se. Se Petraeus puser-se a inventar uma Fallujah em terras pashtuns, também se danou (e pode até já ter começado a se danar, se, como disse um de seus segundos à Fox News, as regras de engajamento serão mais “cinéticas” – palavra em código, que significa mais fogo norte-americano e mais civis mortos.)

Assim sendo, o que significa toda nova carnifina em marcha? Ora... Há tantos interessados – o comércio de papoula, a “Arábia Saudita do lítio”, o último delírio fumado, última moda em matéria de gasoduto, conhecido como Gasoduto Trans-afegão, cujas bases militares espiam simultanemente Rússia e China... Há tantos ratos que pululam à volta da flotilha dos EUA que naufraga na areia, mas, ora bolas, há mais uma “avançada” a ser vendida, e a guerra (o show) tem de continuar.

O artigo original, em inglês, pode ser lido em: "Surge'' smoke follows Petraeus to Afpak