(a ser publicado no periódico peer-reviewed Television and New
Media)
11/5/2012, Whitney
Phillips, Scholars Bank, University of Oregon - 2a. Parte
(to be published in
peer-reviewed journal Television and New Media)
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Como
chegamos até aqui?
Christopher "moot" Poole |
Como já dissemos, o 4chan foi criado em 2003 por moot, então com 15 anos. Começou
como página que abrigava um fórum Something Awful, SA [Alguma Coisa
esquisita], com um subfórum chamado “Anime Death Tentacle Rape Whorehouse,
ADTRW” [Bordel do Estupro do Tentáculo da Morte do(s) Anime]. moot
era contribuidor regular do subfórum ADTRW, e queria arquivar
contribuições de outros usuários de SA (chamados “goons” [1]) (FAQ
2010). O 4chan começou a atrair usuários de
fora do pretendido subfórum, e rapidamente, logo depois de criado, passou a ser
destino específico, com léxico próprio e normas específicas de comportamento.
Uma
daquelas normas levou à apropriação da palavra “troll”. Embora muitos dos primeiros
usuários do 4chan fossem ligados ao fórum SA, e
em geral se autoidentificassem como goons, a palavra “troll” e seus derivados [trollar,
trollagem e outros] passou a ser preferida no /b/ board do 4chan. Mais importante que isso,
aqueles pioneiros abraçaram, em grupo, um tipo especial de atitude em relação
aos seus alvos-objetos – o lulz, corruptela de “lol” (sigla para “laugh out loud”/rir alto, gargalhar).
Como
Schadenfreude, o lulz também nasce da desgraça ou má-sorte dos
outros. Mas, diferente de Schadenfreude, que implica gozo passivo de
desgraças “medianas”, o agente do lulz sempre é ou a fonte direta da
desgraça do seu objeto-alvo, ou, no mínimo, deu ou está dando “uma passada” na
festa onde se reúne o grupo dos “culpados”.
Embora
muitos dos trolls com os quais
trabalhei insistam em que o lulz seria riso justo, a maior
quantidade de lulz verifica-se sempre que o alvo é
negro (sobretudo afro-americanos), mulher, gay e lésbica. Isso não
implica dizer que grupos historicamente dominantes sejam à prova de lulz: católicos, Republicanos e
brancos em geral sempre geraram muitas gargalhadas de trollagem. O trolls creem que nada deva ser levado a
sério; por isso têm atitude de oposição agressiva e com forte marca de gênero
sempre que cruzam com sentimentalismo ou com qualquer simples rigidez ideológica
– ou com qualquer pressuposto rigidamente ideológico.
Lulz |
Com
o lulz ativado como âncora e farol de
comportamento, a cultura da trollagem
começou a expandir-se. Em 2006, e como extensão da própria retórica de enxame
com a qual já estavam familiarizados (“nenhum de nós é tão cruel como todos
nós”), os trolls de /b/ adotaram a identidade de coletivo
anônimo. Especificamente, passaram a chamar-se, em massa, “Anonymous”.
Infelizmente,
não é possível saber em que momento o substantivo “anonymous” gerou a forma adjetiva “Anonymous”: Encyclopedia
Dramatica, uma página Wiki
devotada a tudo que se referisse à trollagem, com entradas geradas por
usuários desde 2004, foi apagada pelo fundador Sharrod DeGrippo em 2011. Embora
a página de abertura de cada entrada tenha sido salva, resultado da intervenção
de emergência feita por Web Ecology,
todos os postados de antes de 2011 foram perdidos.
Mas,
graças aos conteúdos gerados por usuários em outras páginas, ainda é possível
traçar, pelo menos nos grandes traços, um cronograma das transformações da
subcultura de /b/. No caso dos Anonymous, e baseada em várias entradas
do Urban Dictionary, onde há uma entrada para “Anonymous” linkada a /b/ e 4chan, sabe-se que a palavra “Anonymous”, como designativo coletivo,
estava em circulação em 2006. As mesmas entradas mostram que, em 2007, os Anonymous já haviam gerado e distribuído
o Anonymous Credo (também conhecido pela variante “O Código dos Anonymous” [The Code of
Anonymous], o qual desde então passou por várias versões, mas que foi
lançado sob um compromisso, irônico, em certo sentido: “We are Anonymous, and
we do not forgive” [“Somos Anonymous e não perdoamos”] (UD 2007).
Naquele
início, os Anonymous apareciam
personificados pelo “greenman” [homem verde], um avatar bem vestido, cuja
cabeça aparecia encoberta pela frase “no photo available” [não há foto
disponível]. Em termos retóricos, nada disso acontecia por acaso: desde o
início, entendia-se que “Anonymous”
era um coletivo interligado por laços frouxos, animado por incontáveis agentes
sem nome. Quando os anons referiam-se
às experiências dos Anonymous, faziam
referência tanto ao poder retórico do coletivo sem rosto como aos seus efeitos
no comportamento.
De
início, o greenman ficou confinado a interações dentro da página. Os trolls citavam os Anonymous (e anons individuais) no 4chan, e usavam o apelido, ao
participar de fóruns para raids [ataques] fora da página (i.é, ao definir
áreas para ataques anônimos organizados, mas raramente o usavam em círculos de
não iniciados. Na medida em que a subcultura crescia, contudo, os anons começaram a citar os Anonymous em fóruns públicos, inclusive
no Urban Dictionary e em YouTube. Mesmo assim, em meados de 2007,
só os próprios anons davam sinais de
interesse pelos Anonymous e falavam
do coletivo.
Então,
dia 27/7/2007, o canal Fox News levou
ao ar o hoje infame “Report on
Anonymous” [Relatório sobre os Anonymous]: “Eles se chamam “Anonymous” – diz o locutor-âncora John
Beard. “São hackers turbinados, que tratam a rede como um videogame da
vida real (...) assaltam e saqueiam websites, invadem contas de Myspace, atormentam pessoas inocentes
(...). E, se você reagir, tome cuidado!” Adiante, na mesma emissão, o repórter
Phil Shuman descreve os Anonymous
como “gangue hacker” e “máquina de ódio da internet”, em “surto de
destruição”. “Eu tinha sete senhas diferentes, e ele roubaram todas, até agora”
– diz uma entrevistada. “Para mim, são terroristas domésticos”, insiste outra,
opinião que aparece ilustrada por imagens da explosão de uma caminhonete.
Shuman
apresenta os Anonymous como gangue
clandestina e impiedosa. Uma mulher, mãe, enfrentou ataques repetidos por
telefone e foi obrigada a comprar um cão de guarda; um adolescente, David, foi
abandonado pela namorada, quando hackers postaram “fotos de sexo
gay” em sua página em Myspace;
vários estádios receberam ameaças de bombas – informação que adiante
descobriu-se que era falsa. Na mesma matéria, um ex-membro dos Anonymous – de costas, de boné, com a
voz distorcida, presumivelmente para protegê-lo de represálias – acusa a dita
“gangue hacker” de ter ameaçado sequestrá-lo e matá-lo. Na cena seguinte,
a mãe cuja família foi atacada, e cuja identidade não é revelada (voz
off), aparece cerrando janelas e cortinas, enquanto diz: “Será que [o
FBI] fará alguma coisa, depois de um de nós aparecer morto? É provável” (“FOX
11”
2007).
A matéria do canal Fox “Report
on Anonymous” chegou no mesmo dia ao Youtube [2]
; até
hoje, já recebeu cerca de dois milhões de visitas e recolheu mais de 20 mil
comentários de internautas. Postado de DancingJesus94 captura o espírito dessas
reações: “UAU” – escreve ele ou ela. “Fox deu a maior força aos trolls, e com o máximo de lulz
possível. O ego dos Anon vai
explodir de felicidade, agora que a televisão os apresentou como perigosos
bandidos que, só de pensar nisso, já conseguem invadir computadores” (2010). Em
outras palavras: para os Anonymous,
foi a consagração.
Em
consequência, as expressões “hackers turbinados”, “gangue de
hackers e “Máquina de Ódio da Internet” [“hackers on steroids”,
“hacker gangs” e “the internet hate machine”] foram imediatamente
integradas ao léxico da trollagem,
bem como a imagem da caminhonete explodindo – que recebeu o nome de “Caminhonete
de Festas do 4chan” [4chan party van] e é
exibida sempre que a polícia investiga ataques de trollagem (“getting
v&” [pegar a van&] passou, desde então, a ser versão taquigrafada de
“ser preso”).
O
4chan recebeu enorme divulgação e
forte impulso de Relações Públicas, a partir do programa da Fox; mas, além
disso, recebeu ali tratamento muito eficaz, do ponto de vista publicitário, de
implantação e difusão de uma nova marca. Douglas Thomas descreveu fenômeno
similar, em seu estudo sobre a cultura hacker, especialmente da “nova
escola” de hackers do início dos anos 1990s. Como Thomas explica, “A
imprensa, a mídia, como o público (...) aprenderam a esperar o pior, dos
hackers; como resultado, os hackers passaram a oferecer-lhes
imagem correspondente, mesmo que seus “ataques” não passem de brincadeiras
inofensivas” (2002: 37).
Ao
definir os Anonymous (e os seus trolls) como elementos socialmente
desviantes, a rede Fox News
ofereceu-lhes uma griffe comportamental – além de ter deixado no ar a
promessa de que comportamentos semelhantes também receberiam generosa cobertura
da emissora.
Embora
Fox News não tenha criado os Anonymous, o Relatório “Fox
11” sobre
eles deu aos Anonymous plataforma
nacional, a partir da qual os trolls
construíram estruturas cada vez maiores. O que antes fora uma página
underground, conhecida só dos poucos participantes ativos, tornou-se
“marca” e conceito genérico: os Anonymous só passaram a aparecer muito
em matérias da mídia-empresa depois de o Relatório “Fox 11” ter ido ao ar pelo canal Fox (“Internet Justice” 2007).
O
segundo grande catalisador dos Anonymous apareceu em janeiro de 2008,
quando Nick Denton postou em Gawker
um vídeo incômodo, em que se via Tom Cruise rindo de modo, talvez, “histérico”,
e elogiando a Igreja da Cientologia. Intimado pela Igreja da Cientologia, Denton
recusou-se a remover o vídeo; disse que era “notícia” (Denton 2008); em resposta
à tentativa de a Igreja censurar o vídeo, alguém postou um comentário em /b/, sugerindo reação (“Plan” 2008). Assim começou o Projeto Chanology, o mais ambicioso projeto de
ataque dos Anonymous até aquele
momento. Embora os Anonymous de modo
algum fossem o primeiro grupo a por os olhos na Igreja da Cientologia (Coleman
2010), foram os que tiveram mais sucesso. Uma semana depois de Denton ter
publicado o vídeo das risadas de Cruise, os Anonymous divulgaram sua, hoje, já
icônica Message to Anonymous (“Message” 2008); e dia 10/2/2008,
centenas de manifestantes protestaram, em todo o país, à frente de centros
locais da Igreja da Cientologia, em várias cidades. Para
preservar o anonimato, os anons que
participaram das manifestações usavam máscaras de plástico de Guy Fawkes,
referência ao que então era conhecido no 4chan como “Epic Fail Guy”, figura aplicada num
adesivo, que indicava fracasso e desapontamento – exatamente a mensagem que os
anons desejavam transmitir sobre a
doutrina da Cientologia. Imagens dos manifestantes, sobretudo dos que usavam
máscaras de Guy Fawkes, foram vistas em todos os noticiários. Dois dias depois
dos primeiros protestos, os Anonymous
ganharam seu primeiro verbete na Wikipedia.
Com
os Anonymous e sua nave-mãe, /b/ board, ganhando cada dia mais
destaque cultural, a mídia-empresa aplicou-se ainda mais na cobertura. Movimento
que, por sua vez, criou muito ampla ocasião para muito lulz, o que atraiu cada vez mais
cobertura da mídia, a qual engendrou mais conteúdo original e... mais cobertura
nas televisões e jornais. O canal Fox
News assumiu a vanguarda do sensacionalismo, com Bill O’Reilly liderando a
matilha. Depois que um anon invadiu a
conta de Sarah Palin em Yahoo,
O ’Reilly denunciou o 4chan como “uma das páginas mais
imundas, nojentas e desprezíveis da internet” (Popkin 2008) e exigiu que o FBI
tomasse medidas drásticas (“Palin”2008; “Hackers” 2008).
Os
Anonymous colheram a oportunidade
para declarar guerra aberta contra o canal Fox News, particularmente contra
O’Reilly. Depois da invasão à página de Palin, trolls invadiram a página de O’Reilly e
divulgaram informações sobre frequentadores e os endereços pessoais e
profissionais de O’Reilly (Danchev 2008). A mesma tática foi usada também em
resposta a um segmento do programa Talking Points/Confronting Evil, no qual
O’Reilly dizia que:
“A
página da extrema-esquerda radical conhecida como “4chan” está distribuindo pornografia
infantil para pedófilos da internet”
(O’Reilly 2009).
Um
ano depois, os Anonymous iniciaram a
“Operation Bill Haz Cheezburgers”
[aprox. “Operação Bill ‘tá côs xizburguers”], mais uma tentativa para derrubar a
página. Mas, diferente de outras vezes, aquela operação foi planejada para matar
com gentileza. Um anon
escreveu:
“Tentem
não mandar material obsceno para ele. Sem material obsceno, quando ele pirar no
programa, ninguém se solidarizará com ele e todos o verão como doido varrido,
que diz aquelas coisas horríveis daqueles gatinhos tão
bonitinhos”.
Durante
algumas horas, na sequência, Anonymous enviaram para O’Reilly
centenas de mensagens com elogios os mais incoerentes e sem sentido, e montanhas
de imagens de coelhinhos, patinhos e gatinhos, muitas das quais exibiam, como
título, a frase “The Internet Love
Machine” [Internet, Máquina de Amor]. Em dado momento durante o raid,
alguém lembrou de redistribuir o endereço da casa de O’Reilly. Imediatamente
começaram a chegar pizzas de pepperoni enviadas para aquele endereço,
e um Anon distribuiu foto alterada do
rosto de O’Reilly, com a frase: “O quê?! Não encomendei pizza alguma. E nem
gosto de abacaxi” [“What? I didn’t order any pizza. I don’t even like
pineapples” (“Operation Bill Can Haz
Cheezburgers” 2009).
Em
resumo, as várias respostas de Fox contra os Anonymous, o 4chan e os trolls em geral, ajudaram a ampliar e
reforçar os contornos do que, naquele momento, era ainda fenômeno localizado,
mas que, em pouco tempo, emergiu como sólida subcultura. Essas histórias
ampliaram não só o léxico da
trollagem; também forneceram aos trolls farto material memético e
ajudaram a legitimar o desenvolvimento de uma “identidade troll” bem marcada, deliberada e
altamente identificável e reconhecível. O canal Fox News, ao comandar a carga contra
eles, deu aos trolls as principais
coordenadas para traçarem sua face pública. Os trolls gostaram, ocuparam o espaço,
armaram suas barracas e, graças a uma mídia-empresa-imprensa cada vez mais
autorreferente e repetitiva, encontraram fonte praticamente infinita de
alimento. Os Anonymous
fortaleceram-se, e a mídia-empresa-imprensa perdeu o rumo, dividida entre nutrir
e punir aquela sua prole amaldiçoada.
[Continua]
[Continua]
Notas
dos tradutores
[1]
Na origem, são personagens das histórias de Popeye: “Os Goons são estranhos habitantes da Ilha dos Goons, que já
mantiveram o pai do Popeye preso. Mas quando Popeye foi à ilha resgatá-lo, pai e
filho conseguiram acabar com os Goons, e sair da ilha”.
[2] “Anonymous on FOX11”
pode ser visto a seguir:
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