sábado, 10 de julho de 2010

O MARECHAL LOTT, JÂNIO QUADROS E AS ELEIÇÕES DE 2010

Laerte Braga

Henrique Dufles Baptista Teixeira Lott foi um dos grandes vultos das forças armadas brasileiras. Entre outras coisas não se subordinava a Washington como boa parte dos nossos militares e tampouco tinha aversão ao processo democrático, pelo contrário. Impediu em 11 de novembro de 1955 um golpe dos “patriotas” contra a legalidade.

Ministro da Guerra, era como se chamava o Ministério do Exército, hoje abrigado como Secretaria dentro do Ministério da Defesa, evitou duas tentativas de golpe contra o governo de JK e acabou candidato da coligação PSD/PTB à presidência da República em 1960.

Disputou as eleições contra Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo e um terceiro candidato, Adhemar de Barros, uma espécie de Paulo Maluf da pré-história, também ex-governador de São Paulo.

Perdeu-as. Jânio foi eleito presidente até por larga maioria de votos.

Lott não tinha boa oratória, as campanhas àquela época se sustentavam principalmente em comícios e aliado a esse fato, boa oratória, Lott tinha a mania da franqueza. Da honestidade em suas palavras. Em suas propostas.

Jânio era um produto da demagogia, mero projeto pessoal de ditador (renunciou numa manobra tragicômica esperando que o povo o reconduzisse ao governo com plenos poderes, tudo sob efeito da “mardita” pinga). Candidato da UDN sem nunca ter sido udenista e de Carlos Lacerda, a quem usou até espremer e terminar espremido, não era necessariamente louco como diziam. Demagogo, de interromper comícios para tomar uma injeção de glicose (vivia bêbado) alegando que o cansaço na “luta pelo povo” o obrigava a “sacrifícios” que prejudicavam sua saúde.

Tinha o hábito de assistir filmes de western ao contrário, ou seja, do fim para o princípio. Achava interessante o bandido levantar-se e tomar um soco de John Wayne do que a ordem natural da cena, tomar o soco e cair.

O marechal Lott passou a campanha inteira advertindo aos brasileiros que Jânio levaria o País ao caos. Num dado momento, talvez consciente das dificuldades para sua eleição (tradicionalmente militares foram sempre derrotados em eleições livres para presidente, a exceção de Dutra, mesmo assim porque disputou com outro militar, o brigadeiro Eduardo Gomes), chegou a propor um pacto de unidade nacional em torno de uma candidatura única, no caso o general Juracy Magalhães, governador da Bahia e que havia sido derrotado por Jânio na convenção da UDN.

Para que se possa ter uma idéia da personalidade do marechal Lott, em visita a uma cidade no interior de Minas, descia num automóvel para o centro da cidade, saindo do aeroporto, quando um eleitor de Jânio enfiou uma vassoura dentro do carro, pela janela e tentou atingi-lo. Mandou o carro parar e em meio a lottistas de um lado e janistas de outro, foi até o cidadão, tomou-lhe a vassoura, jogou-a no chão e disse com o dedo em riste: –“O senhor pode votar em quem quiser, é um direito que eu assegurei quando garanti a posse do presidente Juscelino, mas o senhor respeite a mim e a democracia, proceda como homem de caráter”.

Voltou ao automóvel sob aplausos de seus correligionários e silêncio dos janistas que, por sinal, Jânio perdeu as eleições nessa cidade.

Em muitas cidades que visitava, pouco antes de subir ao palanque, Jânio dirigia-se a um botequim estrategicamente escolhido, pedia um sanduíche de pão com mortadela, alegava falta de tempo para jantar, uma pinga e uma cerveja quente, assentava-se à mesa com alguém que lá estivesse, chegou a assentar-se no meio fio e com gestos teatrais ia comendo, bebendo e conversando com as pessoas.

Já ex-presidente, escreveu com Afonso Arinos (que redimiu-se depois, era um homem inteligente e um político íntegro) uma enciclopédia da língua portuguesa. No lançamento no Rio de Janeiro, em 1967, almoçava no Clube Ginástico, no centro da cidade, presentes o próprio Arinos (fora seu ministro das Relações Exteriores), outras figuras do antigo udenismo, quando surpreendeu a todos, inclusive jornalistas, com seu pedido. Uma omelete simples, uma pinga especial e uma cerveja quente.

A surpresa maior veio depois. Foi recortando a omelete até dar-lhe a forma de uma suástica e sequer engoliu uma garfada. O que sobrou amassou com as mãos, formou um bolo e colocou fora do prato. Bebeu a pinga, duas ou três cervejas quentes e foi-se.

Segundo Foucault, “não há exclusão entre loucura e crime, mas sim uma implicação que os une. O indivíduo pode ser um pouco mais insano, ou um pouco mais criminoso, mas até o fim a loucura mais extremada será assombrada pela maldade”.

Referia-se, embora seja um conceito amplo, a Doucelin, conde D’Albuterree, que avocava a si a condição de herdeiro da coroa de Castela e que dizia falar com Deus todos os dias, além de receber a visita de Maria algumas vezes por semana.

O problema é que Jânio não rasgava nota de cem, pelo contrário, cultivou a fama de honesto e implacável na defesa do dinheiro público, enquanto ia guardando o “seu” em bancos suíços. Deixou herança de cerca de cem milhões de dólares, com direito à briga de herdeiros.

As advertências do marechal Lott se confirmaram e foram além. Com a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1961, depois de ter proibido desfile de miss com biquíni, briga de galo e imposto o slack como uniforme para os servidores públicos, militares brasileiros comandados por Washington se levantaram contra a posse do vice, João Goulart que se encontrava em missão na China, a pedido de Jânio. Queria-o longe à hora do “golpe” e uma das primeiras prisões feitas foi a do marechal Lott que logo se pronunciou pela legalidade. Jânio mandara Jango à China exatamente por ser aquele país governado pelo Partido Comunista, Mao Tse Tung e Chou em Lai e assim criar um complicador maior para uma eventual posse de Jango tornando mais fácil seu retorno triunfal.

Jango acabou tomando posse, foi decisiva a reação de Brizola, mas os mesmos militares golpistas, complementando o que Lott dissera em 1960, deram um golpe em 1964 e impuseram ao Brasil uma sombria e cruel ditadura sob controle dos EUA. Inclusive comando militar de general norte-americano.

Outra vez, um ano após o golpe, impediram a candidatura do marechal ao governo do antigo estado da Guanabara, temerosos que sua liderança acabasse por despertar a reação popular e de militares íntegros e brasileiros à quartelada. Como Lott fosse eleitor em Teresópolis, criaram a figura do domicílio eleitoral.

José Arruda Serra é uma versão abstêmia de Jânio Quadros. O que às vezes costuma ser pior. Quando secretário de Franco Montoro tinha mania de dar batida nos órgãos públicos do governo do estado de São Paulo para verificar se estava havendo desperdício de clips, elásticos e aparas de papel.

Jânio, quando candidato a prefeito de São Paulo pela primeira vez chegou a colocar um boné de motorneiro e tentar dirigir um bonde. Nesse dia estava numa água só. E dava incertas (mas avisava a imprensa) em repartições públicas.

O curioso é que morto politicamente Jânio foi ressuscitado por FHC, em 1985, derrotando-o numa eleição para a mesma prefeitura de São Paulo. No dia da posse pendurou um par de chuteiras à entrada de seu gabinete para comunicar que estava encerrando sua vida pública.

A insistência com que setores das forças armadas brasileiras tentam a todo custo impedir que os documentos da ditadura venham à tona é simples. Não pode passar pela cabeça de um torturador boçal como o coronel Brilhante Ulstra, que os brasileiros tomem conhecimento de tortura, assassinatos, estupros praticados em prisões da ditadura por “bravos patriotas”. Uma laia de canalhas sintetizada na frase de Samuel Johnson sobre patriotismo.

E tampouco de velhos generais que encobriram esses crimes, tanto quanto promoveram um expurgo nas forças armadas, afastando militares do porte de Rui Moreira Lima, Ladário Pereira Teles, major Cerveira e outros. Foram milhares.

Voltando à vaca fria, José Arruda Serra é só uma versão abstêmia de Jânio Quadros. Demagogo, corrupto, sem qualquer escrúpulo ou respeito pelo que quer que seja. É evidente que sendo abstêmio, ou seja o oposto, tenha manias do tipo desinfetar as mãos com álcool ao fim de uma sessão de cumprimento a eleitores, como não se assenta ao meio fio e nem come sanduíche de mortadela. Mas usa o tal desinfetante bucal que protege por doze horas já que em campanha tem que beijar crianças.

Vale-se da sofisticação que as campanhas políticas ganharam nos dias atuais e que permite a demagogos, corruptos e trapaceiros como ele Arruda Serra vender um peixe que não existe.

É a velha alma udenista/golpista assombrando o Brasil (e olha que na UDN, creio que por equívoco, havia figuras como Afonso Arinos, Adauto Lúcio Cardoso, Milton Campos e outros, de caráter e integridade indiscutíveis).

A simples hipótese de um sujeito como Arruda Serra presidente da República (está cada dia mais difícil, mas todo cuidado é pouco) aterroriza.

É só olhar o governo de FHC e multiplicar por um fator que podemos chamar de muitas vezes pior e teremos o resultado.

Pior ainda que um bêbado como Jânio, projeto mambembe de ditador, é um abstêmio doentio e sem escrúpulos como Arruda Serra.

Tucanos são a UDN repetida como farsa e por isso mesmo, revestidos de cinismo, amoralidade, se tornam muito mais nocivos e perigosos que a de outrora, se é que isso é possível.

No fundo seria um passo gigantesco atrás. Um retrocesso sem tamanho.

Lott continua tendo razão absoluta sobre os “jânios” que volta e meia aparecem.

Reside aí a grandeza do velho marechal. O ser brasileiro, ter tido em toda a sua vida compromisso com a democracia sem adjetivos.

Ao contrário de seu antigo adversário Jânio Quadros, que levou o País ao caos e da versão seca, José Arruda Serra, que intenta o mesmo, o caos.

A solução é simples. Ou percebemos isso, ou nos lascamos.

E não adianta a GLOBO, VEJA, ou FOLHA DE SÃO PAULO culpar o Irã, Chávez, fabricar pesquisas o que seja. José Arruda Serra não é um candidato a presidente do Brasil. É uma ameaça ao Brasil e aos brasileiros.

E para não dizer que não falei de flores, nas eleições de 1960 as organizações GLOBO se limitavam ao jornal THE GLOBE, editado em português como O GLOBO, algumas emissoras de rádio e a família Marinho, dona do complexo da mentira, apoiou Jânio Quadros. Roberto Marinho ainda era o “comandante”.

Quem disse que o marechal Lott não tem a ver com as eleições de 2010?

A História não morreu não, está mais que viva.

E a propósito de bêbados, nem todos são Jânio, ou como dizia o poeta Sílvio Machado, “nunca vi uma boa idéia nascer em leiteria”. Por isso mesmo Arruda Serra é uma versão Drácula da barbárie patriótica udenista.