30/12/2013, The Saker, Blog The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da
Vila Vudu
The Saker |
A recente
dupla explosão em Volgogrado (ex-Stalingrado) manifesta escalada considerável
na guerra de baixo nível, mas ininterrupta, que opõe insurgentes wahhabistas
não só ao Kremlin, mas também às tradicionais autoridades muçulmanas na Rússia.
Antes de examinar o que esses dois recentes ataques podem significar para a
Rússia em geral e para os próximos Jogos Olímpicos de Sochi, será útil reunir
aqui alguns fatos básicos.
Explosão de um ônibus, um dos 2 atentados em Volgogrado na Rússia em 23/12/2013 |
Chechênia
Primeiro, é
erro assumir que qualquer ato terrorista “islâmico” cometido na Rússia, sempre
envolveria chechenos. A realidade é que a Chechênia não apenas “foi pacificada”:
está hoje realmente em paz. O líder checheno, Ramzan Kadyrov, realmente operou
um milagre, quando converteu o “buraco negro” checheno, devastado pela guerra,
em república próspera e REALMENTE em paz.
O fato de
esse milagre não ter sido jamais nem noticiado nem ridicularizado pelos
veículos da imprensa-empresa anglo-sionista, que chegou a publicar que a
insurgência chechena jamais seria destruída, faz perfeito sentido: seria
politicamente impensável, para o bloco anglo-sionista, admitir esse sucesso
local.
Mesmo
assim, o fato de um jovem, com perfeita aparência externa de bandido checheno,
ter-se revelado líder político extremamente capaz, inteligente e esperto, é
inegável. Embora nenhuma “guerra ao terror” possa ser jamais realmente
“vencida”, é justo dizer que, pelo menos atualmente, o fenômeno do terrorismo
checheno foi, sim, reduzido a quase zero. Infelizmente, se o futuro se abre
radioso, para a Chechênia, as coisas estão infinitamente piores no vizinho Daguestão.
Mapa do sul da Rússia caucasiana com as repúblicas vizinhas |
Daguestão
Chechênia e
Daguestão são vizinhos, mas se fossem antípodas não seriam mais diferentes. Para
começar, a Chechênia é habitada predominantemente, por chechenos, mas não
existe sequer o adjetivo pátrio “daguestanês”: no Daguestão vivem mais de uma
dúzia de diferentes grupos
étnicos. De fato, o Daguestão é a mais diversificada de todas as
repúblicas russas; ali, nenhum grupo constitui qualquer tipo de maioria. Esse
aspecto é crucial, porque o fato de não haver um grupo étnico dominante
significa que não há como surgir um “Kadyrov daguestanês”.
Segundo, a
economia do Daguestão está em mãos de elites muito corruptas, que lutam entre
elas e entre outros clãs. Em termos práticos, significa que a “receita” usada
na Chechênia (dar a um líder checheno local nível máximo de autonomia e
autoridade) seria um desastre para o Daguestão. A”‘solução” para o Daguestão
envolve provavelmente intervenção forçada do Centro Federal e a destruição do
atual sistema clânico baseado nas etnias – coisa que ninguém no Kremlin vê como
possibilidade a tentar.
Por hora,
contudo, o Daguestão é o ninho, para o terrorismo wahhabista. Alguém pode dizer
que o câncer wahhabista tomou conta, primeiro, da Chechênia, e disseminou-se
para o Daguestão enquanto era destruído na Chechênia. A extrema pobreza do
Daguestão, combinada aos milhões de dólares fornecidos pelos sauditas aos seus
aliados e agentes facilitou muito para eles a operação de implantar sua griffe
de wahhabismo no Daguestão e recrutar agentes locais de influência e
terroristas.
Mapa étnico do cáucaso russo e a diversidade do Daguestão (clique no mapa para aumentar) |
Os
terroristas daguestaneses aprenderam bem as lições da Chechênia e jamais
tentaram tomar posse de qualquer território ou criar alguma espécie de “estado”
wahhabista no Daguestão. Exatamente o contrário disso: dia após dia, após dia,
após dia, as forças de segurança combatem os terroristas daguestaneses, os
quais, na maioria das vezes acabam presos ou mortos (mais frequentemente,
mortos). A razão disso é óbvia: os terroristas daguestaneses são fracos e não
conseguem impor-se nem à polícia local. Mas são suficientemente fortes para
amarrar um colete de explosivos na cintura de um adolescente ou de um adulto
jovem, homem ou mulher, e mandá-los explodirem-se numa estação de ônibus ou de
trem.
Wahhabistas
no resto da Rússia
Também
seria erro assumir que todo o terrorismo wahhabista na Rússia teria de vir do
Daguestão ou mesmo do Cáucaso. Os wahhabistas financiados pelos sauditas estão
recrutando literalmente por todos os cantos – do sul da Rússia a São
Petersburgo e, nas duas direções, do Tartarstão a Moscou. Resultado disso, há
russos étnicos envolvidos em atos terroristas wahhabistas. Resumo disso tudo: o
terrorismo wahhabista na Rússia não é nem problema regional nem problema
étnico; é problema ideológico. Assim sendo, que ninguém pule diretamente a
qualquer conclusão. Não se pode assumir coisa alguma sobre quem estaria por
trás dos últimos ataques; literalmente, pode ser qualquer um.
De
Volgogrado a Sochi?
Volgogrado
tem sido cenário de vários ataques terroristas no passado recente, e os dois
mais recentes são apenas isso: os mais recentes de uma longa série. Por que
Volgogrado?
Bem...
Volgogrado – com Rostov-sobre-o-Don e Krasnodar – é uma das maiores cidades do
sul da Rússia e é suficientemente perto do Daguestão para permitir que os
wahhabistas dagestaneses (assumindo-se que estejam envolvidos) organizem um
ataque terrorista naquela cidade. Na verdade, entre Daguestão e Volgogrado a
distância é praticamente igual à que separa o Daguestão e Sochi. Não é
pensamento agradável.
Os estados caucasianos do sul da Rússia e as distâncias referidas |
Outro fator
que deve ter pesado na decisão dos terroristas de atacarem em Volgogrado é que
a expressiva maioria dos esforços contraterroristas russos estão atualmente
concentrados em, e em torno de, Sochi. Uma das regras básicas do
contraterrorismo ensina que sempre há mais alvos a proteger, que recursos para
protegê-los. Ainda que Volgogrado estivesse totalmente fechada e protegida, o
terrorista poderia ter escolhido Astracã, Elista, Savropol ou qualquer outra
cidade. Meu palpite é que a infraestrutura local e federal de segurança está
focada, basicamente, em proteger a infraestrutura dos Jogos Olímpicos; assim,
Volgogrado pode ter ficado mais exposta que o “normal”.
O que se
sabe até agora?
Pavel Pechenkin |
Recebi
muitas mensagens, diretas, por e-mail, ou na seção de comentários, de
pessoas que me perguntam se
penso que os recentes
ataques são efeito de ameaças
recentes dos sauditas. Honestamente:
ainda não sei, é muito cedo para dizer. Os russos estão trabalhando rápido e a
imprensa noticiou que o suicida-bomba que explodiu a estação de trem ontem foi
identificado como Pavel Pechenkin.
Que eu
saiba, ainda não há confirmação oficial, e ainda estão sendo feitas análises de
DNA. Se for verdade, o indício apontará para um grupo de russos étnicos que
deve incluir Dimitri Sokolov, recentemente morto por forças de segurança; era
russo étnico que vivia no Daguestão e que se ligou a um grupo terrorista na
cidade de Makhachkala. Contudo, é interessante registrar que seu contato com os
wahhabistas clandestinos não começou no Daguestão, mas numa mesquita em Moscou,
onde se inscreveu para aulas do idioma árabe. Sokolov era amante de Naida
Asiialova, também suicida-bomba, que se autoexplodiu num ônibus lotado em
Volgogrado em outubro desse ano. Pechenkin, Sokolov e Asiialova aparentemente
eram parte da mesma célula terrorista que, embora baseada no Daguestão, incluía
russos étnicos.
Dimitri Sokolov Naida Asiialova |
Esse grupo
é muito bem conhecido dos serviços de segurança russos. Os pais de Sokolov e
Pechenkin apareceram várias vezes na mídia russa, implorando que os filhos não
cometessem atos violentos e que abandonassem a vida de terroristas. Embora
evidentemente trabalhassem com cúmplices, Sokolov e Pechenkin eram a imagem
pública desse grupo e, tanto quanto sei, não há outras figuras importantes
nessa célula, que os serviços de segurança já não tenham apanhado.
Por
enquanto – e essa é uma avaliação muito preliminar – não se veem “impressões
digitais” sauditas nesses ataques. Parecem ser o que os norte-americanos chamam
de “terror doméstico”. Se alguma pegada saudita há aí, está na quantidade
massiva de dinheiro que os sauditas fornecem a mesquitas wahhabistas na Rússia
(e em todo o mundo).
Opções
russas internas
Como
H.L.Mencken escreveu, “para todo problema complexo sempre há uma resposta
clara, simples e errada”. Nesse caso, a solução simples é fechar todas as
mesquitas ligadas a wahhabistas na Rússia, e algumas cabeças-fracas na Rússia
já manifestaram desejo de ver acontecer precisamente isso. Há inúmeros
problemas com essa “solução”.
Vladimir Putin |
1). Seria, numa palavra, ilegal. A Rússia
(finalmente!) tornou-se país no qual (mais ou menos) a lei é respeitada, ou,
pelo menos, a Rússia está a caminho de vir a ser esse tipo de país. Certo é que
a vasta maioria dos russos querem que o país deles torne-se país normal,
civilizado, onde a lei está no centro da vida política. Fechar mesquitas seria,
simplesmente, ilegal. Para começar, fechar mesquitas por quê? Por “suspeita de
wahhabismo”? Não há lei na Rússia que proíba o wahhabismo. Por receberem
dinheiro? Também não é proibido. Por estarem ligadas a redes terroristas? Sim,
seria ilegal, mas é preciso provar a ligação, o que é muito difícil, e não há
meio para fazer “colar” esse tipo de “acusação”, em tribunais legais, contra
muitas daquelas mesquitas.
Resumo, até
aqui: Putin não é ditador e não pode agir à margem da lei russa. De fato, nem
quer.
2). Seria também imoral. Vivi durante
muitos anos literalmente ao lado de uma grande mesquita integralmente
financiada pelos sauditas e, que eu saiba, nem aquela mesquita jamais teve algo
a ver com terrorismo, nem as pessoas que frequentavam aquela mesquita jamais
cometeram sequer algum pequeno crime. Deus sabe que odeio, do fundo do coração
e da mente, a ideologia wahhabista. Mas isso não implica que a maioria dos
wahhabistas sejam bandidos, ou ligados ao terrorismo. A maioria não é, nem se
pode convertê-los em, bodes expiatórios para ações de outras pessoas. Sou
absolutamente a favor da destruição física de todos os terroristas wahhabista
que haja no mundo, mas, enquanto não se armam e põem-se a matar seres humanos,
os seguidores de Ibn Taymiyyah, Ahmad ibn Hanbal e Muhammad ibn Abd al-Wahhab
não podem ser forçados a pagar por atos de outros.
3). Seria contraproducente. A favor de
deixar livres para operar as mesquitas ligadas aos wahhabistas, pesa, sim,
também, a evidência de que muitas delas oferecem às forças de segurança um “elo
fraco” e alvo perfeito, pelo qual podem entrar e mantê-las sob observação. Fechem
aquelas mesquitas, e os terroristas que ali haja serão empurrados para a
clandestinidade, espaço sempre muito mais difícil para qualquer tipo de
infiltração. De fato, as mesquitas ligadas aos wahhabistas podem até ser usadas
como pote de mel para atrair, identificar e prender terroristas domésticos.
Não. O
melhor modo de lidar com a propaganda e o terror financiados pelos sauditas é
apoiar organizações islamistas tradicionais, anti-wahhabistas, e líderes
religiosos. Há muitos, muitos muçulmanos inteligentes e bem educados na Rússia,
inclusive alguns imãs bem conhecidos, que podem fazer a luta espiritual e de
ideias contra os terroristas wahhabistas e denunciá-los pelo que realmente são.
O estado russo deve:
(a) proteger fisicamente essas pessoas;
(b) ouvi-los e ouvir a avaliação que façam
da situação atual;
(c) explicar à população não muçulmana que
aquelas figuras religiosas são aliados vitalmente importantes na luta contra o
terrorismo wahhabista.
E se se
encontrarem pegadas sauditas?
Aí está um
grande “se”! Mas assumamos, só para argumentar, que os russos descubram alguma
espécie de “impressão digital” saudita nesses ataques, ou em outros, durante os
Jogos Olímpicos, e examine várias respostas russas:
Base naval russa de Tartus na Síria (vista aérea) |
1). Ataque aberto, de retaliação, contra a
Arábia Saudita:
Em termos
puramente militares, coisa facílima de fazer. Os russos poderiam atacar com
bombardeiros, mísseis cruzadores disparados de submarinos, mísseis balísticos –
de fato, tudo, qualquer coisa. Os EUA manifestariam todas as variantes de
ofensa e ultraje, mas o CENTCOM faria absolutamente nada, porque o propósito
original do CENTCOM era impedir invasão soviética no Irã, não defender os
sauditas contra ataque russo de retaliação. O problema, nessa resposta, é que
seria ilegal nos termos da lei internacional; e a Rússia não quer saber desse
tipo de problema. Se a Rússia decidir acusar oficialmente e publicamente a
Arábia Saudita, de ataques terroristas contra a Rússia, terá de ir ao Conselho
de Segurança da ONU ou à Corte Internacional de Justiça, e encaminhar
legalmente o próprio caso.
Conselho de Segurança da ONU |
2). Registrar queixa oficial na Corte
Internacional de Justiça e tentar arrancar do Conselho de Segurança da ONU um
voto de condenação contra o Reino da Arábia Saudita:
Essa é
opção clara e limpa, porque poria os sauditas em posição política muito
embaraçosa. Dependendo dos termos da Resolução, os EUA podem ou abster-se de
votar ou vetar a proposta de resolução, porque, não importa quantos e quais
problemas haja atualmente entre os dois lados, EUA e Reino Saudita são ainda
aliados estratégicos. Mesmo assim, a queixa oficial russa contra o regime
saudita jogaria mais um ovo no nariz dos macacos medievais no poder em Riad. Pessoalmente,
gostaria que acontecesse. Mas não faz o estilo de Putin – que prefere
diplomacia em chave muito mais discreta.
3). Ataque não aberto de retaliação,
contra a Arábia Saudita:
Também nada
difícil de fazer com os meios do Kremlin, não só porque poderia usar
capacidades russas para atingir um ou dois príncipes sauditas, mas porque
poderia facilmente subempreitar o serviço, transferindo-o a força aliada. O
problema nesse caso é que, ainda que resposta de retaliação, mesmo assim seria
ato de terrorismo.
Ibn al-Khattab |
Até hoje, o
único caso que eu conheça de os russos assassinarem alguém foi quando mataram
Ibn al-Khattab, terrorista conhecido e procurado: os serviços especiais russos
interceptaram uma carta endereçada a Khattab, trataram a carta com um veneno
especial que nada causaria a ninguém, exceto ao próprio Khattab (coisa muito
mais efetiva e método muito mais sofisticado que a bobagem de que os russos são
acusados, de que usariam polônio para matar alguém). Mas naquele caso, os
russos admitiram o papel que tiveram, e até fizeram declarações mais ou menos
oficiais, fornecendo detalhes da operação. Foi assassinato que usou métodos não
abertos, mas não foi propriamente operação não aberta completa, porque os
russos voluntariamente admitiram que estavam por trás de tudo aquilo. Khattab
era bandido de tal ordem que ninguém mentalmente são manifestou qualquer
problema contra a ação: é um daqueles raros casos, claros, branco e preto, caso
em que ninguém discorda, em que praticamente toda a humanidade concorda que o
executado realmente teve o que merecia e que se fez justiça. Mas aquele caso
foi absolutamente excepcional. Na grande maioria das vezes, as chamadas “operações
secretas” não passam de eufemismo para (contra)ataque terrorista, vale dizer:
ato que nenhum país civilizado deve cometer ou admitir.
4). Nesse caso... fazer o quê? Com vistas
ao longo prazo:
Dick Cheney |
Numa luta
contra o terrorismo, é absolutamente vital manter alta a moral em campo: você
tem de fazer o máximo, para negar ao
inimigo o status de “combatente da liberdade”. Para fazer isso, é absolutamente
necessário que você conserve as suas mãos o mais limpas possível; e você só
deve engajar-se em ações que, se descobertas, o mostrarão como gente honrada. A
noção de Dick Cheney, segundo o qual, em dado momento, “[agora] tiramos as
luvas” é reflexo de seu pensamento absolutamente sem refinamento e
sofisticação. O mesmo se pode dizer da “negabilidade
plausível”, da CIA. O resultado dessa autoilusão é que os EUA são
odiados e desprezados em todo o mundo, e literalmente, não há ação vil,
vergonhosa ou estúpida que alguém não acredite facilmente que possa ter sido
cometida pela comunidade norte-americana de operações secretas. Por que a
Rússia desejaria tornar-se “o vilão da hora” (outra vez)?!
Pessoalmente,
entendo que é crucial, para país civilizado, manter sua política oficial,
pública, declaratória, em harmonia com o que faz por trás do palco. Nada há de
inerentemente errado em operações clandestinas, se forem conduzidas de modo tal
que os que as ordenam continuem a mostrar atitude racional e honrada, no caso de
a operação ser descoberta. A Rússia não pode falar constantemente do papel
crucial que deve ter a lei internacional nas relações internacionais, e, de
repente, sem mais nem menos, pôr-se a violar as leis internacionais mais
básicas.
Por essa
razão, qualquer uso de força (militar ou de serviços especiais) pela Rússia
terá de basear-se nos seguintes princípios:
a). Só depois de todas as opções não
violentas terem sido tentadas ou quando seja absolutamente impossível pô-las em
prática.
b) A força usada tem de ser proporcional
ao ataque que a provocou.
c) Todos os esforços devem ser
empreendidos, para evitar que inocentes sejam mortos, feridos ou atingidos de
qualquer modo.
Soa como
fala de Poliana? Pois não deveria soar assim.
Décadas de
uso absolutamente irresponsável, temerário e impiedoso da força, por EUA,
Israel, europeus, e soviéticos acabaram por nos dessensibilizar: já poucos
percebem que a violência é fundamentalmente imoral. “Educados” como fomos
muitos de nós pelos filmes de John Wayne e pelos governos de Ronald Reagan,
perdemos a capacidade de nos horrorizar, como se horrorizaria qualquer pessoa
civilizada, com a feiúra e a imoralidade da violência. Pior: estamos tão
condicionados por décadas de audiência ante os televisores, assistindo a “reportagens
especiais” da CNN, a repetir o mais recente briefing sobre uma ou outra
intervenção militar norte-americana, que já esquecemos que “atirar sem sacar a
arma do coldre” é o meio menos eficiente de lidar com qualquer problema.
Quando se
enfrenta questão como o terrorismo, o melhor é, sempre, planejar para o longo
prazo. Desse ponto de vista, entendo que o regime saudita é problema
suficientemente grande, para merecer ser considerado como ameaça inerente à
segurança nacional da Rússia; e isso, por sua vez, implica que a Rússia deve
ter, como objetivo de sua estratégia de segurança nacional, obter mudança de
regime no Reino da Arábia Saudita.
Mas essa
meta deve ser buscada exclusivamente ou, no mínimo, principalmente, mediante
meios legais. Por exemplo, armando iranianos e sírios os quais, por sua vez,
armarão o Hezbollah. A mesma meta pode também ser alcançada isolando a Arábia
Saudita no cenário internacional, mediante “consultas” com aliados e nações
amigas. Além disso, a Rússia deve buscar ampliar seu papel e sua influência no
mundo muçulmano e árabe, para contra-atacar a atual influência dos sauditas e de
outras monarquias do Golfo.
No curto
prazo, o público russo tem de ser abertamente informado de que o terrorismo não
pode ser erradicado; que qualquer ideia nessa direção é delírio de fumaças
alimentadas por políticos desonestos. Mas se nenhuma nação ou governo
conseguirá jamais erradicar o terrorismo, é possível aprender a conviver com
ele. Afinal, o número total de vítimas de terrorismo é extremamente pequeno;
muito, muito menor que o número de vítimas, digamos, de acidentes de carro. O
real poder do terrorismo está no efeito psicológico que tem, não sobre as
vítimas diretas, mas sobre as testemunhas. Tão logo a opinião pública aceite a
ideia de que é possível reduzir ao mínimo o número de ataques terroristas,
mesmo que alguns sempre possam ocorrer, o terrorismo perderá a única força que
realmente tem.
O
terrorismo tem de ser aceito como fato da vida [exatamente
o que a imprensa-empresa do capital existe para IMPEDIR que aconteça (NTs)],
porque, se não for assim, qualquer país sempre acabará arrastado para uma
interminável espiral de medidas perfeitamente inócuas de contraterrorismo, que
são, de fato, muito mais daninhas à vida social que o terrorismo que as
inspirou.
Será que
interessa à Rússia converter-se em estado paranoico fascista aterrorizado, como
são hoje os EUA? Não será mais produtivo aceitar o fato de que o terrorismo
jamais será “derrotado”, e tocar a vida do melhor modo possível, nesse mundo
sempre tão perigoso?
Já há
políticos russos debatendo acaloradamente a importância de suspender a atual “moratória”
que suspendeu a pena de morte
no país: Nikolay Pligin,
deputado do Partido Rússia Unida, e presidente da Comissão de Constituição e
Justiça do Parlamento Russo, declarou que:
(...) nenhum grupo social será discriminado, nenhuma atividade
especial será dirigida contra nenhum grupo específico – todas as atividades
serão conduzidas estritamente segundo as normas constitucionais e a lei vigente.
Ramzan Kadyrov |
E Ramzan Kadyrov
exigiu que o Parlamento
(...) aumente infinitamente a pena para os que,
não apenas cometam atos terroristas, mas também partilhem as ideias dos
terroristas, disseminem sua ideologia e lhes deem treinamento. Estou absolutamente convencido de que não
venceremos esse mal só com democracia e humanidade.
Ora... Pelo
menos os dois concordam que o lugar certo para discutir a questão e decidir
sobre quais políticas adotar é o Parlamento. Espero que a Duma se
manifeste com clareza e dê ao Kremlin as leis de que o Kremlin precise. Porque,
de fato, a decisão real estará nas mãos de Putin.
Pessoalmente,
tenho confiança de que Putin se pautará estritamente pela letra e pelo espírito
da lei nacional russa e pela lei internacional. E que não haverá excessos, na
reação russa.
[assina]
The Saker
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