É legítimo roubar segredos vergonhosos do
governo e publicá-los!
7/1/2014, [*] John Glaser, Antiwar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Um novo
livro, lançado hoje, [1] revela pela primeira vez a identidade de um grupo de
ativistas norte-americanos que assaltaram escritórios do FBI, roubaram
documentos sensíveis e vazaram os documentos para jornalistas. A maioria dos norte-americanos
já nem se lembra desse assalto, porque o fato foi logo encoberto pela
importância das revelações vazadas, que incluíam o ataque contra dissidentes
internos operado por um programa inconstitucional em que o FBI trabalhava, o
COINTELPRO.
Mark Mazzetti |
Os assaltantes jamais foram apanhados, escreve
Mark Mazzetti no New York Times, e
os documentos roubados que eles enviaram por correio, anonimamente, a
jornalistas viriam a ser a primeira gota de uma avalanche de revelações sobre
espionagem interna em grande escala e operações ilegais, pelo FBI, contra grupos
norte-americanos dissidentes.
Betty
Medsger, do Washington Post, foi uma das jornalistas que receberam
documentos enviados pelos ativistas. Escreveu sobre o documento que talvez fosse o mais terrível
dos que foram roubados: um memorando de 1970, que dava uma primeira pista da
obsessão de Hoover contra qualquer tipo de dissidência – lembra Mazzetti no NYT.
O memorando exigia que os agentes
aprofundassem as entrevistas com ativistas pacifistas e membros de grupos de
estudantes dissidentes.
Essa ação fará aumentar a paranoia endêmica
naqueles círculos e ajudará a fixar a ideia de que há um agente do FBI por trás
de cada caixa de correio – dizia a mensagem do comando do FBI.
Betty Medsger |
Outro
documento, assinado pelo próprio Hoover, revelava a vigilância generalizada,
ativa nos campus universitários, contra grupos de estudantes negros.
Mas o
documento que teria o maior impacto contra o reinado do FBI em todas as
atividades da espionagem doméstica foi um cabeçalho de mensagem, datado de
1968, em que se lia uma palavra até então desconhecida: Cointelpro.
Nem os
assaltantes que roubaram os documentos, nem os jornalistas que os receberam
conheciam o significado daquela palavra e assim continuaram por muitos anos. Só
quando Carl Stern, da rede NBC News, requisitou e obteve judicialmente
outros documentos do FBI, nos termos da Lei da Liberdade de Informação [orig. Freedom
of Information Act], afinal se conheceram os primeiros contornos do
Cointelpro – forma abreviada de “Programa de Contrainteligência” [orig. Counterintelligence
Program].
Desde 1956,
o FBI mantinha uma caríssima campanha de espionagem contra líderes dos
movimentos pelos direitos civis, organizadores políticos e suspeitos de
simpatizarem com o comunismo, e trabalhava para semear a discórdia e a desconfiança
entre os membros de vários desses grupos. No bojo da sombria litania de
revelações, havia uma carta de chantagem, enviada anonimamente por agentes do
FBI ao Reverendo Dr. Martin Luther King Jr., em que ameaçavam divulgar casos
extraconjugais, se ele não cometesse suicídio.
Loch K. Johnson |
Não se
tratava só de espionar cidadãos norte-americanos. O objetivo do Cointelpro era
destruir vidas e arruinar reputações. disse Loch K. Johnson,
professor de Assuntos Públicos e Internacionais na University of Georgia, que era então assessor do senador Frank
Church, Democrata do Idaho.
À época, o
assalto e os vazamentos subsequentes foram ferozmente condenados. Mas, com o
tempo, os abusos do FBI chegaram afinal às manchetes, o que levou a
consideráveis esforços para reformas, entre meados e o final da década dos
1970s.
Hoje, a
atividade do FBI de J. Edgar Hoover é condenada quase universalmente (até por
funcionários do governo, pelo menos em público). Os assaltantes jamais foram
descobertos. A caçada foi suspensa, porque se estabeleceu o consenso de que
haviam feito algo de bom. Agiram em nome do interesse do povo dos EUA, porque o
governo dos EUA operava contra a Constituição. Cometeram ato de ilegalidade,
mas os crimes do estado eram piores.
J. Edgard Hoover em foto de 20 de maio de 1963 |
Difícil não
ver aí muitas semelhanças com o que fez Edward Snowden. Prevejo que o
desenvolvimento da atual controvérsia ecoará os eventos que se seguiram ao
assalto, em 1971, contra escritórios do FBI. Não tardará, e os que hoje
condenam Snowden como criminoso e traidor serão sobrepujados por um consenso
crescente de que a apropriação de documentos do estado, depois entregues a
jornalistas, expôs novos crimes terríveis cometidos pelo governo contra o
interesse público. Sem dúvida, a história trabalha a favor de Snowden.
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Nota de rodapé
[1] MEDSGER, Betty. The
Burglary: The Discovery of J. Edgar Hoover’s Secret FBI [O assalto:
como se descobriu o FBI secreto de J. Edgar Hoover], Deckle Edge, 2014.
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[*] John Glaser
é editor do sítio Antiwar.com e
assistente editorial do The American
Conservative Magazine. Nas áreas de Política Externa, e Assuntos
Governamentais atuou no CATO Institute.
Teve sua formação acadêmica na University
of Massachusetts, Amherst em Ciência Política.
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