sexta-feira, 9 de julho de 2010

Quem precisa da CNN (ou da FSP)?

O que é e faz o jornalismo-que-há 

8/7/2010, Glenn Greewald, Salon (excertos traduzidos por Caia Fittipaldi)


Todos os códigos “jornalísticos” de discurso sobre o Oriente Médio são dolorosamente enviesados, sempre de um só lado. Chas Freeman foi impedido de assumir cargo para o qual fora nomeado pelo governo Obama – apesar de longa e importante folha de bom serviço público prestado aos EUA –, porque o AIPAC decidiu que um de seus comentários publicados não seria suficientemente enviesado a favor de Israel.

Juan Cole não obteve indicação para uma cátedra em Yale, porque sofreu campanha doentia dos neoconservadores, para os quais seria “anti-Israel”. Norman Finklestein teve idêntico destino, apesar de ter sido indicado por todo o corpo acadêmico para uma cátedra, depois da campanha de demonização que sofreu, liderada por Alan-Dershowitz, por ter publicado livro-denúncia do lobby pró-Israel.

Alguém algum dia ouviu falar de movimento semelhante, que negasse o direito de trabalhar a algum profissional – como acontece agora com a jornalista Nasr da CNN – por ter manifestado ideias antiárabes ou antimuçulmanas? Claro que não.
As proibições e os crimes de pensamento sobre o Oriente Médio seguem todos uma só direção: reforçar a ortodoxia “pró-Israel”. A lista de exemplos é infindável. Não há dúvidas sobre isso.

A demissão de Nasr mostra mais uma vez, absolutamente exposta, a mentira central do jornalismo do establishment norte-americano: que a “objetividade” seria possível, exigida e regra. A verdade é exatamente o contrário disso: opiniões claras e “com lado” são, não apenas admitidas, mas exigidas. Basta que sejam as opiniões “certas”, as oficiais, as pré-aprovadas. Adiante, uma amostra de tudo que se admite no jornalismo dos EUA.

Em editoral, o Washington Post elogiou entusiasticamente o tirano Augusto Pinochet. Não se leram cartas de protesto e ninguém foi demitido. 

O editor-chefe da Associated Press em Washington Ron Fournier foi apanhando trocando e-mails secretos, de apoio e elogios a Karl Rove, e ninguém foi demitido.

Benjamin Netanyahu elogiou e celebrou formalmente o ataque terrorista israelense contra o Hotel King David, que matou 78 civis, e ninguém foi demitido por manifestar-lhe apoio. 

Erick Erickson já começava a cansar de distribuir tweets racistas repugnantes, quando, afinal, foi CONTRATADO como colaborador da CNN. 

E, como escreveu Jonathan Schwarz, sobre a demissão de Nasr:

William Barr é do comitê de direção da Time Warner, do mesmo grupo da CNN. Barr era conselheiro chefe no governo Reagan, que organizou atentado para assassinar Fadlallah. Não conseguiu, mas, no atentado, assassinou mais de 80 civis.
Perfeito é você contar, no comitê editorial, com alguém que tenha participado do massacre de 80 civis no Líbano. E contar também com Blitzer, ex-funcionário do AIPAC, e com sua visão enviesada a favor de Israel, também é perfeitamente consistente com a “credibilidade” de uma rede de notícias.
Mas manifestar tristeza pela morte de um clérigo islâmico amado e reverenciado em praticamente todo o mundo muçulmano, não, isso não. Seja qual for a força que age nesse processo, nada tem a ver com “objetividade”.
Tudo seria mais tolerável se a CNN simplesmente admitisse que permite que seus empregados manifestem algumas opiniões (sempre de acordo com as políticas oficiais de Washington e com a ortodoxia pró-Israel) e proíbe que manifestem outras opiniões (todas as que desagradam à neodireita conservadora). Mas, não. Em vez disso, somos obrigados a ouvir discursos sobre uma falsa autoproclamada objetividade da opinião jornalística.
A verdade é que o discurso pró-Israel não é considerado discurso de opinião: é considerado fato; é considerado discurso objetivo. Por isso é que jamais haverá manifestação de viés pró-Israel que seja considerado suficientemente distorcida e alheia à realidade a ponto de gerar punição como a que Nasr sofreu (e muitos outros, antes dela). 
Por outro lado, ao mesmo tempo em que grande parte do planeta vê o Hezbollah como importante agente da defesa do Líbano contra os ataques israelenses, o governo dos EUA declarou-o “organização terrorista”. Assim sendo, a mídia “independente” dos EUA faz exatamente o que existe para fazer: obedientemente demite qualquer empregado que manifeste qualquer simpatia por defunto pranteado pelo Hezbollah. 
É verdade que parte do mundo considera terroristas algumas das ações do Hezbollah. Outra parte do mundo considera terroristas algumas das ações de Israel. CNN repete os que considerem o Hezbollah organização terrorista. E censura os que considerem Israel Estado terrorista. Assim, os veículos da imprensa dos EUA esterilizam a opinião pública e sufocam o discurso político nos EUA”.
 
A íntegra do artigo original, em inglês, pode ser lido em: Octavia Nasr's firing and what The Liberal Media allows