17/1/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sede europeia da ONU em Genebra onde será realizado a reunião Genebra-2 sobre a Síria |
A menos de uma semana do início da conferência Genebra-2 sobre a Síria, o
grupo de oposição moderada Coalizão Nacional Síria [orig. Syrian National
Coalition (SNC)] ainda não decidiu se participará ou não. Os representantes
curdos dissociaram-se; a oposição dentro da Síria exige representação separada;
os grupos rebeldes que combatem dentro da Síria mostram-se desinteressados. É
quadro desencorajador.
Entrementes, os dois principais promotores de Genebra-2 – Moscou e
Washington – também endureceram suas posições. A reunião “trilateral” (Rússia,
Irã e Síria) de ministros de Relações Exteriores, na 5ª-feira (16/1/2014) em
Moscou, carrega muito mais simbolismo político e será vista em Washington como show de desafio, digam os envolvidos o que disserem. A
página israelense DebkaFile, que tem laços
com agências de segurança, já fala de
um plano máster iraniano.
(E) Mohammad Javad Zarif, MRE do Irã, (C) Sergey Lavrov, MRE da Rússia e o (D) MRE da Síria, Walid al-Moallen, após a conferência de imprensa em Moscou (16/1/2014) |
Já se especula até sobre um “eixo”
russo-iraniano-sírio (virada dramática, é claro, no roteiro). De
fato, o importante é que o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, apareceu
com resposta rápida.
Em declaração dura, num briefing organizado às pressas no
Departamento de Estado em Washington, John Kerry fez referência quase às claras
ao “revisionismo recente” da Rússia sobre Genebra-2. Kerry
disse que “o único objetivo” de Genebra-2 será implementar o comunicado
de 2012 [EUA-Rússia]. Alertou contra “os que estão procurando re-escrever a
história, ou agitar as águas” nesse momento:
John Kerry |
[Genebra-2] é para
estabelecer um processo essencial à formação de um corpo governamental de
transição – um corpo de governo com plenos poderes executivos estabelecido por
consentimento mútuo (...) Qualquer nome para a liderança da transição na Síria
deve ser apresentado conforme os termos de Genebra-1. E todas as reiterações
disso sendo o coração e a alma de Genebra-2, os nomes devem ser aprovados pelos
dois lados, pela oposição e pelo regime. É a própria definição de consentimento
mútuo. Significa que qualquer figura considerada inaceitável por qualquer dos
lados, seja o presidente Assad ou membro da oposição, não pode ser parte do futuro.
Kerry disse
também que:
(...) embora
a Síria tenha-se convertido no “mais forte ímã para o terror, de todos os
locais, hoje – para “jihadistas e
extremistas” – é “um desafio à lógica imaginar” que a luta contra isso possa
jamais ser liderada por Assad. Kerry repetiu que “está além de qualquer lógica
e de qualquer bom senso” que Assad possa de algum modo levar a Síria “rumo a um
melhor futuro”.
Tomando emprestada a conhecida expressão de T.S. Eliot para o mundo da
estética, Kerry serviu-se de um “correlato
objetivo” [1] para expressar forte emoção quanto aos recentes movimentos
diplomáticos dos russos. Vários fatores contribuem para a irritação crescente
em Washington.
Primeiro e sobretudo, há o problema do Irã. Dito de forma simples:
exatamente quando é fator absolutamente crítico que não haja intervenção de
terceiros na agenda de engajamento em conversações diretas entre o governo
Obama e o Irã, que está entrando em fase crucial, a Rússia decide aparecer com
alarido.
No instante em que ouviu que o Ministro de Relações Exteriores do Irã,
Mohammad Javad Zarif, estava viajando para Moscou, Kerry telefonou para seu
contraparte russo Sergey Lavrov, para dissuadir a Rússia de concluir o negócio
de troca de petróleo por produtos com o Irã, que pode resultar em 50% de aumento nas
exportações iranianas de petróleo e acrescentar $18 bilhões aos ganhos de Teerã
com exportações, catapultando a Rússia para o posto de principal comprador do
cru iraniano. Lavrov teria respondido “Nyet” [ru. “Não”].
Evidentemente, Washington sabe que a Rússia, czar do petróleo mundial, não
precisa importar cru iraniano – nem as refinarias russas são preparadas para
usar o cru iraniano, nem a Rússia tem portos de petróleo organizados para gerir
importações. O governo Obama deve ter avaliado que a Rússia poderia embarcar o
cru iraniano, re-rotulá-lo simplesmente como “russo”, e vendê-lo – digamos,
para Índia ou China. (Menciono a Índia, porque a União Soviética certa vez
forneceu cru iraquiano obtido numa troca entre Moscou e Bagdá, numa situação semelhante
de tensões regionais).
Em termos econômicos, a Rússia estaria garantindo uma linha salva-vidas
essencial ao Irã, agindo como intermediário na exportação de seu cru, escapando
às sanções ocidentais. E em termos políticos, Moscou estaria abrindo espaço
diplomático muito maior para o Irã nas próximas negociações com os EUA.
Washington está evidentemente
abalada.
Vladimir Putin retratado por Maurício Porto |
Estão renegociando o controverso fornecimento, pelos russos, do sistema de
mísseis S-300 de defesa (que é ponto ainda sensível dos laços bilaterais); a
Rússia vê com bons olhos a construção de mais usinas nucleares no Irã; as
empresas russas de petróleo buscam parceiros para explorar e desenvolver campos
iranianos de petróleo e gás.
Bem evidentemente, a Rússia está se posicionando em vantajosamente no
mercado iraniano, antes da chegada das empresas ocidentais (o jornal russo Kommersant
oferece excelente apanhado [não encontramos versão em outra língua] do
conjunto de motivações que estão impulsionando a avançada diplomática de Moscou
na direção de Teerã).
Outros fatores do relacionamento Rússia-EUA também estão entrando em cena.
A Rússia está agora desafiando
abertamente a prerrogativa, que o governo Obama entende
que seria dele, de convidar o Irã a participar de Genebra-2. Interessante:
Putin mencionou o Afeganistão, dentre outras questões, na conversa que teve com
Zarif, no Kremlin, ontem, como área na qual poderia haver coordenação e
cooperação russo-iraniana.
A Rússia, em breve, poderá se tornar o maior comprador de petróleo iraniano do mundo |
Mas, por outro lado, Moscou agora terá de enfrentar o revide. O governo
Obama fará de tudo para ser o desmancha prazeres nos próximos Jogos Olímpicos
de Inverno em Sochi, que o Kremlin prepara com atenção extrema. Além disso, a
Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA reuniu-se em Washington na
4ª-feira(15/1/2014), para discutir a Ucrânia; as críticas concentraram-se
contra as aberturas
do Kremlin na direção do presidente Viktor Yanukovich.
A Ucrânia está no primeiro círculo dos interesses geoestratégicos russos;
e, na avaliação de Washington, a absorção da Ucrânia na área da União Europeia
(e da OTAN) é absolutamente imperativa, para empurrar a Rússia para posição de xeque-mate na Eurásia.
Ao que parece, os EUA estão arregimentando seus parceiros europeus para
que façam oposição unida às
políticas de Moscou na Ucrânia e expandindo a campanha de propaganda pró
democracia e direitos humanos.
______________________
Nota dos tradutores
[1]. Em português, há alguma
coisa sobre o conceito em: “Teoria
da Literatura II/Aula 02/ Formalismo/ New Criticism e Fenomenologia”.
______________________
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias
publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times Online
e Indian Punchline. É o filho mais velho de
MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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