11/1/2014, The Saker - The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
JohnM acaba
de postar comentário
interessante sobre eventos em curso na Síria, o qual, me
parece, merece ser reproduzido na íntegra. Aí vai:
Estou
pensando é que, como parte de um acordo Assad/Rússia com os “rebeldes não
islamistas” (rótulo arbitrário e em vasta medida errado), há a atual batalha,
em geral (a linha divisória, aí, é MUITO fluida e indefinida), dos combatentes
estrangeiros versus os combatentes locais. Esse acordo (se
existe) é muito nebuloso, envolve muitos “ses” e o resultado almejado é um
grande Goat Rodeo [1]. O tipo de caso que vivem nessa área (tanto geográfica como no
nível de política externa).
Como parte
de estarem voltando do frio, os combatentes com bases locais recebem instruções
para limpar a casa (livrar-se dos extremistas doidos) e, então, será possível
algum acordo. Anistias, mudanças na Constituição (mas não faço nem ideia do que
diga alguma Constituição por lá, nem se há lá alguma Constituição), talvez
algum tipo de estrutura política semelhante à do Líbano, de partilha do poder
(provavelmente limitada e local, considerando que os curdos seriam parte
disso), e a serem completadas com eleições para todas e as mais variadas
posições, estarão sobre a mesa. Isso tudo seria supervisionado, digamos, por
Rússia, China e o Ocidente, sob a forma de, digamos, Alemanha, e/ou, mesmo, os
EUA.
Obama
consegue arremate decente para sua presidência (já em frangalhos; ele precisa
de alguma coisa). Rússia consegue prestígio e algum retrocesso dos extremistas
no seu flanco sul. China consegue negócios. Europa consegue negócios e
oleogasodutos. Assad consegue alguma paz e alguma reabilitação, se quiser ou
precisar disso, no campo das Relações Públicas, dependendo de como ele jogue o
jogo. Os Sauditas conseguem ferro no traseiro.
Para
observar, nos próximos dois, três meses: Turquia, Jordânia, Iraque e Arábia
Saudita. A Turquia terá de entrar visivelmente na linha, nessa questão, porque antevejo
algum tipo de federação síria com vasta autonomia para os curdos (problema
muito espinhoso). A Turquia também tem de lidar com os combatentes estrangeiros
em seu território, agora que estão voltando da Síria, e com a importância que
lhes foi dada quando os turcos mudaram sua política externa há dois, três anos.
A Jordânia manteve-se em papel relativamente discreto, mas enfrenta problema
semelhante. O Iraque terá de lidar com os extremistas (chame-os como quiser,
são eles!) que também estão voltando para casa e fazendo já o diabo. Alguns
desses já começam a manifestar-se (já visíveis, pelo menos, nos veículos da
imprensa-empresa ocidental) em Fallujah, com as tribos visivelmente divididas
em torno da Al-Qaeda no Iraque (AQI). Os
sauditas (e Israel) vão berrar, blasfemar e ameaçar. Resta verificar até que
ponto conseguirão impedir que aconteça.
Quanto a
mim... minhas inclinações naturalmente pessimistas sempre me fazem duvidar de
hipótese pela qual um dos lados da discussão, que antes era absolutamente
irracional, converte-se repentinamente à racionalidade e põe-se a agir
racionalmente. No caso presente, esse lado previamente irracional seriam dois:
o Exército Sírio Livre e os EUA.
Participantes da reunião do G8 (grandes potências) em Lough Erne |
Mas meu
ceticismo é contrabalançado pelo fato de o acordo do G8 firmado em Lough Erne
dizer coisa bem semelhante, exposto
bem claramente. Citei parte
do texto daquele acordo nesse blog, em junho de 2013 (palavras-chave em vermelho e meus comentários em verde):
Muito nos
preocupa a crescente ameaça de terrorismo e extremismo na Síria, e também a
natureza crescentemente sectária do conflito. A Síria deve pertencer a todos os
sírios, incluindo suas minorias e todos os grupos religiosos.
Conclamamos as
autoridades sírias e da oposição na Conferência de Genebra para que, conjuntamente,
se comprometam a destruir e expulsar da Síria todas as organizações e
indivíduos afiliados à Al-Qaeda e quaisquer outros atores não estatais ligados
ao terrorismo.
(Frase espantosa! A insurgência e o governo da
Síria são conclamados para CONJUNTAMENTE *destruir* as mesmas forças que os EUA
querem armar?! Que o governo gostaria MUITO de destruir ou expulsar a al-Nusra
é bem claro. Mas o Exército Sírio Livre? Estará o G8 realmente “convocando”
para uma guerra civil dentro da insurgência?!).
Em junho,
ninguém deu atenção àquelas palavras, mas o fato é que esse texto foi assinado
pelo G8 e parecia sugerir exatamente o que se está vendo acontecer hoje.
Claro, o
que está tendo lugar hoje pode absolutamente não ser resultado do acordo do G8,
mas simplesmente resultado inevitável de um conflito cujas dinâmicas são em
grande medida pré-ordenadas.
Se se
assume que nem todas as forças anti-Assad são compostas de répteis takfiri;
e se se assume que Assad está disposto a trabalhar com qualquer um, desde que
não seja louco-furioso (e entendo que essas duas condições são razoáveis),
nesse caso a coisa lógica é que todas as forças não takfiri unam
esforços contra os doidos.
O que é
indiscutível é que a infecção takfiri chegou agora a Fallujah no Iraque,
o que, por sua vez, está acionando algum tipo de reação de EUA-Iraque-Irã, dado
que ninguém pode correr o risco de perder alguma cidade estratégica para uma
horda de wahhabistas ensandecidos. Objetivamente, EUA, Irã e Síria deveriam
estar trabalhando juntos contra os malucos takfiri em toda a região.
O grande
“SE” é se haverá alguém com os miolos e os colhões necessários na Casa Branca
para compreender isso e trabalhar para isso.
Seja como
for, a noção é tentadora, para dizer o mínimo. Penso em quantas vezes os russos
dizem “cada wahhabista que Assad mate é um a menos, que não teremos de matar
no Cáucaso”. E penso se alguém em Washington DC é capaz de aceitar a noção
de que “cada wahhabista que Assad mate é um a menos, que não teremos de
matar no Iraque/Afeganistão/Somália/Iêmen etc.”.
Entendo que
JohnM está totalmente certo, quando diz que o impacto dessa mudança na dinâmica
(assumindo que continue) sobre os países vizinhos será crucial.
Francamente,
acho que os turcos agiram de modo descomunalmente estúpido; agora, têm de
engolir que haverá um preço a pagar por sua arrogância. As opções que restam à
Turquia são ruins: ou negociar com os curdos, ou negociar com os takfiri
estripadores comedores de fígados humanos.
Entendo que
a melhor escolha é óbvia: negociar com os curdos. Primeiro, os curdos são
*racionais* e há ali, inclusive, um inimigo comum (os wahhabistas malucos). Segundo,
é mais que hora de os turcos, afinal, começarem a buscar um acordo de longo
prazo com os curdos, ou correm o risco de perder tudo. Se os turcos realmente crêem
que possam “controlar” os curdos exclusivamente pela força, estão-se
autoenganando; e é, do ponto de vista de uma negociação, muito melhor se
negociarem com os curdos agora, quando também os curdos estão em situação
difícil, que adiante, quando pode acontecer de os curdos alcançarem posição
mais forte tanto no Iraque como na Síria (e esses dois governos já indicaram
que estão dispostos a construir um acordo com os curdos).
Seja como for,
quero registrar aqui, para discussão, essa hipótese:
– é
possível que o que estamos vendo na Síria seja uma mudança estratégica nas
alianças, e que a próxima fase da guerra será contra o Reino da Arábia Saudita;
com monarquias do Golfo e vários franqueados da al-Qaeda em luta contra EUA,
Síria, Irã, Hezbollah e os curdos?
Se não for
isso... o que lhes parece que esteja acontecendo?
Saudações!
[assina]
The Saker
_______________________________
Nota dos tradutores
[1] Lit. “rodeio de bodes”. Do Urban Dictionnary:
“Goat Rodeo”. Situação caótica, quase sempre envolvendo várias pessoas, cada uma com
agenda /visão /compreensão diferente sobre o que esteja acontecendo; situação
muito difícil, que resiste a qualquer tentativa de injetar ordem ou bom senso,
por mais empenhados que sejam os esforços.
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