quinta-feira, 1 de julho de 2010

New York Times: O boom na América Latina

Economies in Latin America Race Ahead

Simon Romero, no New York Times, em 30.06.2010

Tradução do Viomundo


LIMA, Peru — Enquanto os Estados Unidos e a Europa enfrentam grandes déficits e ameaças a uma frágil recuperação econômica, esta região tem uma surpresa guardada. A América Latina, que enfrentou no passado moratórias no pagamento de dívidas, desvalorizações de moedas e a necessidade de resgates por parte de países ricos , está experimentando um crescimento econômico robusto que faz a inveja de seus parceiros nortistas.

A forte demanda da Ásia por commodities como minério de ferro, cobre e ouro, combinada com políticas em várias economias da América Latina para controlar déficits e para manter a inflação baixa, estão encorajando investimento e abastecendo a maior parte do crescimento. O Banco Mundial prevê que a economia da região vá crescer 4,5% este ano.

O crescimento recente na América Latina superou as expectativas de vários governos. O Brasil, o poder ascendente da região, está liderando uma recuperação regional depois da crise de 2009, crescendo 9% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. O Banco Central do Brasil disse na quarta-feira que o crescimento em 2010 poderia atingir 7,3%, a maior expansão da Nação em 24 anos.

Depois de uma profunda contração no ano passado, a economia do México cresceu 4,3% no primeiro trimestre e pode atingir 5% este ano, diz o governo mexicano, possivelmente superando o crescimento econômico dos Estados Unidos.

Países menores também estão crescendo rápido. Aqui no Peru, onde memórias ainda estão vivas de uma economia em frangalhos por causa da hiperinflação e de uma guerra brutal de duas décadas contra rebeldes maoistas que deixou quase 70 mil mortos, o crescimento doméstico atingiu 9,3% em abril em relação ao mesmo mês do ano anterior.

“Estamos testemunhando o que provavelmente serão as melhores condições econômicas do Peru em minha vida”, disse Mario Zamora, de 70 anos, que tem seis farmácias em Los Olivos, um bairro de classe trabalhadora ao norte de Lima, onde milhares de migrantes pobres do altiplano se estabeleceram.

A vibração se mistura com determinação em torno das farmácias do empresário. Uma loja de pizzas Domino disputa clientes com um restaurante peruano de comida chinesa chamada chifas. Mototáxis entregam pasageiros nos clubes noturnos. Competição, na forma de uma recém-chegada rede de farmácias do Chile, agora se posiciona na esquina além da principal loja [de Zamora].

Los Olivos oferece uma janela para ver o crescimento econômico que está tirando partes da América Latina da pobreza, mas exceções persistem. Na Venezuela, a falta de energia e o medo das expropriações fizeram o PIB encolher 5,8% no primeiro trimestre.

Mas a Venezuela e em menor dimensão o Equador, outro país dependente do petróleo que ficou para trás de seus vizinhos, parecem ser a exceção dentro de uma tendência regional ampla.

Mesmo países pequenos alinhados ideologicamente com a Venezuela adotaram políticas pragmáticas e estão se dando bem. Enquanto a Europa foi tomada pelo medo de contágio da crise da dívida da Grécia, a agência Standard & Poor aumentou a nota da Bolívia em maio, citando que as finanças públicas estão em bom estado.

O crescimento da América Latina reflete o aprofundamento das relações com a Ásia, onde a China e outros países estão crescendo rapidamente. A China ultrapassou os Estados Unidos no ano pasado como o maior parceiro comercial do Brasil e é hoje o segundo maior parceiro de países como a Venezuela e a Colômbia, o maior aliado de Washington na região.

Alguns estudiosos da história econômica da América Latina dizem que a recuperação robusta pode ser boa demais para durar, apontando para a política volátil de alguns lugares, a dependência excessiva de exportações de commodities e o risco embutido no crescimento do comércio com a China.

Michael Pettis, um especialista nas ligações financeiras da China com países em desenvolvimento [da Universidade de Peking em Beijing], disse que a América Latina está especialmente exposta às políticas chinesas que aumentaram a demanda por commodities, inclusive ao que parece ser a decisão chinesa de estocar essas commodities.

“Dentro da China há um debate feroz sobre a sustentabilidade desse crescimento baseado em investimento”, o sr. Pettis disse. “Estou preocupado com o fato de que poucos planejadores da América Latina acompanham o debate e a vulnerabilidade que ele cria na América Latina”.

Outros economistas, inclusive Nicolás Eyzaguire, direitor do departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional, sugerem que as baixas taxas de juros internacionais, outro fator de sustenta o crescimento da América Latina, não vão durar muito mais. Ainda assim, eles aplaudem as políticas internas adotadas para robustecer o mercado doméstico.

O Chile, por exemplo, guardou a renda das exportações de cobre quando o preço do produto aumentou no mercado internacional, permitindo assim um plano de estímulo interno para recuperação econômica depois do terremoto de fevereiro. A economia do Chile cresceu 8,2% em abril em relação ao mês anterior, o maior crescimento desde 1996.

“Desta vez, o choque positivo parece ainda melhor, já que alguns países guardaram parte do que ganharam nos anos bons”, diz o sr. Eyzaguirre.

Dentro do FMI, a recuperação econômica da América Latina se traduz em novas políticas, particularmente em relação ao Brasil, que pagou tudo o que devia ao Fundo e está em busca de fortalecer sua posição no FMI.

Com o Brasil crescendo a taxas chineses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está alimentando ambições de soft-power, com ações políticas como uma TV estatal que transmite programação para a África.

David Rothkopf, uma ex-autoridade do Departamento de Comércio no governo Clinton, apontou para dezenas de embaixadas e consulados que o sr. da Silva abriu em todo o mundo.

“Como outros países latino-americanos, o Brasil precisa melhorar sua infraestrutura e treinar mais engenheiros”, o sr. Rothkopf afirmou, “mas demonstra a ascensão de novos poderes, uma dos grandes temas deste século”.

O Peru, cujo crescimento econômico deverá superar o do Brasil dentro dos próximos anos, exemplifica os desafios para a manutenção de uma economia vibrante.

O país tem companhias como o Ajegroup, fundado durante o caos dos anos 80. Agora a empresa de refrigerantes compete com gigantes como a Coca-Cola, não apenas no Peru mas em outros países da América Latina.

O investimento estrangeiro tem entrado no Peru, a maior parte em mineração. Mas este investimento revela ao mesmo tempo a força e a fraqueza da economia. A mineração responde por 8% da atividade econômica do Peru, mas por cerca de metade da arrecadação de impostos, criando problemas se os preços das commodities cairem, diz Pedro Pablo Kuczynski, um ex-ministro das finanças.

Profundas desigualdades persistem, especialmente entre a capital, Lima, e o planalto andino e as florestas da bacia amazônica , onde facções do Sendero Luminoso se abastecem do tráfico de cocaína.

Cerca de 70% da força de trabalho ainda é informal, o que reduz o acesso dos trabalhadores a benefícios e reduz a arrecadação do governo.

Mas parte daquilo que brilha na recuperação do Peru parece pavimentar o caminho para a prosperidade duradoura. Felipe Castillo, de 60 anos, prefeito de Los Olivos, está investindo em uma nova universidade municipal que terá mensalidades baixas para atender a 4 mil estudantes. Ele recentemente visitou o prédio de 11 andares que está em construção em uma favela que aos poucos está se tornando um bairro de classe média baixa.

”Talvez os estudantes dessa instituição aprendam sobre os erros de nossa política econômica no passado apenas como dados trágicos de uma era que acabou”, disse o sr. Castillo.