segunda-feira, 5 de julho de 2010

Promessas Quebradas, Leis Violadas, Vidas Destroçadas

Autora: Amy Goodman [1]

A Administração Obama dá prosseguimento a detenções sem acusação em Guantánamo e na base aérea da Bagram e recorre aos privilégios do “segredos de estado” para fugir a acções legais.

A Administração Obama dá prosseguimento a detenções sem acusação em Guantánamo e na base aérea da Bagram e recorre aos privilégios do “segredos de estado” para fugir a acções legais.

As autoridades federais estão a investigar se os representantes do governo a sul da fronteira participaram num rapto e tortura de um cidadão – quer dizer, as autoridades do Canadá investigam sobre uma possível participação dos EUA numa “rendição extraordinária” do cidadão canadiano Maher Arar. “Rendição Extraodinária” é a expressão utilizada pela Casa Branca para definir a prisão de alguém e o seu envio secreto para outro país onde provavelmente vai ser torturado. Arar revelou que, nos últimos quatro anos, a Real Polícia Montada Canadiana – RPC (Royal Canadian Mounted Police) tem investigado a possível participação de representantes dos EUA e da Síria no seu rapto e tortura. Este anúncio surgiu no seguimento da decisão do Supremo Tribunal dos EUA de que não considerará o caso de Arar, pondo fim à sua tentativa de fazer justiça através dos tribunais norte-americanos.

Arar é um cidadão canadiano levado pelos representantes dos EUA enquanto mudava de avião em Nova York, dirigindo-se a casa depois das férias familiares em Setembro de 2002. Foi secretamente enviado para a Síria pela administração Bush, onde foi mantido em cativeiro durante quase um ano numa cela semelhante a um túmulo. Foi torturado repetidamente, depois voltou para casa no Canadá, sem acusação, e destruído psicologicamente. Em 2004, o Centro para os Direitos Constitucionais entrou com um processo num tribunal federal dos EUA em nome de Arar, enquanto ele se recuperava no Canadá. Apesar do seu processo legal ter terminado esta semana, a sua luta contra a impunidade continua.

Dennis O’Connor, da Justiça de Ontario, liderou o inquérito do governo canadiano sobre a detenção de Arar, a transferência para a Síria e a subsequente tortura. Entre 2004 e 2006, O'Connor entrevistou um grande número de pessoas e reviu milhares de documentos. A investigação ilibou completamente Arar. O primeiro-ministro canadiano, Stephen Harper, pediu desculpas e Arar recebeu 11,5 milhões de dólares por reparação de danos e gastos em taxas legais. Agora ficamos a saber que a RCP, o equivalente canadiano do FBI, está a conduzir uma investigação que poderá levar a acusações criminais. Arar disse-me: “Têm estado a reunir provas, a entrevistar pessoas tanto no Canadá como no estrangeiro... estão concentrados nos torturadores sírios, assim como nos representantes americanos que foram cúmplices da minha tortura.”

Se a RPC acusar os representantes americanos de cumplicidade no rapto e tortura de Arar, vão colocar em causa o tratado de extradição entre os EUA e o Canadá. Entretanto, o Centro para os Direitos Constitucionais está a encorajar as pessoas a contactar a Casa Branca e os seus representantes no Congresso para exigir um pedido de desculpas a Arar, para que retirem o seu nome de listas de vigilância de terroristas, para que haja reparação financeira de danos e uma investigação e para que assegurem que mais ninguém sofrerá algo semelhante.

O Senador Patrick Leahy, do Vermont, que preside o poderoso Comité Judicial, expressou o seu desapontamento acerca da decisão do Supremo Tribunal ao dizer que o caso de Arar “é uma mancha no legado do país como líder mundial... os EUA continuaram a negar a sua culpabilidade.” Em Janeiro de 2007, Leahy reagiu de forma veemente contra o ex-procurador-geral Alberto Gonzalez: “Sabíamos isto muito bem, se ele fosse para o Canadá, não seria torturado. Seria detido. Seria investigado. Sabíamos muito bem que, se ele fosse para a Síria, seria torturado.”

A Administração Obama dá prosseguimento a controversas políticas da era Bush, detenções sem acusações em Guantánamo e na base aérea da Bagram e, como Leahy revelou, recurso aos privilégios do “segredos de estado” para fugir a acções legais que expõem e punem a tortura. No mesmo dia do anúncio do Supremo Tribunal, outro tribunal em Washington D.C. absolveu 24 activistas anti-tortura que foram presos junto ao Capitólio no dia 21 de Janeiro de 2010, o dia em que o presidente Barack Obama originalmente prometeu que Guantánamo seria encerrada. A sua faixa vermelha dizia: “Promessas Quebradas, Leis Violadas e Vidas Destroçadas.” Vários deles foram então presos na Rotunda do Capitólio enquanto organizavam um serviço fúnebre por três prisioneiros de Guantánamo que poderão ter sido torturados até à morte. O governo dos EUA afirma que se suicidaram.

Maher Arar terminou o seu doutoramento no Canadá e fundou uma revista on line, a prismmagazine.com [2]. O seu foco tem sido o caso do cidadão canadiano Omar Khadr que foi preso no Afeganistão quando era criança e tornou-se adulto na prisão de Guantánamo. Arar, casado e com dois filhos, disse-me: “A luta pela justiça e a luta contra a opressão tornou-se um modo de vida para mim, e não consigo voltar a ser um simples engenheiro que trabalha das 9h às 17h.”

16 de Junho de 2010

Denis Moynihan contribuiu para a pesquisa nesta coluna.

Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net


Artigo original retirado de Esquerda.net

“Links”:

[1] http://www.esquerda.net/autor/amy-goodman

[2] http://www.prismmagazine.com