10/1/2014, [*] Conflicts
Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Mapa político do Oriente Médio e Nordeste da África |
Prossegue,
rápida, a mudança na região:
Turquia: Embora
ninguém deva subestimar o pugilismo cru, brutal, violento do primeiro-ministro
Erdogan para manter-se no poder, o [partido] AKP sem dúvida entrou em
crise grave. Subjacente ao escândalo em curso – relacionado, na superfície, a
acusações de corrupção no Gabinete, “acobertamento” pelo governo e
interferência política no trabalho dos procuradores, e investigações policiais
das acusações de corrupção – há uma fissura amarga, que se abriu entre o
Primeiro-Ministro Erdogan e Fethullah Gulen.
(A rede
social e educacional, de orientação sufi, de Gulen, tem ampla base social, mas
está também profundamente instalada dentro do sistema turco. Em vários
sentidos, assemelha-se a uma rede maçônica, de indivíduos que trabalham por uma
causa comum em vários setores da sociedade. A habilidade de Gulen para
mobilizar em nível de massa foi – e é – crucial para a capacidade do AKP
para manter-se no poder).
A
tempestade que se está formando nas relações entre correntes islamistas
representadas por Gulen e as alas Ikhwani [Fraternidade Muçulmana] e
Conservadora da coalizão governante misturou-se com histórias anteriores
(divulgadas pelos EUA e por Israel contra Hakan Fidan, chefe da inteligência), com
denúncias de que ele teria “entregue” aos iranianos uma rede de espiões israelenses.
Fidan é confidente de Erdogan – e Erdogan, suspeitando de que aquelas histórias
tivessem sido plantadas por Gulen para enfraquecê-lo [Erdogan], lançou
imediatamente um expurgo de funcionários suspeitos de serem gulenistas.
Agora
[período do Natal], os turcos foram surpreendidos pela repentina renúncia de
três ministros, cujos filhos eram suspeitos de corrupção (ligada à concessão de
grandes projetos de construção). O que mais chocou o povo turco foi que o Ministro
do Meio Ambiente e Planejamento Urbano renunciou em discurso vazado em termos
muito duros e transmitido pela televisão NTV, em vez de usar o canal noticioso
semioficial, como teria feito em circunstâncias “normais”. (Há notícias de que
a rede NTV e outros canais “seguraram” o discurso por várias horas, antes de
pô-lo no ar – temendo a ira e a retaliação de Erdogan).
Bayraktar
disse que fora pressionado
a renunciar “para salvar o prestígio do governo”, e acrescentou que o
Primeiro-Ministro deveria também renunciar, porque a maior parte das emendas
introduzidas nos planos de construção mencionadas nas investigações de
corrupção foi feitas por ordem de Erdogan. Bayraktar – que comandava a execução
do gigantesco Projeto TOKI (de construção de moradias populares) – disse também
que Erdogan pressionara os ministros a emitir uma “declaração para amparar o
Primeiro-Ministro”, e acrescentou que Erdogan dera a “luz verde final” em todas
as decisões chaves associadas às acusações. Disse ainda que fora forçado a
assinar uma “declaração de renúncia” destinada a “livrar o primeiro-ministro e
seu governo”.
Fator que
aprofundou ainda mais a crise ainda em andamento é que, em questão de horas
depois da prisão dos filhos dos três ministros (além de outros membros do
partido AKP), cinco dos principais investigadores policiais que conduziam a
investigação de corrupção foram sumariamente demitidos e substituídos, e foram
nomeados novos procuradores. No dia seguinte, Erdogan ainda demitiu
outros chefes da polícia: ordenou a remoção de mais de 150 chefes de
polícia, também em Istambul, e cerca de 400 oficiais de polícia que trabalhavam
na investigação de corrupção.
Em reunião
do partido, dia 25/12, Erdogan
denunciou a operação “corrupção” como nada além de “complô
internacional” apoiado por alguns “colaboradores
dentro do país, para semear a discórdia na Turquia.” É conspiracionismo, em
Erdogan; mas a linguagem sugere claramente que ele esteja convencido de que as
investigações estivessem sendo inspiradas por Gulen. Gulen, que vive nos EUA, é
também visto, em círculos do partido AKP, como “instrumento” dos EUA.
Surpreendentemente, o embaixador dos EUA também foi alvo de ataque orquestrado
e organizado, na mídia pró-governo – com o próprio Erdogan a dizer (sem citar o
nome do embaixador Ricciardoni) que até embaixadores dos EUA podem ser expulsos
do país. Outros veículos noticiaram que a
paciência dos EUA com Erdogan está acabando; e registraram “avisos”
extraoficiais, por funcionários dos EUA, de que não mais seriam toleradas as
repetidas insinuações, por Erdogan, de “complôs” dos EUA contra ele.
Em resumo,
Erdogan enfrenta agora severa ameaça à sua posição: é a primeira vez que as
acusações de corrupção chegam até ele, pessoalmente; está em guerra contra o
movimento Gulen, sem o qual dificilmente o partido AKP conseguirá conservar o
poder em futuras eleições; está em posição cada vez mais adversária em relação
a Washington (em várias questões); a reforma
de seu Gabinete foi feita para eliminar todos os desafios à sua autoridade, mas
está sendo vista, mais, como sinal da decadência do partido AKP; está
confrontado com Judiciário e com Polícia adversárias – e com a opinião pública,
chocada pelas recentes revelações. O teste será muito duro: quanto mais
agressivo e desafiador Erdogan se mostra (sua reação habitual), mais perde a
simpatia da opinião pública. Uma retomada das “manifestações” públicas do verão
passado pode exacerbar a crise a ponto de ameaçar o próprio Gabinete (o mercado
de ações já se ressentiu).
Arábia
Saudita: Aparentemente, só pequenos movimentos, mas que apontam
para algum grande movimento iminente (e a possibilidade real de conflito
intrafamiliar). O rei acaba de nomear seu filho Mesha’al
ao cargo de governador de Meca. Os filhos do rei estão agora em vários postos
chaves do comando do reino: vice-governador de Riad; comandante da poderosa
guarda pretoriana, os 100 mil Guardas Nacionais; governador de Meca; presidente
da Cruz Vermelha Saudita; e vice-ministro de Relações Exteriores. Tudo indica
que não tardará a decisão sobre a sucessão: e que aponta para um dos filhos do
rei (provavelmente, Mutaib). O rei Abdullah promoveu o príncipe Mutaib em 2013
ao cargo de primeiro ministro da Guarda Nacional, elevando o comando da força
de elite da segurança do reino ao status
de ministério, e inserindo o
filho no Gabinete.
A Guarda
Nacional da Arábia Saudita [orig. Saudi Arabia National Guard (SANG)]
foi comandada por Abdullah de 1962 até 2010; ao longo de seu meio século de
comando, Abdullah abasteceu-a com as melhores armas e equipamentos que o
dinheiro pode comprar, e converteu-a na mais forte unidade militar do país,
maior e melhor que o exército regular. De fato, os filhos do rei, agora
controlando Meca e Riad e no comando da SANG de elite, estão em posição
para bloquear qualquer assalto direto ao poder que possa ser concebido por
Mohammad bin Niaf (favorito dos EUA) – no caso de ele e seu grupo (que comanda
as forças de segurança do Ministério do Interior) tentarem impor “fatos em
campo” em alguma disputa pela sucessão.
Síria: Em
primeiro lugar, o Exército Árabe Sírio obteve avanços em todos os fronts – e retomou para o estado sírio o
controle em várias áreas (embora algumas menores e algumas maiores) mediante
negociação; em segundo lugar, nações ocidentais recentemente reunidas em
Londres deixaram bem claro para a oposição
síria que Assad não deve sair, porque aquelas
nações entendem que, sem ele, o futuro favorece a tomada do poder por
militantes islamistas – segundo alto membro da Coalizão muito próximo da Arábia
Saudita; e em terceiro lutar (e sinal de que o conflito sírio aproxima-se de
algum tipo de conclusão), o seguinte:
– O jornal Russia Today noticia que Damasco fechou grande
negócio de petróleo e gás com a empresa russa Soyuzneftegaz, para perfuração e
extração em águas territoriais sírias, desenvolvimento e produção. É o primeiro
acordo desse tipo. O acordo permite a exploração de 2.190 quilômetros
quadrados no Mediterrâneo. Os custos, estimados em cerca de US$90 milhões,
serão cobertos integralmente pela empresa russa Soyuzneftegaz. O contrato prevê
exploração de petróleo no Bloco n.2 das águas territoriais sírias, que se
estende das cidades de Tartus e Banyas. O Ministro do Petróleo, Suleiman Abbas,
disse que o contrato tem vigência de 25 anos, e se desenrolará em vários
estágios. “No primeiro estágio, de pesquisa e prospecção inicial, a empresa
contratante deve investir 15 milhões” – disse a porta-voz do ministério de
Recursos Naturais da Síria. – “Adiante, durante os testes de perfuração, a
contratante investirá mais $75 milhões, para fazer pelo menos um poço-teste” –
acrescentou ela, citada pela rede RIA Novosti. No caso de o teste comprovar que
o sítio tem possibilidades em escala comercial para petróleo e gás, a empresa
russa construirá a necessária infraestrutura para desenvolver o campo e extrair
os recursos, disse a porta-voz.
Líbano: Seyyed Hassan
Nasrallah alertou, em discurso (baseado
em informação forte de inteligência) que o Líbano enfrenta assalto combinado de
fontes externas [sem nomes; mas, no contexto de sua fala, sugere a Arábia
Saudita], que vai bem além de ataques periódicos de suicidas-bomba (como os de
27/12) – e escaramuças de fronteira no vale do Beka’a. Deixou bem claro também
(ideia
depois reforçada por Sheikh Naim Qassem) que o Hezbollah
não aceitará a prorrogação do mandato de Michel Suleiman como
presidente, nem a possibilidade de algum governo “neutro” ou “de fato” – que exclua representantes do
Movimento 8 de Março.
Egito: Avança a
polarização da sociedade egípcia: não apenas a Fraternidade Muçulmana foi
declarada organização terrorista, mas também qualquer atividade de apoio aos
Irmãos (como manifestações de apoio ao presidente Mursi, ou protestos contra a
junta militar) será considerada crime, com sentença prevista de (no mínimo)
cinco anos de prisão. Porta-vozes da Fraternidade Muçulmana responderam que os
protestos planejados prosseguirão como nos dias anteriores. Além disso,
destacados secularistas e figuras da esquerda egípcias, que se têm manifestado
com declarações de que a tomada do poder pelo general Sisi não é compatível com
as aspirações da revolução, têm sido detidos
e presos, em números crescentes.
[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão
mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente
Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes:
observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas
para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a
forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até
mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas,
desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas
resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para
abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.
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