22/5/2012 (Episódio 6), Russia
Today, 26’16 - “The World
Tomorrow”,
“Assange
Episode 6: Ecuador’s fight against its media vultures” em inglês
e “El Mundo Del Mañana”, em espanhol
Transcrição traduzida pelo pessoal
da Vila Vudu
JULIAN ASSANGE:
Com Chávez e Lula
já deixando os principais holofotes, vai surgindo uma nova geração de
governantes na América Latina.
Esta
semana, está comigo o presidente do Equador , Rafael Correa. Correa é líder
popular de esquerda, que mudou a cara do Equador. Mas, diferente dos presidentes
que o antecederam, é doutor em Economia. Segundo os telegramas diplomáticos dos
EUA que WikiLeaks divulgou, Correa é o presidente mais popular na história
democrática do Equador.
Mesmo
assim, em 2010, foi preso e feito refém, numa tentativa de golpe de Estado. A
culpa pela tentativa de depô-lo, segundo Correa, foram os meios de comunicação
corruptos. Correa pôs em marcha uma polêmica contraofensiva. Na avaliação de
Correa, os meios de comunicação definem as reformas que seriam as únicas
possíveis... para os próprios meios.
Quero
saber se essa conclusão está correta e como vê a América Latina.
JULIAN
ASSANGE: Sim, presidente
Correa.
JULIAN
ASSANGE: Sim, na
Inglaterra, numa casa de campo, em prisão domiciliar já há 500 dias. E sem
nenhuma acusação formal contra mim.
JULIAN
ASSANGE: [para a equipe]
Acho que é possível. Todos prontos? Ação!
JULIAN
ASSANGE: O que pensa o
Equador, dos EUA, sobre o envolvimento dos EUA? Não lhe peço que faça alguma
caricatura dos EUA. Mas... O que pensam os equatorianos sobre os EUA e o
envolvimento dos EUA no Equador e na América?
Seja
como for, quero dizer que uma das razões do mal-estar é que nós cortamos todo o
financiamento que a Embaixada dos EUA pagava à polícia no Equador. Era assim,
antes do nosso governo e continuou ainda, por um ano e pouco. Demoramos a
corrigir isso. Havia unidades inteiras, setores chaves da Polícia, que eram
completamente financiadas pela Embaixada dos EUA. Os chefes policiais eram
selecionados pelo Embaixador dos EUA e pagos pelos EUA. A tal ponto, que
aumentamos muitíssimo os soldos dos policiais, mas quase ninguém percebeu,
porque recebiam soldos do outro lado. Acabamos com tudo isso. E há alguns que
sentem saudades daqueles tempos. Mas são tempos que não voltarão ao nosso país e
aos nossos países.
Quanto
aos EUA, nossa relação sempre foi de muita amizade e carinho, mas sob um marco
de respeito mútuo e de soberania. Eu, pessoalmente, vivi quatro anos nos EUA,
estudei e graduei-me lá, tenho dois títulos acadêmicos norte-americanos, amo e
respeito muito, muito, o povo norte-americano. Acredite que eu, de modo algum,
jamais seria antiamericano. Mas sempre chamarei as coisas pelo nome. E se há
políticas norte-americanas que são perniciosas para o Equador e para nossa
América Latina, sempre as denunciarei abertamente e não permitirei que agridam a
soberania do meu país.
JULIAN
ASSANGE: Seu Governo fechou
a base militar dos EUA em Manta. Pode dizer-me por que decidiu fechar aquela
base?
JULIAN
ASSANGE: Achei engraçadas as
suas frases, presidente Correa [os dois riem]. Presidente Correa, por que o
senhor pediu que revelássemos [que WikiLeaks revelasse] todos os telegramas
diplomáticos?
Nós
não tememos nada. Que publiquem tudo o que tenham a publicar sobre o
governo do Equador. Não se encontrará nada contra nós. E veremos aparecer muitas
informações sobre entreguismos, traições, acertos, feitos por muitos supostos
opositores da revolução cidadã no Equador…
JULIAN
ASSANGE: Posteriormente, o
senhor expulsou do Equador a embaixadora dos EUA, como consequência da
publicação dos telegramas de WikiLeaks. Por que a expulsou? Sempre acho mais
interessante dizer ao embaixador... “Tenho esses telegramas desse embaixador. Já
sei o que você pensa.” Não seria melhor manter lá o diabo que o senhor já
conhecia?
Intimamos
a embaixadora, para que prestasse explicações. E ela, arrogante, cheia de
soberba e prepotência, com os ares imperiais que a caracterizavam, respondeu que
não nos devia explicações. Como aqui no Equador, nós nos respeitamos e
respeitamos nosso país, expulsamos imediatamente a referida senhora.
Quero
dizer que há um mês, poucos meses, depois de quase um ano de investigações, o
Comandante Hurtado, que foi falsamente acusado nesse telegrama de WikiLeaks pela
embaixadora, foi declarado inocente de todas aquelas acusações daquela
embaixadora, saiu limpo de todas as investigações de que foi objeto, e que
fizemos. É uma prova a mais de como funcionários incompetentes ou mal
intencionados, do governo dos EUA, porque absolutamente não admitem e manifestam
a mais flagrante má vontade contra governos progressistas, informam qualquer
coisa ao governo dos EUA, sem procurar qualquer comprovação, sem qualquer
investigação, sem qualquer prova, baseados, só, em boatos, intrigas dos seus
‘contatos’, muitas vezes, mentiras interessadas, que ouvem dos seus contatos,
todos adversários de nosso governo. E esses contatos são, normalmente,
escolhidos entre os opositores dos nossos governos.
JULIAN
ASSANGE: Presidente Correa,
como foi, para o senhor, tratar com os chineses? É um país grande e poderoso. Ao
negociar com os chineses, o senhor não estaria trocando um demônio, por outro?
Quando
60% de nosso comércio e grande parte de nossos investimentos estavam
concentrados nos EUA, e não nos davam 20 centavos para financiar o
desenvolvimento do país, ninguém reclamou de demônio algum, era como se não
houvesse problema. Agora, quando somos o país que mais recebe investimentos
chineses na região – e talvez porque os chineses não são altos, louros, de olhos
azuis, viram demônios e tudo é problema. Chega disso!
Se
a China já está financiando até os EUA! Que bom que financie o Equador! Que bom
que nos ajude para fazer aqui uma extração responsável, de petróleo! Minas,
hidroelétricas. Mas não recebemos financiamentos só da China. Recebemos
financiamento russo, brasileiro, diversificamos nossos mercados e nossas fontes
de financiamento. Mas há gente que nasceu acabrestado, com sela e rédea, e quer
continuar com a dependência de sempre. É só isso.
JULIAN
ASSANGE: Presidente Correa,
como o senhor sabe, luto, há muitos anos, a favor da liberdade de expressão,
pelo direito de as pessoas se comunicarem, pelo dever de publicar e dar aos
públicos informação verdadeira. O que o senhor fará, para que suas reformas não
acabem com a liberdade de expressão?
Nós
acreditamos, que os únicos limites que devem pesar sobre a informação e a
liberdade de expressão são os que já existam nos tratados internacionais, na
Convenção Interamericana de Direitos Humanos: a honra e a reputação das pessoas;
e a segurança das pessoas e do estado. Quanto a todo o resto, quanto mais gente
saiba de tudo, melhor.
Você
manifestou seu temor – o mesmo que sentem todos os jornalistas, de boa fé –, mas
que não passam de estereótipos do medo de que o poder do estado limite a
liberdade de expressão. Isso praticamente não existe na América Latina,
praticamente não há aqui nenhuma liberdade de expressão. Fala-se só de
idealizações, de mitos.
Vocês
precisam entender que, por aqui, o poder “midiático” foi, e provavelmente ainda
é, muito maior que o poder político. De fato, o poder “midiático” tem imenso
poder político, em função de seus interesses, poder econômico, poder social. E,
sobretudo, têm poder monopolístico para informar.
Os
veículos têm sido, aqui, os maiores eleitores, os maiores legisladores, os
maiores juízes, os que criam a alimentam a ‘agenda’ da discussão social, os que
sempre submeteram governos, presidentes, cortes de justiça, tribunais.
Temos
de tirar da cabeça essa ideia de que, de um lado, só haveria jornalistas pobres
e perseguidos, empresas jornalísticas angelicais, empresas e veículos dedicados
a informar a verdade dos fatos; e, de outro lado, só haveria ditadores,
autocratas, tiranos que vivem para tentar impedir que a verdade chegue ao povo.
Os
governos que trabalhamos para fazer algo pelas maiorias, somos – nós –
violentamente perseguidos por jornalistas que entendem que, por ter uma pena ou
um microfone, ganhariam algum direito de vingar-se dos desafetos pessoais.
Porque, muitas vezes, caluniam, mentem, injuriam exclusivamente por alguma
inimizade pessoal. Os veículos de comunicação são, aqui, instrumentos dedicados
a defender interesses privados.
É
importante, por favor, que o mundo todo entenda o que se passa na América
Latina.
Quando
tomei posse na presidência, havia aqui sete canais de televisão nacionais.
Nenhum público; todos privados. Cinco pertenciam a banqueiros. Imagine a
situação: eu queria tomar uma medida contra os bancos, para evitar, por exemplo,
a crise e os abusos que, hoje, todos estão vendo acontecer na Europa, sobretudo
na Espanha. E houve uma campanha violentíssima, pela televisão, para defender os
interesses dos banqueiros empresários donos das empresas, dos proprietários
dessas cadeias de televisão, todos banqueiros.
Que
ninguém se engane mais. Temos de esquecer essas mentiras e estereótipos de
governos ‘do mal’, que vivem a perseguir valentes e angelicais jornalistas e
empresas e veículos de comunicação. Com muita frequência, Julian, acontece
exatamente o contrário.
Essa
gente travestida de jornalista vive de fazer política, só se interessa em
desestabilizar nossos governos democráticos, para impedir qualquer mudança na
nossa região. Porque, com mudança democrática, eles perdem o poder que sempre
tiveram e ostentaram.
JULIAN
ASSANGE: Presidente Correa,
estou de acordo com o que o senhor diz do mercado dos veículos e meios. Já
aconteceu exatamente assim, também conosco, mais de uma vez: grandes
organizações jornalísticas, com as quais trabalhamos – Guardian, El
País, o New York Times e Der Spiegel – censuraram o nosso
material ao publicar, por motivos políticos, ou para proteger oligarcas como
Tymoshenko da Ucrânia (que escondia sua fortuna em Londres); ou grandes empresas
petroleiras italianas corruptas, que operavam no Cazaquistão. Temos provas disso
tudo, porque sabemos o que há no documento original e o que publicaram, e o que
foi omitido. Mas entendo que o melhor modo para enfrentar os monopólios e os
duopólios e os cartéis num mercado é separá-los; ou criando melhores condições
para que novas empresas entrem no mercado.
O
senhor não tem interesse em criar um sistema que permita o fácil acesso ao
mercado editorial, de modo a que empresas jornalísticas editoriais pequenas e
indivíduos sejam protegidos (não regulados) e as grandes empresas editorais e
grupos ‘midiáticos’ sejam separadas e reguladas?
Mas
a lei não avança. Há dois anos, apesar de haver ordem constitucional aprovada
nas urnas em 2008, ratificada pelo povo equatoriano por consulta popular ano
passado. Pois, apesar de tudo isso, a nova lei foi e continua a ser
sistematicamente bloqueada pelas grandes empresas, nos grandes veículos. Para
eles, é “lei da mordaça”. Para eles e pelos deputados e senadores assalariados
que as empresas mantêm, a soldo, na Assembleia Nacional, e que lá estão para
defender aqueles interesses.
O
que estamos fazendo é claro: democratizar a informação, a comunicação social, a
propriedade dos veículos e meios de comunicação. Por isso mesmo, obviamente,
enfrentamos a acérrima oposição que nos fazem os proprietários dos veículos e
meios de comunicação e dos seus corifeus alugados, que atuam em todo o espectro
político no Equador.
JULIAN
ASSANGE: Recentemente, nesse
programa, entrevistei o presidente da Tunísia, e perguntei a ele, se o
surpreendera o pouco poder que os presidentes têm, para mudar as coisas. O
senhor também observou isso?
Afinal,
o que significa “ter liderança”, “ser líder”? Significa capacidade para influir
sobre os demais. É claro que pode haver boas lideranças políticas, pessoas que
usam a capacidade que têm para liderar, para servir a causa dos outros. E claro
que também há maus líderes – dos quais, lamentavelmente, houve muitos na América
Latina –, que utilizam a capacidade que têm, mas apenas para servir-se dos
demais.
Entendo
que os líderes são importantes sempre, mais ainda em processos de mudança.
É
possível imaginar a independência dos EUA, sem os comandantes que houve lá? Sem
aqueles líderes? É possível imaginar a reconstrução da Europa depois da IIa.
Guerra Mundial, sem os grandes líderes que houve lá? Contudo... Quando se trata
de fazer oposição às mudanças na América Latina, onde há líderes fortes, mas
líderes democráticos e democratizantes, inventam logo que a liderança é
caudilhista, populista, sempre má liderança, nunca boa liderança.
JULIAN ASSANGE:
Presidente Correa…
Na
América Latina, no Equador, hoje, não estamos administrando um sistema:
estamos mudando um sistema. Porque o sistema que nos acompanhou ao longo
de séculos foi fracasso total. Fez de nós a região de maior desigualdade no
mundo, onde só a miséria é muita, a pobreza, e numa região que tem tudo para ser
a região mais próspera do mundo. As coisas aqui não são como nos EUA.
Que
diferença há entre Republicanos e Democratas, nos EUA? Há mais diferença entre o
que eu penso pela manhã e o que eu penso à noite, do que entre um Republicano e
um Democrata norte-americano [Assange ri]. Isso acontece porque, lá, estão
administrando um sistema.
Nós,
aqui, estamos mudando um sistema. Aqui as lideranças são necessárias e
importantes. Aqui, é indispensável o poder ser legítimo e democrático, para que
a mudança seja legítima e democrática, para que se mudem as estruturas e a
instituições e a institucionalidade nos nossos países, agora em função das
grandes maiorias.
JULIAN
ASSANGE: Minha impressão é
que o presidente Obama não é capaz de controlar as enormes forças que se movem à
volta dele. Será sempre assim, com todos os tipos de líderes? Como o senhor
conseguiu introduzir tantas mudanças no Equador? Será sinal dos tempos que
vivemos? Será resultado de sua liderança pessoal? Da força de seu partido? Que
força, afinal – é o que quero saber – é essa, que permite que o senhor faça
algo, no Equador, que Obama não consegue fazer, nos EUA?
É
erro imaginar que o que está sendo feito no Equador esteja sendo feito por mim.
É erro. Os povos mudam, os países mudam. Não precisam de liderança para mudar.
Talvez precisem de algum tipo de líder para coordenar. Mas se o país muda, é por
vontade de todo o povo. Nosso governo foi levado ao poder pela indignação de
todo o povo equatoriano.
Talvez
aí esteja o que ainda falta, um pouquinho, ao povo norte-americano, para que o
presidente Obama obtenha capacidade para promover mudanças reais no país. Que a
indignação que já está nas ruas, esse “Occupy Wall Street”, esse protesto de
cidadãos comuns, normais, contra o sistema, que ganhe impulso, que se torne mais
orgânico, mais permanente. E que, nesse caso, dê forças ao presidente Obama para
que possa fazer as mudanças pelas quais o sistema terá de passar, nos EUA.
JULIAN
ASSANGE: Quero saber até que
ponto o senhor acredita que o Equador irá, no longo prazo, até onde irá a
América Latina. Acho que, até certo ponto, há boas coisas, como se sabe, a
integração continental na América Latina, a melhoria nas condições de vida, e o
fato de que os EUA e outros países têm, a cada dia, menos influência na América
Latina. Mas... Onde o senhor acredita que estará, dentro de dez, vinte anos?
JULIAN
ASSANGE: [ri] Talvez venha a
ser o Consenso de São Paulo.
Tenho
muitas esperanças. Sou muito realista. Sei que avançamos muito, mas muito ainda
temos de andar. Sei que o que já andamos não é irreversível, que podemos perder
tudo, se os mesmos de sempre voltarem a dominar nossos países. Mas estamos muito
otimistas.
Acreditamos
que a América Latina está mudando e, se continuarmos por essa rota de mudança, a
mudança será definitiva. Nossa América não está passando por uma época de
mudança, mas por uma mudança de época. Se mantivermos nossas políticas de defesa
da soberania, com políticas econômicas nas quais a sociedade controla o mercado,
não que o mercado domina a sociedade e converte a própria sociedade, as pessoas,
a vida, em mercadoria. Se mantivermos essas políticas de justiça e igualdade
social, superando imensas injustiças, de séculos, sobretudo no que tenham a ver
com os grupos nativos, os afrodescendientes, etc., a América Latina terá um
grande futuro. É a região do futuro. Temos tudo para sermos a região mais
próspera do mundo. Se temos conseguido pouco, foi pelas políticas más, pelos
maus dirigentes, maus governos. E isso está mudando nessa nossa América.
JULIAN
ASSANGE: Obrigado,
presidente Correa...
JULIAN
ASSANGE: Obrigado. [risos]
E cuide-se. Não deixe que o matem.
_________________
Nota dos
tradutores
[1] BECERRA,
Martín e LACUNZA, Sebastián. Wiki Media
Leaks: La relación entre medios y gobiernos de América Latina bajo el prisma de
WikiLeaks. Buenos Aires: ed. B. 2012 [abr.]. Sobre o livro ver
Brasilianas.org, 3/5/2012, em: Comentário
fora de pauta.
Esta entrevista tem que ser divulgada por todos os meios possíveis, usando-se a blogosfera à exaustão. E uma das mais contundentes e esclarecedoras matéria sobre o poder da mídia na América Latina e da sua capacidade aniquiladora de qualquer tentativa de avançar na democratização dos seus Países.
ResponderExcluirPrezado Álvares de Souza
ExcluirVocê pode ajudar. É só copiar/colar esta entrevista com a respectiva url num e-mail e distribuir para sua lista. Também pode solicitar aos seus correspondentes que repassem exaustivamente a postagem.
Obrigado e abração
Castor