terça-feira, 28 de janeiro de 2014

As 3 principais mentiras “jornalísticas” sobre a Síria


Sobe a temperatura da guerra de propaganda

24-26/1/2014, [*] Shamus Cooke, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Abertura da Conferência Genebra-2 em Montreux, Suiça (22/1/2014)
A máquina jornalística de espalhar mentiras está outra vez trabalhando em alta rotação, perfeitamente cronometrada para acompanhar as conversações de paz para a Síria chamadas “Genebra-2”, embora aconteçam em Montreux. As mentiras são necessárias para garantir que o governo Obama continue a jogar com as cartas que esconde na manga, nas conversações, as quais não estão sendo conduzidas para gerar paz alguma, mas, isso sim, para que levem ao sucesso o plano de “mudança de regime” do governo Obama para a Síria.

Aqui, listo as três principais mentiras que se espalham pelo mundo graças à contribuição da empresa-imprensa ocidental e de seus jornalistas e “especialistas” empregados, sobre as conversações de “Genebra-2”.

Mentira 1: A saída do presidente Bashar al-Assad do governo sírio teria sido “precondição” discutida e aprovada em Genebra-1, para Genebra-2.

Essa informação tem sido repetida pelo governo Obama e pelos veículos da imprensa-empresa ocidental. É total mentira. Sem nenhum fundamento. O governo Obama inventou que essa “precondição” teria sido registrada no “Comunicado de Genebra”, que foi um mapa do caminho redigido para orientar as conversações de paz de Genebra-2, discutido e aceito por alguns dos principais envolvidos nas negociações, inclusive pela Rússia.

O Comunicado fala, sim, de uma transição política negociada, mas NÃO diz, em lugar algum, que essa transição não poderia incluir o presidente Assad (e qualquer cláusula dessa natureza teria sido imediatamente rejeitada pela Rússia).

A verdade é que, sim, o Comunicado de Genebra inclui a seguinte cláusula:

“[um governo de transição] poderá incluir membros do atual governo sírio e da oposição, além de outros grupos; e terá de ser constituído por consentimento mútuo”.

Bashar al-Assad saúda a multidão na saída do palácio presidencial em Beirute em 12/1/2014
Nada, em local algum daquele documento, menciona ou implica diretamente o presidente Assad.

Recentemente, o Los Angeles Times pisou fora da linha e expôs, clara e completamente a mentira:

“[John] Kerry tem citado repetidas vezes o “Comunicado de Genebra”, espécie de mapa do caminho redigido em junho de 2012, durante reunião organizada pela ONU. Mas esse documento absolutamente não exige a saída de Assad”.

A incansável repetição dessa mentira, pelo governo Obama, só provoca divisões e dificuldades para o processo de paz, enquanto vai minando qualquer chance de alcançar-se alguma paz.


O governo Obama tem batido o pé a respeito dessa pré-condição “Assad tem de sair”, porque sabe que, em eleições limpas, livres e justas que se disputem na Síria – como parte de um “processo transicional” apoiado pela ONU – o presidente Assad será, praticamente com certeza, reeleito. Esse é o resultado da união de várias minorias étnicas e religiosas sírias no apoio ao presidente, apoio cada vez mais assumido e declarado, desde que começaram a testemunhar as atrocidades sectárias diárias cometidas por “rebeldes” apoiados pelos EUA (atrocidades que a imprensa-empresa dos EUA existe para fazer ignorar e impedir de ver).

Assad provavelmente será eleito, se houver eleições, dado que simplesmente não há qualquer outro nome, no governo ou na oposição, que se compare a ele no reconhecimento que merece dos sírios e na popularidade. Os “rebeldes” apoiados pelos EUA que estão fazendo guerra contra a Síria fortaleceram a imagem política do presidente Assad – mas essa é informação que ninguém jamais obterá da imprensa-empresa ocidental, monoliticamente contra os sírios.

“Exigir” a saída de Assad tampouco tem qualquer sentido, se se considera a situação em campo. Os “rebeldes” apoiados pelos EUA jamais conseguiram controlar mais que uma única cidade síria, de nome Raqaa, a qual é dominada pela al-Qaeda e governada sob uma interpretação à moda dos Talibã da lei islâmica, e que inclui, dentre outros, o banimento de qualquer tipo de música. Os “rebeldes” não têm poder em campo que os autorize a exigir seja o que for, muito menos que “Assad tem de sair”.

Mentira 2: As milícias “rebeldes” apoiadas pelos EUA seriam grupos terroristas islamistas “moderados”

O simples fato de alguém dizer publicamente tal absurdo, sem provocar gargalhadas, é prova do grande sucesso da propaganda que se faz pela empresa-imprensa jornalística ocidental. A narrativa jornalística ocidental pinta os rebeldes financiados pelos EUA como “bons”, em luta contra, ao mesmo tempo, o governo sírio e os “maus” rebeldes associados à al-Qaeda.

Frente al-Nusra "rebelde" na Síria, note a bandeira da al--Qaeda à direita da foto
Mas os tais “bons” terroristas que integram a Frente Islâmica apoiada pelos EUA partilham a mesma visão quanto ao futuro da Síria que os rebeldes da al-Qaeda: todos defendem uma versão fundamentalista da lei da Xaria, segundo a qual as mulheres vivem praticamente em prisão domiciliar e minorias religiosas são cidadãos de segunda classe (grupos muçulmanos não sunitas seriam massacrados na Síria, como já estão sendo, nas áreas das quais o governo sírio ainda não conseguiu varrer os terroristas – mais um fato minimizado ou apagado do noticiário pela imprensa-empresa jornalística ocidental).

A mentira sobre os “rebeldes moderados” foi também exposta recentemente, quando um alto comandante da mais poderosa das milícias em guerra contra o governo sírio, o grupo Ahrar al Sham, integrante da Frente Islamista e apoiado pelos EUA, declarou que seu grupo é o único “verdadeiro” representante da al-Qaeda na Síria.

O grupo Ahrar al Sham é conhecido há muito tempo como grupo extremista terrorista do tipo al-Qaeda; a imprensa-empresa jornalística ocidental simplesmente apagou essa informação. Mas quando essa associação foi divulgada e “oficializada”, os jornais, televisões e jornalistas norte-americanos optaram por ignorar a evidência, porque noticiar o fato destruiria a mentira sobre “terroristas moderados”. Jornais, televisões e jornalistas ocidentais também continuaram a ignorar o fato de que a Frente Islâmica “moderada” apoiada pelos EUA lançou, ela própria, um manifesto no qual se filia às ideias extremistas do grupo Ahrar al Sham, a al-Qaeda “autêntica”.

Mentira 3: Haveria novas provas de que o governo sírio pratica tortura “em escala industrial”

Recentemente, a empresa-imprensa ocidental apareceu com “plantão de notícias” no qual se “informava” sobre novas provas que mostrariam tortura e assassinatos em massa ao estilo nazista, pelo governo sírio [dessa vez, na CNN, matéria da sempre serviçal, facinorosa, Amanpour (NTs)], matéria divulgada exatamente no início das conversações de paz de Genebra-2. Não se sabe se o governo sírio mata ou não mata. E continua-se sem saber depois do “noticiário”, porque não há ali sequer uma prova válida de coisa alguma. A mentira, nesse caso, é que o “jornalismo” ocidental apresentou como verdade indiscutível o que nada assegura que não seja, do começo ao fim, só mentiras.

Todos nós sabemos que há centenas de fotos de pessoas mortas que alguma “fonte confiável” diz que foram mortas pelo governo sírio. A tal fonte confiável sempre é assim qualificada por intelectuais pró-ocidente que conquistaram “credibilidade” midiática porque ajudaram a condenar criminosos de guerra na Corte Internacional Criminal [orig. International Criminal Court (ICC)]. Mas, como escreveu Diane Johnstone em seu excelente livro Fools Crusade, sobre a guerra contra a Iugoslávia – e também em vários artigos – a Corte Internacional Criminal tem sido, há muito tempo, usada como ferramenta das potências ocidentais para criar pretexto para uma ou outra guerra, ou como ferramenta para justificar uma guerra, depois do fato.

As “provas” das atrocidades “de estilo nazista” foram escritas em estudo pago pelo governo do Qatar, o qual há muito tempo mobiliza dinheiro, armas, jihadistas [e por que não mobilizaria também... jornalistas?! (NTs)] para ajudar os rebeldes anti-Assad na Síria.

A seguir vemos que quem pratica tortura e assassinatos, inclusive canibalismo, são os "rebeldes" sírios apoiados pelos EUA... (redecastorphoto)


Mais uma vez, não se pode saber se a história é verdadeira ou falsa. Mas investigação dessa magnitude e importância teria de ser feita pela ONU ou por outra instituição mais respeitável [que um escritório privado de advocacia]. A mesma dinâmica enviesada viu-se no caso do ataque com armas químicas, do qual jamais apareceu qualquer prova, embora longa fila de “especialistas” tenham sido vistos e ouvidos na televisão ou citados em longas matérias jornalísticas, todos “comprovando” a culpa do governo sírio. Até que, afinal, Seymour Hirsch jornalista premiado com o Pulitzer, desmontou as “versões” dos “especialistas” e demonstrou que o governo Obama mentira sobre os rebeldes não terem capacidade para executar ataque químico daquele tipo. As empresas-imprensa do “jornalismo” ocidental ignoraram o trabalho de Hirsh.

Como essas mentiras implantam-se a ponto de se tornarem traços permanentes na imprensa-empresa ocidental? Artigo excelente publicado no The Guardian recentemente discutiu em profundidade as principais fontes de que se serviu a imprensa-empresa ocidental para compreender o conflito sírio.

O artigo expôs o quase inacreditável viés de algumas das principais fontes ouvidas pelas empresas de jornalismo ocidentais sobre a Síria, e o motivo pelo qual se escolheram sempre fontes “especializadas”: para assegurar que as fontes tivessem agendas políticas alinhadas com as decisões da política externa dos EUA. O outro lado do conflito permaneceu completamente ignorado nos veículos da grande imprensa-empresa, exceto quando foi tomado como alvo a ser ridicularizado. Por isso, norte-americanos e europeus têm visão completamente tendenciosa, quando não completamente irreal e fantasiosa, sobre o que está acontecendo na Síria. E foi assim sistematicamente, desde o início do conflito – exatamente como aconteceu nas guerras da Iugoslávia, Afeganistão, Iraque e Líbia. 

Resultado da ignorância construída por empresas-imprensa e seus jornalistas foi mais mortes num país que, hoje, já tem milhões de refugiados e mais de 100 mil mortos.

Obama parece decidido a explorar o atual momento exclusivamente para fazer crer que, se as conversações de paz fracassarem, a culpa terá sido do governo sírio.

Sem ter conseguido derrotar Assad em campo e em guerra à distância, guerreada por seus prepostos, o governo Obama tenta, agora, vencer a guerra de propaganda. Assim, se as conversações pró-paz fracassarem, Obama poderá reiniciar suas conversações pró-guerra, “porque” “todas as demais opções fracassaram”.




[*] Shamus Cooke é trabalhador de Serviço Social, sindicalista e escritor ligado a Workers Action.

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