18/1/2014, China Matters
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Navio porta-contêiner MAERSK Alabama atacado por piratas somalis em Capitain Phillips |
Hoje em dia
parece obrigatório: pelo menos um filme construído para celebrar os feitos
mortíferos das Forças Especiais dos EUA tem de ser indicado para ganhar um
Óscar.
Ano
passado, foi A Hora mais Escura.
Esse ano,
há duas indicações na categoria “Soldado norte-americano mete bala na testa de
rapaz de pele escura”.
Captain Phillips (trailer a seguir), sobre os piratas da Somália, já tem indicação para concorrer
ao prêmio de Melhor Filme.
E o COEC-EUA também está representado por Dirty Wars, baseado no livro de mesmo título, de Jeremy Scahill, candidato a Melhor Documentário.
Fato é que
nem um nem outro desses dois filmes tem qualquer chance.
Captain
Phillips já está sendo demolido pelos “comentaristas de Óscar” de
sempre, com esforços no campo da “história real”, que inclui até grande
campanha de propaganda de alto nível das
reclamações da tripulação do MAERSK Alabama, segundo as quais o capitão estava
mais para Capitão Queeg, de A nave da
revolta, que para Jack Aubrey, de Mestre
dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo. Nem Paul Greengrass (diretor), nem Tom
Hanks (personagem-título) foram indicados a qualquer prêmio e Captain
Phillips provavelmente ficará na poeira, atrás de meia dúzia de outros
indicados, quando se contarem os votos para o melhor filme.
Quando a DirtyWars [Guerras Sujas] (trailer a seguir), fizeram-se várias escolhas duvidosas, para conseguir
meter as mais de 600 páginas do livro de Scahill no formato de filme-thriller-reportagem
de 82 minutos, usando, ironicamente, os mesmos recursos de alta
definição/câmera-na-mão/teclados frenéticos que Greengrass usou com tanta
eficácia nos filmes de Jason Bourne (e empurrando Scahill um pouco demais para
o centro da narrativa).
Aos 24
minutos do filme, Scahill, depois de fazer compras no Brooklyn e lamentar o
tédio da “vida comum”, discute um massacre em Gardez, Afeganistão, cometido por
algum uniforme dos EUA e declara que, em dez anos de trabalho como
correspondente de guerra, “nunca ouvi falar de “JSÓC/COEC-EUA”.
A frase
provocou-me uma risadinha involuntária, nada, com certeza, semelhante à reação
que os autores do filme esperavam obter, quando se dispuseram a documentar uma
operação norte-americana que envolveu:
(a) matar as pessoas erradas;
(b) numa festa de batizado de criança;
operação na qual morreram (b1) duas
mulheres grávidas e
(c) um comandante da polícia afegã; o qual
(d) fora treinado em vários programas de
treinamento com as forças dos EUA e que
(e) sangrou durante várias horas, até
morrer, depois de ser ferido à bala, porque
(f) o helicóptero de socorro não apareceu,
enquanto
(g) os soldados dos EUA montavam um cenário
para o relatório da operação, a qual
(h) um familiar de uma das vítimas estava
gravando com o próprio celular; e
(i) gravação que mostra os soldados dos EUA
que escavavam com facas os cadáveres das mulheres para recolher as balas, para
que as mortes pudessem ser informadas aos correspondentes estrangeiros como
“brutal crime de honra cometido pelos Talibã”.
O massacre
de Gardez aconteceu em fevereiro de 2010. Em 2008, o Comando das Forças
Especiais Conjuntas dos EUA já estava em todas as manchetes, por suas ações no
Iraque, graças ao livro Plano de ataque de Bob Woodward e ao presidente
Bush, que dizia que o “Comando das Forças Especiais Conjuntas dos EUA é
fantástico!” Todo
mundo ouviu.
Esses são
contexto e situação que, tenho certeza, Jeremy Scahill, autor de Dirty Wars,
o livro, conhecia bem; e ele, sim, apresenta a experiência do Iraque e também a
frase de Bush, em seu livro.
Felizmente Dirty
Wars, o filme, retoma o pé, quando discute o abraço apaixonado entre o
presidente Obama e as forças de operações especiais, caso de amor que vai muito
além de qualquer coisa que George W. Bush tenha algum dia sonhado, simbolizado
tanto pela campanha de assassinatos universais realizada pelas forças de
operações especiais sob o comando de Obama como pela fúria com que o presidente
virou as armas delas contra um cidadão norte-americano, Anwar al-Awlaki, no
Iêmen.
Dirty Wars, o livro |
Pop. Pop. Pop.
Três tiros, quase no mesmo exato momento, por
três diferentes atiradores. Três piratas somalianos mortos. (...) Os três
piratas somalianos mortos, o capitão resgatado e Obama, parece-me, muito
tangivelmente, descobre que tinha esse poder, como presidente” – relembrou
[jornalista Marc] Ambinder (...) Depois da vitória sobre os piratas (...) os
soldados do Comando de Operações Especiais Conjuntas dos EUA, COEC-EUA,
passaram a ser os ninjas preferidos de Obama. Depois da operação Alabama, “O
presidente convidou pessoalmente os comandantes das Forças Especiais à Casa
Branca, e pediu que passassem a exercer papel integral de polícia...”
Não
surpreende que a Casa Branca de Obama esteja tão empenhada em melhorar a
reputação de sua bem-amada máquina de matar global: primeiro, com A Hora
mais Escura (filme que, graças à ajuda
que recebeu do governo, foi
convertido em cause celèbre) e, agora, com Captain Phillips (Paul
Greengrass queria “um
navio da Marinha de verdade” e... conseguiu!). Scahill, é claro,
por seu lado, teve de enfrentar o efeito oposto, de apedrejamento non-stop.
OK. Lembro
que ÓSCAR nunca se escreve sem JSÓC. E a Academia, talvez, sinta-se tão
desconfortável com a ideia da execução extrajudicial quanto pode sentir-se, como
nesses dois filmes. Se você for obrigado a assistir a um dos dois,
assista Dirty Wars. E, se puder, leia o livro.
Nota dos tradutores
[1] Orig. Joint Special Operations Command, JSOC (Comando
de Operações Especiais Conjuntas dos EUA, COEC-EUA).
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