Sobe a temperatura da guerra de propaganda
24-26/1/2014, [*] Shamus Cooke,
Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Abertura da Conferência Genebra-2 em Montreux, Suiça (22/1/2014) |
A máquina
jornalística de espalhar mentiras está outra vez trabalhando em alta rotação,
perfeitamente cronometrada para acompanhar as conversações de paz para a Síria
chamadas “Genebra-2”,
embora aconteçam em Montreux. As mentiras são necessárias para garantir que o
governo Obama continue a jogar com as cartas que esconde na manga, nas
conversações, as quais não estão sendo conduzidas para gerar paz alguma, mas, isso
sim, para que levem ao sucesso o plano de “mudança de regime” do governo Obama
para a Síria.
Aqui, listo
as três principais mentiras que se espalham pelo mundo graças à contribuição da
empresa-imprensa ocidental e de seus jornalistas e “especialistas” empregados,
sobre as conversações de “Genebra-2”.
Mentira 1:
A saída do presidente Bashar al-Assad do governo sírio teria sido “precondição”
discutida e aprovada em Genebra-1, para Genebra-2.
Essa
informação tem sido repetida pelo governo Obama e pelos veículos da
imprensa-empresa ocidental. É total mentira. Sem nenhum fundamento. O governo
Obama inventou que essa “precondição” teria sido registrada no “Comunicado de
Genebra”, que foi um mapa do caminho redigido para orientar as conversações de
paz de Genebra-2, discutido e aceito por alguns dos principais envolvidos nas
negociações, inclusive pela Rússia.
O Comunicado fala, sim, de uma transição política
negociada, mas NÃO diz, em lugar algum, que essa transição não poderia incluir
o presidente Assad (e qualquer cláusula dessa natureza teria sido imediatamente
rejeitada pela Rússia).
A verdade é
que, sim, o Comunicado de Genebra inclui a seguinte cláusula:
“[um governo de transição] poderá
incluir membros do atual governo sírio e da oposição, além de outros grupos; e
terá de ser constituído por consentimento mútuo”.
Bashar al-Assad saúda a multidão na saída do palácio presidencial em Beirute em 12/1/2014 |
Nada, em
local algum daquele documento, menciona ou implica diretamente o presidente
Assad.
Recentemente,
o Los
Angeles Times pisou fora da linha e expôs, clara e
completamente a mentira:
“[John] Kerry tem citado repetidas
vezes o “Comunicado de Genebra”, espécie de mapa do caminho redigido em junho
de 2012, durante reunião
organizada pela ONU. Mas esse documento absolutamente não exige a saída
de Assad”.
A
incansável repetição dessa mentira, pelo governo Obama, só provoca divisões e
dificuldades para o processo de paz, enquanto vai minando qualquer chance de
alcançar-se alguma paz.
O governo
Obama tem batido o pé a respeito dessa pré-condição “Assad tem de sair”, porque
sabe que, em eleições limpas, livres e justas que se disputem na Síria – como
parte de um “processo transicional” apoiado pela ONU – o presidente Assad será,
praticamente com certeza, reeleito. Esse é o resultado da união de várias
minorias étnicas e religiosas sírias no apoio ao presidente, apoio cada vez
mais assumido e declarado, desde que começaram a testemunhar as atrocidades sectárias
diárias cometidas por “rebeldes” apoiados pelos EUA (atrocidades que a
imprensa-empresa dos EUA existe para fazer ignorar e impedir de ver).
Assad
provavelmente será eleito, se houver eleições, dado que simplesmente não há
qualquer outro nome, no governo ou na oposição, que se compare a ele no
reconhecimento que merece dos sírios e na popularidade. Os “rebeldes” apoiados
pelos EUA que estão fazendo guerra contra a Síria fortaleceram a imagem
política do presidente Assad – mas essa é informação que ninguém jamais obterá
da imprensa-empresa ocidental, monoliticamente contra os sírios.
“Exigir” a
saída de Assad tampouco tem qualquer sentido, se se considera a situação em
campo. Os “rebeldes” apoiados pelos EUA jamais conseguiram controlar mais que uma
única cidade síria, de nome Raqaa, a qual é dominada pela al-Qaeda e governada
sob uma interpretação à moda dos Talibã da lei islâmica, e que inclui, dentre
outros, o banimento
de qualquer tipo de música. Os “rebeldes”
não têm poder em campo que os autorize a exigir seja o que for, muito menos que
“Assad tem de sair”.
Mentira 2:
As milícias “rebeldes” apoiadas pelos EUA seriam grupos terroristas islamistas
“moderados”
O simples
fato de alguém dizer publicamente tal absurdo, sem provocar gargalhadas, é
prova do grande sucesso da propaganda que se faz pela empresa-imprensa
jornalística ocidental. A narrativa jornalística ocidental pinta os rebeldes
financiados pelos EUA como “bons”, em luta contra, ao mesmo tempo, o governo
sírio e os “maus” rebeldes associados à al-Qaeda.
Frente al-Nusra "rebelde" na Síria, note a bandeira da al--Qaeda à direita da foto |
Mas os tais
“bons” terroristas que integram a Frente Islâmica apoiada pelos EUA partilham a
mesma visão quanto ao futuro da Síria que os rebeldes da al-Qaeda: todos
defendem uma versão fundamentalista da lei da Xaria, segundo a qual as mulheres
vivem praticamente em prisão domiciliar e minorias religiosas são cidadãos de
segunda classe (grupos muçulmanos não sunitas seriam massacrados na Síria, como
já estão sendo, nas áreas das quais o governo sírio ainda não conseguiu varrer
os terroristas – mais um fato minimizado ou apagado do noticiário pela imprensa-empresa
jornalística ocidental).
A mentira
sobre os “rebeldes moderados” foi também exposta recentemente, quando um alto
comandante da mais poderosa das milícias em guerra contra o governo sírio, o
grupo Ahrar al Sham, integrante da Frente Islamista e apoiado pelos EUA,
declarou que seu grupo é o único
“verdadeiro” representante da al-Qaeda na Síria.
O grupo
Ahrar al Sham é conhecido há muito tempo como grupo extremista terrorista do
tipo al-Qaeda; a imprensa-empresa jornalística ocidental simplesmente apagou
essa informação. Mas quando essa associação foi divulgada e “oficializada”, os
jornais, televisões e jornalistas norte-americanos optaram por ignorar a
evidência, porque noticiar o fato destruiria a mentira sobre “terroristas
moderados”. Jornais, televisões e jornalistas ocidentais também continuaram a
ignorar o fato de que a Frente Islâmica “moderada” apoiada pelos EUA lançou,
ela própria, um manifesto no qual se
filia às ideias extremistas do grupo Ahrar
al Sham, a al-Qaeda “autêntica”.
Mentira 3: Haveria novas provas de que o
governo sírio pratica tortura “em escala industrial”
Recentemente,
a empresa-imprensa ocidental apareceu com “plantão de notícias” no qual se “informava”
sobre novas provas que mostrariam “tortura
e assassinatos em massa ao estilo nazista”, pelo governo sírio [dessa vez, na CNN, matéria da sempre
serviçal, facinorosa, Amanpour (NTs)],
matéria divulgada exatamente no início das conversações de paz de Genebra-2.
Não se sabe se o governo sírio mata ou não mata. E continua-se sem saber depois
do “noticiário”, porque não há ali sequer uma prova válida de coisa alguma. A
mentira, nesse caso, é que o “jornalismo” ocidental apresentou como verdade
indiscutível o que nada assegura que não seja, do começo ao fim, só mentiras.
Todos nós
sabemos que há centenas de fotos de pessoas mortas que alguma “fonte confiável”
diz que foram mortas pelo governo sírio. A tal fonte confiável sempre é assim
qualificada por intelectuais pró-ocidente que conquistaram “credibilidade”
midiática porque ajudaram a condenar criminosos de guerra na Corte
Internacional Criminal [orig. International Criminal Court (ICC)]. Mas,
como escreveu Diane Johnstone em seu excelente livro Fools
Crusade, sobre a guerra
contra a Iugoslávia – e também em vários
artigos – a Corte Internacional Criminal tem sido,
há muito tempo, usada como ferramenta das potências ocidentais para criar
pretexto para uma ou outra guerra, ou como ferramenta para justificar uma
guerra, depois do fato.
As “provas”
das atrocidades “de estilo nazista” foram escritas em estudo pago pelo governo
do Qatar, o qual há muito tempo mobiliza dinheiro, armas, jihadistas [e por que não mobilizaria também...
jornalistas?! (NTs)] para ajudar os rebeldes anti-Assad na Síria.
A seguir vemos que quem pratica tortura e assassinatos, inclusive canibalismo, são os "rebeldes" sírios apoiados pelos EUA... (redecastorphoto)
Mais uma
vez, não se pode saber se a história é verdadeira ou falsa. Mas investigação
dessa magnitude e importância teria de ser feita pela ONU ou por outra
instituição mais respeitável [que um escritório privado de advocacia]. A mesma
dinâmica enviesada viu-se no caso do ataque com armas químicas, do qual jamais
apareceu qualquer prova, embora longa fila de “especialistas” tenham sido
vistos e ouvidos na televisão ou citados em longas matérias jornalísticas,
todos “comprovando” a culpa do governo sírio. Até que, afinal, Seymour Hirsch jornalista
premiado com o Pulitzer, desmontou as “versões” dos “especialistas” e
demonstrou que o governo Obama mentira sobre os rebeldes não terem capacidade
para executar ataque
químico daquele tipo. As
empresas-imprensa do “jornalismo” ocidental ignoraram o trabalho de Hirsh.
Como essas
mentiras implantam-se a ponto de se tornarem traços permanentes na
imprensa-empresa ocidental? Artigo excelente
publicado no The Guardian recentemente discutiu em profundidade as
principais fontes de que se serviu a imprensa-empresa ocidental para
compreender o conflito sírio.
O artigo
expôs o quase inacreditável viés de algumas das principais fontes ouvidas pelas
empresas de jornalismo ocidentais sobre a Síria, e o motivo pelo qual se
escolheram sempre fontes “especializadas”: para assegurar que as fontes
tivessem agendas políticas alinhadas com as decisões da política externa dos
EUA. O outro lado do conflito permaneceu completamente ignorado nos veículos da
grande imprensa-empresa, exceto quando foi tomado como alvo a ser
ridicularizado. Por isso, norte-americanos e europeus têm visão completamente
tendenciosa, quando não completamente irreal e fantasiosa, sobre o que está
acontecendo na Síria. E foi assim sistematicamente, desde o início do conflito
– exatamente como aconteceu nas guerras da Iugoslávia, Afeganistão, Iraque e
Líbia.
Resultado
da ignorância construída por empresas-imprensa e seus jornalistas foi mais
mortes num país que, hoje, já tem milhões de refugiados e mais de 100 mil
mortos.
Obama parece
decidido a explorar o atual momento exclusivamente para fazer crer que, se as
conversações de paz fracassarem, a culpa terá sido do governo sírio.
Sem ter
conseguido derrotar Assad em campo e em guerra à distância, guerreada por seus
prepostos, o governo Obama tenta, agora, vencer a guerra de propaganda. Assim,
se as conversações pró-paz fracassarem, Obama poderá reiniciar suas
conversações pró-guerra, “porque” “todas as demais opções fracassaram”.
[*] Shamus Cooke é trabalhador de Serviço Social,
sindicalista e escritor ligado a Workers Action.
E-mail: shamuscook@gmail.com
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