21/1/2014, Global Research (SANA e AFP)
Traduzido da versão em inglês
da entrevista pelo pessoal da Vila Vudu
Comentário da Elza Pata no Quiosque “É
Duca” na Vila Vudu: IMPRESSIONANTE o
tom enviesado-vicioso, quando não é completamente tolo, das perguntas do
jornalista da AFP (o que também chamou a atenção de Global Research).
O presidente Bashar al-Assad deve ser coroado “Campeão Mundial de
Paciência, Moderação e Boa Educação para a Convivência Democrática”: hoje, já é
incontável o número de jornalistas ocidentais PERFEITAMENTE IMBECIS que o
entrevistaram, e aos quais ele sempre respondeu com bons modos.
Em “Interviewing
Bashar al-Assad” o jornalista entrevistador, da AFP, escreve três
laudas sobre os passos prévios à entrevista. Dentre outros comentários imbecis,
diz que o presidente Assad, em pessoa, “não parece um déspota sanguinário;
parece mais “um gerentão” [sic]; e o jornalista apresenta-se como personagem
importantíssimo, naquele encontro, o que ele, evidentemente, não é.
Esperemos que, pelo menos na última linha, tenha feito justiça aos
fatos, sem opinionismo “jornalístico” tosco: “O palácio grava a entrevista e
nos entrega transcrições em árabe, inglês e francês. Verificamos atentamente:
nada foi cortado”.
Aqui, a tradução da versão em inglês.
Nenhum jornal da imprensa-empresa VAGABUNDA, no Brasil inteirinho,
publicou a íntegra dessa entrevista.
Sammy Ketz da AFP "entrevista" Bashar al-Assad |
AFP: Sr. Presidente, o que o senhor espera da
Conferência Genebra-2?
Presidente Assad: O elemento
mais básico, ao qual nos referimos continuamente, é que a Conferência de
Genebra produza resultados claros no que diz respeito à luta contra o
terrorismo na Síria. Em particular, é preciso pressionar os países que estão
exportando terrorismo – enviando terroristas, dinheiro e armas a organizações
terroristas –, especialmente Arábia Saudita e Turquia. E, claro, os países
ocidentais que fornecem cobertura política para essas organizações terroristas.
Esta é a decisão mais importante ou o mais importante resultado que a
Conferência de Genebra poderia produzir. Qualquer solução política que seja
alcançada e não preveja o combate contra o terrorismo, não terá valor algum.
Não pode haver qualquer ação política, enquanto o terrorismo estiver em todos
os lugares, não só na Síria, mas em países vizinhos também. Do lado político,
Genebra-2 pode contribuir para construir um processo de diálogo entre os
sírios. Tem que haver um processo sírio dentro Síria. E Genebra poderia apoiar
isso. De nada servirá, se tentar pôr-se como substituto desse processo.
AFP: Depois de quase três anos de guerra
devastadora e do grande desafio de reconstrução do país, é provável que o
senhor não venha a ser candidato à presidência?
Presidente Assad: Isso
depende de duas coisas. Depende de aspirações pessoais, de uma decisão pessoal
minha, por um lado; e depende também da opinião pública síria, por outro.
Pessoalmente, penso nisso e não vejo motivo algum pelo qual não devesse pensar.
E vale o mesmo para a opinião pública síria. Mas ainda temos quatro meses antes
do início do processo eleitoral. Se nesse momento houver sinal de desejo
público a favor de minha candidatura, eu, pessoalmente, não hesitarei nem por
um momento em concorrer à eleição. Pode-se dizer, em resumo, que há chances
significativas de eu me candidatar à eleição.
AFP: Nestes últimos anos, o senhor alguma vez
pensou sobre perder a batalha? Já pensou em um cenário alternativo para o
senhor e sua família?
Presidente Assad: Em
qualquer batalha, sempre se pode ou ganhar ou perder. Mas quando você luta para
defender seu país, é óbvio que a única opção é vencer. Se a Síria perder esta
batalha, significará que o terrorismo se disseminará, que o caos se
disseminará, para todo o Oriente Médio. Esta batalha não está confinada à
Síria. Não é, como a propaganda ocidental a pinta, uma revolta popular contra
um regime que reprime seu povo, uma revolução que estaria clamando por
democracia e liberdade. Agora, muita gente já está vendo que essas mentiras são
o que são, mentiras. Nenhuma revolução popular duraria três anos para, no
final, fracassar. E tampouco alguma revolução nacional poderia seguir agenda
estrangeira.
Se o senhor
está perguntando por cenários que eu tenha considerado, sim, naturalmente, há
vários cenários possíveis, 1º, 2º, 3º... 10º, mas todos estão focados em
defender a Síria, não em fugir da luta. Fugir não é opção a considerar nestas
circunstâncias. Estou e tenho de permanecer na vanguarda dos que defendem a Síria.
Tem sido assim, desde o primeiro dia.
AFP: O senhor acredita que esteja vencendo
essa guerra?
Presidente Assad: Essa
guerra não é minha, para que eu a ganhe. É guerra nossa, dos sírios. Acho que
esta guerra tem, por assim dizer, duas fases. A primeira fase, que tomou a
forma de projetos elaborados no início, visou a derrubar o estado sírio em
questão de semanas ou meses. Agora, três anos depois, podemos dizer com
segurança que esse projeto fracassou. Nesse sentido, o povo venceu. Havia
países que não queriam só derrubar o estado: também queriam dividir o país em
vários "miniestados”. Esse projeto também falhou; consequentemente, é mais
uma a vitória para o povo sírio. Agora estamos noutra fase da batalha, que é a
luta contra o terrorismo, que nós estamos vivendo diariamente. Como o senhor
sabe, esta fase ainda não acabou. Assim sendo, não posso falar sobre ter
ganhado, antes de eliminar os terroristas. O que podemos dizer é que estamos
progredindo e avançando. Isso não significa que a vitória esteja próxima. Esse
tipo de guerra é complicado, difícil e exige tempo, muito tempo. Mas, como eu
disse, e repito, estamos avançando. Mas ainda não vencemos o terrorismo.
Bashar al-Assad durante a entrevista da AFP em 21/1/2014 |
AFP: De volta a Genebra-2, o senhor apoia uma
decisão da conferência no sentido de todos os combatentes estrangeiros deixarem
a Síria, incluindo o Hezbollah?
Presidente Assad: É evidente
que o trabalho de defender a Síria é responsabilidade do povo sírio, das
instituições da Síria e em particular do exército sírio. Assim, não há razão
para que combatentes não sírios envolverem-se aqui; e, aqui, antes, nunca houve
estrangeiros atacando civis. O Hezbollah não se inclui nessa lista, não ataca
civis e está exclusivamente na fronteira sírio-libanesa. Quando se fala de
combatentes estrangeiros que tenham de sair da Síria, a decisão teria de vir
como parte de um pacote maior, que incluiria que todos os grupos armados –
inclusive sírios – entregassem suas armas ao estado sírio. Assim,
consequentemente, se poderia pensar em estabilidade. Mas, sem isso, eu não
diria que nosso objetivo é que todos os combatentes não sírios deixem a Síria.
O enfoque não é esse.
AFP: Além da troca de prisioneiros e um
cessar-fogo em Aleppo, que iniciativas o senhor disposto a apresentar em
Genebra-2?
Presidente Assad: A iniciativa
síria já foi apresentada há exatamente um ano, em janeiro do ano passado. É uma
iniciativa completa, que abrange tanto os aspectos políticos e de segurança
como outras dimensões que levariam a estabilidade. Todos esses detalhes fazem
parte da iniciativa que a Síria já apresentou há um ano. Mas qualquer
iniciativa, seja essa ou qualquer outra, tem de ser o resultado de um diálogo
entre os sírios. A essência de tudo o que seja proposto, seja a própria crise,
o combate ao terrorismo ou alguma futura visão política e um sistema político
para a Síria, é que tem de ser aprovado pelos sírios. Nossa iniciativa foi
baseada em um processo para facilitar esse diálogo. Não foi processo que
visasse a manifestar o ponto de vista do governo. Sempre foi nossa opinião que
qualquer iniciativa tem de ser coletiva e produzida por todos os atores
políticos na Síria e pelo povo sírio em geral.
AFP: A oposição que vai participar em
Genebra-2 está dividida em muitas facções em confronto em campo e muitos dizem
que não representam ninguém. Se não se chegar a um acordo, o que acontecerá em
campo?
Presidente Assad: Esta é a
mesma pergunta que nós também estamos fazendo, como governo: quando eu
negociar, com quem estarei negociando? Não se espera que haja muitos lados em Genebra-2.
Ainda nem se sabe quem irá, mas haverá vários partidos, inclusive o governo
sírio. É claro para todos que alguns dos grupos que talvez estejam presentes à
conferência sequer existiam há pouco tempo. Na verdade, são grupos que foram
criados durante a crise, por agências de inteligência estrangeiras, no Qatar,
na Arábia Saudita, na França, nos EUA ou em outros países. Então, quando nos
sentamos com esses grupos, na verdade estamos negociando com esses países.
Então... Que lógica há em a França ser parte a ser ouvida para solucionar o
conflito sírio? Ou o Qatar, ou os EUA, ou a Arábia Saudita ou a Turquia? Não
faz sentido.
O que se vê
é que, quando negociamos com esses partidos, estamos na verdade a negociar com
os países que estão por trás deles, os mesmos que apóiam o terrorismo na Síria.
Há outras forças de oposição na Síria que têm uma agenda nacional – e que são
as partes com as quais faz sentido negociarmos.
Sobre a
questão de uma visão para o futuro da Síria, estamos abertos para estes partidos
sírios interessados em participar no governo do estado sírio, no governo e em
outras instituições. Mas, como já disse antes: tudo o que for acordado com
qualquer partido, seja em Genebra ou na Síria, tem de ser aprovado pelos
próprios sírios, mediante um referendo.
AFP: Neste contexto, os acordos de
cessar-fogo iniciados em Moadimiya e Barzeh podem ser alternativa a Genebra-2?
Presidente Assad: A verdade
é que essas iniciativas podem ser até mais importantes que Genebra, porque a
maioria dos terroristas que agem em solo não têm nenhuma agenda política.
Alguns deles tornaram-se ladrões armados profissionais, e outros, como você
sabe, são organizações takfiri que lutam por um emirado
islâmico extremista e coisas desse tipo. Genebra não significa coisa alguma,
para esses grupos. Por esta razão, a ação direta e os modelos que foram
alcançados em Moadamiyeh, em Barzeh e em outros lugares na Síria têm-se provado
muito eficazes. Mas isso é parte do processo político, que tem a ver com o
futuro político da Síria. Estas reconciliações ajudaram a estabilidade, o que
ajuda a pavimentar o caminho para o diálogo político que mencionei
anteriormente.
AFP: O senhor está preparado para ter um
primeiro-ministro da oposição em um governo futuro?
Presidente Assad: Isso
depende do que essa oposição represente. Quando se representa a maioria,
digamos, no Parlamento, naturalmente essa maioria deve levar ao governo. Mas
nomear um primeiro-ministro da oposição sem que a oposição tenha qualquer
maioria, não faz qualquer sentido político, em nenhum país do mundo. No seu
país, por exemplo, ou na Grã- Bretanha ou em outro lugar, você jamais terá
primeiro-ministro de minoria parlamentar. Isso tudo vai depender das próximas
eleições, de que falamos na iniciativa síria. Elas é que podem mostrar o
tamanho real do apoio que têm as várias forças da oposição. Quanto à
participação da oposição, como princípio, sim, é claro que apoiamos, é claro
que é uma coisa boa.
AFP: O senhor está preparado para ter, por
exemplo, Ahmed Jarba ou Moaz Khatib, como seu primeiro-ministro?
Presidente Assad: Estamos
voltando à pergunta anterior. Quem garante que alguma dessas pessoas representa
o povo sírio ou maioria significativa do povo sírio ou, mesmo, uma pequena
parte do povo sírio? E se representarem só eles mesmos ou os estados que os
criaram e sustentam? Já respondi essa pergunta. Cada um desses grupos só
representa o país que os criou. A participação de cada um desses indivíduos
significaria participação desses vários estados no governo sírio. Não faz
sentido. Este é o primeiro ponto.
Em segundo
lugar, suponhamos que aceitemos a participação deles no governo da Síria. O
senhor acredita que teriam coragem de vir viver na Síria, para trabalhar no
governo? É claro que não. Ano passado, diziam que controlavam 70% da Síria. Mas
jamais tiveram coragem, sequer, de pôr os pés nas áreas que diziam controlar.
Vieram até a fronteira, posaram para uma foto e, em seguida, já fugiram dali.
Como poderiam ser ministros no governo? Por que um estrangeiro teria de ser
ministro sírio? Essas ideias são irrealistas. No máximo, são uma boa piada.
Morteiro não explodido na região de Daraya, sudeste de Damasco em 17/1/2014 |
AFP: Sr. Presidente, o senhor disse que isso
depende dos resultados das eleições. Mas como organizar eleições, se parte do
território da Síria está nas mãos de insurgentes?
Presidente Assad: Durante
esta crise, depois de essa agitação começar na Síria, já tivemos duas eleições:
primeiro, as eleições municipais; depois, eleições parlamentares. Claro, nem
tudo se pode fazer como se houvesse circunstâncias normais, mas as estradas
entre as regiões da Síria estão abertas, e as pessoas podem deslocar-se
livremente entre diferentes regiões. Aqueles que vivem em áreas de difícil
acesso podem deslocar-se para áreas vizinhas para votar. Haverá dificuldades,
mas não é um processo impossível.
AFP: O senhor vê alguma diferença entre os
combatentes da oposição política e os jihadistas, agora que estão
lutando juntos?
Presidente Assad: Se o
senhor me perguntasse no início da crise, ou nas fases anteriores, minha
resposta seria uma. Hoje, minha resposta é diferente: já não há dois grupos,
contra o estado sírio.
Nós todos
sabemos que durante os últimos meses, os grupos terroristas extremistas que
lutam na Síria já dizimaram as últimas posições restantes das forças que o
ocidente ainda pinta como se fossem moderadas, do Exército Sírio Livre. Não
existe mais Exército Sírio Livre. Agora só há extremistas, divididos em várias
facções. Os combatentes que o ocidente chama de ‘moderados’, esses, na maioria,
já se fundiram àquelas forças extremistas, seja por medo ou voluntariamente,
estimulados por incentivos financeiros. Em resumo, independentemente dos
rótulos que se leiam na mídia ocidental, nós agora estamos em luta contra um
grupo terrorista extremista composto de várias facções.
AFP: Seria possível, para o exército e a
oposição, lutarem lado a lado com jihadistas [contra outros jihadistas]?
Presidente Assad: Nós
cooperamos com qualquer partido que se queira juntar ao exército na luta contra
os terroristas. E já aconteceu antes. Há muitos militantes que deixaram essas
organizações e se juntaram ao exército. É possível. Mas são casos individuais.
Não implica que se faça uma aliança entre jihadistas ‘moderados’ e o exército,
contra terroristas. Essa representação é falsa. É uma fantasia que o ocidente
tem usado, para tentar justificar o apoio que tem dado aos terroristas na
Síria. O ocidente apoia o terrorismo sob o pretexto de que estaria apoiando
algum terrorismo ‘moderado’ contra outro terrorismo extremista. É ilógico. Não
faz sentido algum. É falso.
AFP: O estado acusa os rebeldes de usar civis
como escudos humanos em áreas sob seu controle. Mas quando o exército ataca
bolsões de jihadistas, pode também matar inocentes, não?
Presidente Assad: O exército
não ataca bairros onde haja moradores. Só atacamos bairros onde só há
terroristas. O que acontece é que os terroristas entram em áreas residenciais e
forçam a saída dos moradores. Por que você acha que há tantos refugiados? A
maioria dos milhões de sírios refugiados fora da Síria ou longe de suas áreas
residenciais deixaram as casas porque os bairros foram invadidos por
terroristas. Se há civis entre esses grupos armados, por que atacariam seus
próprios bairros? O exército está lutando contra terroristas armados, e em
alguns casos, os terroristas usaram civis como escudos humanos. As mortes de
civis são, infelizmente, efeito de qualquer guerra. Não existe guerra limpa,
sem mortes entre civis. Essa é a natureza infeliz de guerra. Por isso temos de
pôr fim à guerra.
AFP: Sr. Presidente, algumas organizações
internacionais têm acusado o governo e a oposição de cometer abusos. Após o fim
da guerra, o senhor aceitaria que se investiguem esses abusos?
Presidente Assad: O que
muitas dessas organizações dizem não tem lógica alguma. Não estaríamos até hoje
no governo da Síria, se estivéssemos matando nosso próprio povo, e depois de
três anos de guerra, e em luta contra dezenas de países interessados em
derrubar o governo da Síria. Se o estado sírio estivesse matando seu povo, os
sírios já o teriam derrubado há muito tempo. Continuamos onde estamos, porque
temos, sim, o apoio do povo sírio. O que essas organizações dizem mostra a
ignorância delas sobre a real situação na Síria, ou é prova de que obedecem a
agendas políticas dos estados que mantêm essas organizações. Não pode haver
dúvida – e há centenas de provas – de que os terroristas cometem massacres e
matam civis. Até hoje, por mais que tenham procurado, essas organizações que o
senhor cita não encontraram sequer uma prova de que o governo sírio tenha
cometido massacre contra civis, seja onde for.
AFP: Sr. Presidente, sabemos de jornalistas
estrangeiros que foram sequestrados por grupos terroristas. Há jornalistas
estrangeiros nas prisões do Estado?
Presidente Assad: Melhor o
senhor perguntar às agências especializadas relevantes, sobre este assunto. Com
certeza lhe responderão.
AFP: Será que é possível, algum dia, uma
reconciliação entre a Síria por um lado, e Arábia Saudita, Qatar e Turquia, por
outro?
Uma das ruas de Deir Ezzor , norte da Síria em 4/1/2014 Foto/Ahmad Aboud |
Presidente Assad: A política
muda constantemente, mas essa mudança depende de dois fatores: princípios e
interesses. Nós não compartilhamos princípios com os estados que você menciona;
esses estados apoiam o terrorismo e têm contribuído para o derramamento de
sangue na Síria. Quanto aos interesses, precisamos nos perguntar: será que o
povo sírio concordará com ter interesses comuns com esses países, depois de
tudo o que aconteceu e de tanto sangue sírio derramado? Não quero responder em
nome do povo sírio. Se as pessoas acreditam que compartilham interesses com
estes estados, e se esses estados abandonarem a política de apoiar o
terrorismo, é plausível que o povo sírio venha a concordar com restaurar as
relações. Eu não posso individualmente, nem como Presidente, responder em nome
de todo o povo da Síria, hoje. É decisão que o povo tomará.
AFP: Sr. Presidente, o senhor foi
convidado para cerimônias do 14 de Julho (Dia da Bastilha, na França), no
Palácio do Eliseu, em Paris. A posição
da França hoje surpreende o senhor? O senhor acha que França pode ter algum
tipo de papel na Síria, algum dia?
Presidente Assad: Não, não
me surpreende, porque aquele convite aconteceu durante um período, 2008-2011,
quando tentavam seduzir a Síria e a política síria. A França foi acusada por
isso, pelos Estados Unidos, quando Sarkozy se tornou presidente. Houve um
acordo entre a França e a administração Bush sobre isso, já que a França é tida
como velha amiga dos árabes e da Síria e, como tal, pareceu mais adequada para
desempenhar o papel. Naquele tempo, tentavam usar a Síria contra o Irã e o
Hezbollah, e puxar a Síria para longe de qualquer apoio que pudesse dar a
organizações da Resistência na região. Esta política francesa falhou, porque o
seu objetivo “oculto” estava por demais evidente. Em seguida, a chamada
Primavera Árabe começou, e a França voltou-se contra a Síria, depois de não ter
conseguido fazer o que os EUA a mandaram fazer. Esta é a razão daquela posição
francesa naquele momento. E entende-se também por que mudou em 2011.
Quanto a
algum papel da França no futuro, falemos francamente. Desde 2001 e os ataques
terroristas em Nova York, já nem se pode falar de nenhum europeu, em matéria de
decisão política (e isso, sem olhar para a década dos 1990). Em todo o
ocidente, só há uma política, e é a política dos EUA, sempre implementada por
alguns países europeus. E tem sido exatamente assim em todas as questões da
nossa região, na última década. Hoje, vemos a mesma coisa: ou a política
europeia é formulada com as bênçãos dos EUA, ou a política americana é adotada
pelos europeus como se fossem políticas suas.
Assim
sendo, não acredito que a Europa, e especialmente a França, que costumava
liderar a política europeia no passado, consiga chegar a ter qualquer papel
importante no futuro da Síria, ou nos países vizinhos.
Há outra
razão também: as autoridades políticas ocidentais perderam completamente a credibilidade.
Já nem se pode falar de “dois pesos e duas medidas”, porque os padrões agora
são triplos e quádruplos. Eles têm todos e quaisquer padrões, para cada
situação política. Eles perderam a credibilidade, porque já venderam todos os
seus princípios em troca de interesses. Daí que, hoje, já é impossível cogitar
de construir alguma política consistente com os europeus. Dizem uma coisa hoje
e, amanhã, estarão fazendo exatamente o oposto do que disseram e fizeram hoje.
Por isso, não me parece que a França terá qualquer papel no futuro imediato, a
menos que mude completamente suas políticas, a política do núcleo do governo e
volte a ser o estado politicamente independente que já foi.
AFP: Quanto tempo o senhor estima que seja
necessário para a Síria livrar-se completamente de seus arsenais de armas
químicas?
Presidente Assad: Depende do
que a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) fará, do
equipamento que nos dê, para fazer o processo. Até agora, o processo de
fabricação deste material tem sido bastante lento. Por outro lado, como você
sabe, o desmonte e a neutralização dos materiais químicos não estão sendo
feitos na Síria, nem pelo Estado sírio. Vários países em diferentes partes do
mundo aceitaram realizar esse processo; alguns concordaram com lidar com os
materiais menos perigosos; outros se recusaram. O prazo, portanto, depende
desses dois fatores – da OPAQ e dos países que aceitam neutralizar os materiais
em seus territórios. Não cabe à Síria definir prazos. A Síria fez sua parte, na
preparação e coleta de dados, e demos pleno acesso aos inspetores que
verificaram esses dados e inspecionaram os agentes químicos. O resto, como eu
disse, é com os demais envolvidos.
AFP: Sr. Presidente, o que mudou na sua vida
pessoal, diária, na vida de sua família? Os seus filhos entendem o que está
acontecendo? O senhor conversa com eles sobre isso?
Presidente Assad: Algumas
coisas não mudaram. Saio todos os dias para trabalhar, como de costume, e
moramos na mesma casa, como antes; e as crianças vão à escola, isso não mudou.
Por outro lado, há coisas que afetaram todos os lares sírios, inclusive o meu:
a tristeza vive conosco, todos os dias – porque todos sabemos das vítimas
feridas e mortas, da dor das famílias. E eu, pessoalmente, sei também da infraestrutura
destruída, das dificuldades da economia. Todas as famílias sírias foram
afetadas, inclusive a minha. Não há dúvida de que as crianças são afetadas mais
profundamente que os adultos, nestas circunstâncias. Esta geração provavelmente
vai crescer mais depressa e amadurecer muito mais rápido, como efeito da crise.
Há perguntas que as crianças fazem, por causa do que está acontecendo, que
normalmente os pais não ouvem com tanta frequência. Por que há pessoas tão más?
Por que há vítimas? Não é fácil de explicar essas coisas para as crianças, mas
são perguntas cotidianas persistentes e um tema de discussão em todas as casas,
inclusive na minha.
AFP: Ao longo desses anos, qual a situação
mais difícil que o senhor enfrentou?
Presidente Assad: Não é necessariamente
uma situação, em particular, mas um conjunto de coisas. Sempre houve coisas
difíceis de enfrentar, e continuam difíceis. A primeira, creio eu, é o
terrorismo, o grau de selvageria e desumanidade que os terroristas atingiram
nos lembra do que acontecia na Idade Média na Europa, há mais de 500 anos. Em
tempos mais recentes, modernos, nos lembra os massacres perpetrados pelos
otomanos contra os armênios, quando foram mortos 1,5 milhão de armênios e meio
milhão siríacos ortodoxos na Síria e em território turco.
Outra coisa
sempre difícil de entender é a superficialidade dos funcionários ocidentais, na
incapacidade de entender o que aconteceu na região e, depois, na incapacidade
para propor uma visão, sequer para o presente, muito menos para o futuro.
Sempre demoram demais a perceber as coisas, os processos, às vezes só
compreendem uma situação passada, quando já passou e já há outra, nova
realidade, completamente diferente.
Outra coisa
difícil de entender é a extensão da influência dos petrodólares, na mudança de
papéis, na arena internacional. Por exemplo: como explicar que o Qatar tenha-se
transformado, de estado marginal, em estado poderosíssimo, ao mesmo tempo em
que a França converteu-se em estado comandado de fora, por procuração, para implementar
políticas que interessam ao Qatar? É também o que se vê acontecer agora, entre
França e Arábia Saudita. Como é possível que petrodólares levem a França,
dentre outras potências ocidentais, mas sobretudo a França, a vender seus
princípios, os princípios da Revolução Francesa, em troca de alguns bilhões de
dólares? Aí está. São algumas das coisas, dentre outras, sempre difíceis, para mim,
de compreender e aceitar.
Bashar al-Assad durante a entrevista de 21/1/2014 |
AFP: O julgamento dos acusados pelo
assassinato do ex-Primeiro-Ministro libanês, Rafic Hariri, começou. O senhor
acha que será julgamento justo?
Presidente Assad: Nove anos
se passaram, desde o início do processo. Atendeu-se à justiça? A acusação foi,
do começo ao fim, feita por razões políticas. Até recentemente, não se viu
nenhuma prova tangível apresentada contra as partes envolvidas no caso. A
verdadeira pergunta deveria ser: por que demorou tanto? Por que agora? Este
tribunal foi criado há nove anos. Houve recentemente alguma descoberta
importante? Por que, de repente, começa o julgamento? Minha opinião é que tudo,
aí, está muito fortemente politizado, e o julgamento visa a pressionar o
Hezbollah no Líbano, assim como, no início, tudo foi feito para pressionar a
Síria e envolvê-la no assassinato de al-Hariri.
AFP: O senhor disse que a guerra vai acabar
quando o terrorismo for erradicado. Mas os sírios e todo mundo querem saber
quando esta guerra acabará? Alguns meses? Um ano? Nos próximos anos?
Presidente Assad: Esperamos
que a conferência de Genebra seja capaz de dar uma resposta a parte dessa sua
pergunta, pressionando aqueles países, na direção da paz. Nada disso tem a ver
com a Síria, porque, se tivesse, aqueles mesmos estados teriam sido
pressionados desde o início, o que poderia ter impedido que o terrorismo
entrasse na Síria. Do nosso lado, se Genebra-2 conseguir impedir que o
terrorismo continue a ser financiado, alimentado e armado, o fim da guerra pode
não tardar mais que alguns meses.
AFP: Há notícias de que agências ocidentais
de inteligência ocidentais querem reabrir canais de comunicação com Damasco,
para pedir ao seu governo ajuda na luta contra o terrorismo. O senhor está
disposto a colaborar?
Presidente Assad: Houve
reuniões entre agências sírias e várias agências de inteligência de vários
países. Nossa resposta tem sido que a cooperação de segurança não pode ser
separada da cooperação política, e não pode haver cooperação política enquanto
aqueles mesmos estados continuarem a manter políticas anti-sírias. Em poucas
palavras, e bem clara, nossa resposta foi e é essa.
AFP: O senhor disse, antes, que o estado
sírio cometeu erros. Na sua opinião, que erros poderiam ter sido evitados?
Presidente Assad: O que eu
disse foi que erros sempre acontecem, em qualquer situação. Não falei de erros
específicos, nem poderia ter falado, porque só se pode fazer avaliações e
detectar erros depois de a crise estar superada, quando afinal é possível
avaliar toda a experiência. Avaliar erros enquanto estamos em plena crise teria
significado limitado.
AFP: Sr. Presidente, sem Rússia, China e a
ajuda do Irã, o senhor teria conseguido resistir às guerras declaradas contra
seu governo?
Presidente Assad: Isso não é
pergunta sobre fato: é pergunta sobre uma hipótese. Não posso responder, porque
não se sabe como seria o mundo, sem essa ajuda, como o senhor disse. A
realidade tem mostrado que o apoio russo, chinês e iraniano tem sido importante
e tem contribuído para que a Síria mantenha-se firme. Sem esse apoio, é
provável que as coisas tivessem sido muito mais difíceis. Como? Não sei. É difícil
traçar um quadro hipotético, no atual momento.
AFP: Depois de tudo o que aconteceu, o senhor
imagina que outro presidente encarregue-se da reconstrução da Síria?
Presidente Assad: Se for o
desejo do povo sírio, não tenho problema algum com isso. Não tenho nenhum apego
ao poder. Se o povo sírio decidir que não serei eu, será outro. Não tenho
nenhum problema pessoal com esta questão.
AFP: Muito
obrigado, Sr. Presidente.
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