19/5/2012,
Yorgos Mitralias Γιώργος Μητραλιάς –
Rede Tlaxcala
Traduzido
do francês pelo pessoal da Vila
Vudu
Yorgos Mitralias é membro fundador
do Comitê contra a Dívida Grega, organização afiliada do Comitê
para a Anulação da Dívida dos Países do Terceiro Mundo (CADTM)
.
Yorgos Mistralias |
Espantalho
para “os de cima”, esperança para “os de baixo”, a Coalizão SYRIZA faz entrada
triunfal no cenário político dessa Europa em crise profunda. Tendo
quadruplicado a própria força eleitoral dia 6/5, SYRIZA ambiciona agora, não só
se tornar o primeiro partido nas eleições gregas de 17/6, mas, sobretudo, formar
governo de esquerda que cancelará as medidas de “austeridade”, repudiará a
dívida e expulsará, do país, a Troika. Não é surpresa, portanto, que
SYRIZA intrigue tanto também fora da Grécia, e que praticamente todo o mundo
interrogue-se sobre sua origem e verdadeira natureza, objetivos, ambições.
Mas
SYRIZA não é assim tão plena novidade, na esquerda europeia. Formada em
2004, a
Coalizão da Esquerda Radical (SYRIZA) já atrairia a atenção dos politólogos e da
imprensa internacionais, porque, desde o surgimento, é formação política
completamente inédita e original, na paisagem da esquerda grega, europeia e
mundial. Para começar, por sua composição.
Formada
da aliança do partido Synaspismos (“coalizão”), partido reformista de
esquerda, de vaga origem eurocomunista e com representantes no Parlamento, com
uma dezena de organizações de extrema esquerda – que cobre praticamente todo o
espectro, trotskistas, ex-maoístas e do “movimentismo” – a Coalizão da Esquerda
Radical já era, desde o surgimento, rara exceção à regra que fazia crer – e
continua a fazê-lo – que os partidos mais ou menos tradicionais, postados à
esquerda da social-democracia, jamais se aliariam a organizações de extrema
esquerda.
Coalizão Syriza (logo) |
Mas
a originalidade de SYRIZA não para aí. Concebida como aliança sobretudo
conjuntural e eleitoral (foi fundada pouco antes das eleições de 2004), a
Coalizão SYRIZA resistiu ao tempo e soube sobreviver aos altos e baixos, aos
sucessos e principalmente aos fracassos e crises, para tornar-se grande exemplo
de uma realidade que a esquerda radical internacional sofre para alcançar: a
convivência de diferentes sensibilidades, correntes e até organizações, numa
mesma formação política da esquerda radical.
Oito
anos depois do nascimento da Coalizão SYRIZA, a lição a extrair salta aos olhos:
sim, essa convivência não só é possível, como é também produtiva e frutuosa e,
no longo prazo, autoriza a esperar por sucessos ainda
maiores.
Mas,
pode-se perguntar, como essa dúzia de “componentes” tão heteróclitos da Coalizão
SYRIZA puderam encontrar-se e, em seguida, por-se de acordo e conseguir
convivência organizacional tão original e tão duradoura? É pergunta pertinente e
merece resposta detalhada e aprofundada. Não, o “milagre” de SYRIZA não caiu do
céu nem aconteceu por acaso. O grupo amadureceu durante longo tempo e,
principalmente, germinou nas melhores condições possíveis, nos movimentos
sociais e alteromundistas dos últimos 15 anos.
Pode-se
dizer que tudo começou há 15 anos, em 1997, com a constituição do ramo grego do
movimento das Marchas Europeias [orig. Marches Européennes] contra o
desemprego. Não foi apenas um primeiro passo na direção do que adiante se
conheceria como o movimento altermundista dos Fóruns Sociais. Mais especialmente
na Grécia, as Marchas Europeias tiveram outra função, talvez mais importante, de
fazer algo que, até ali, parecia impensável: unificar a esquerda, na ação. Nas
Marchas Europeias, viam-se sindicatos, movimentos sociais, partidos e
organizações da esquerda grega (inclusive o KKE, pelo menos, durante algum
tempo!), que jamais antes se haviam encontrado e que, em muitos casos,
ignoravam-se uns os outros, ali postos lado a lado, para participar de um
movimento europeu absolutamente sem precedentes, ombro a ombro com sindicatos,
movimentos sociais e correntes políticas de outros países, a maioria dos quais
absolutamente desconhecidos na Grécia.
Não
é acaso, portanto, que esse primeiro golpe assestado contra o sectarismo
visceral que sempre caracterizou a esquerda grega tenha gerado cenas
emocionantes de reencontros, em alguns casos, quase sessões de psicodrama, entre
militantes que, até ali, absolutamente não sabiam uns da existência dos demais e
que, de repente, descobriam que “o outro” nem era muito diferente deles mesmos.
A mistura claramente estava ‘dando liga’, com cada vez mais militantes gregos
que saíam do país e descobriam a realidade de militantes europeus em carne e
osso, os quais, antes, para os gregos, não existiam.
Fortalecidos
nessa primeira aproximação pela ação, tanto mais firme, porque acontecia dentro
de um novo tipo de movimento social, a maioria dos diferentes elementos
políticos que compunham as Marchas Europeias gregas participaram, desde 1999, de
uma segunda experiência original, que viria a aprofundar a necessidade de que
todos se unissem. Foi o Espaço de Diálogo e Ação Comum [orig. Espace de
Dialogue et d’Action Commune] que, ao aprofundar o necessário debate
político e programático, preparava os espíritos para a experiência seguinte,
unitária e movimentista – o Fórum Social, que marcaria profundamente a evolução
da esquerda grega.
Com
o enorme sucesso do Fórum Social, abriu-se caminho para a constituição da
Coalizão da Esquerda Radical, caminho que foi percorrido quase espontaneamente,
na onda de entusiasmo dos anos 2003-4. Os militantes dos vários grupos que
constituíram a Coalizão SYRIZA, que se haviam conhecido nas lutas, que haviam
viajado e participado juntos das manifestações, aos milhares, em Amsterdam
(1997) e Colônia (1999), em Nice (2000) e em Gênova (2001), em Florença (2002),
em Paris (2003) etc., não haviam construído só laços políticos, mas também laços
humanos. Tudo isso levou à fundação de sua Coalizão da Esquerda Radical. E a
Coalizão andava no contrapelo do que se via em outros pontos da Europa, nos
quais uma aliança entre um partido reformista de esquerda e grupos da extrema
esquerda ainda era, simplesmente, impensável...
Apesar
do nascimento tão bem-sucedido, o andamento da aventura de SYRIZA nem sempre foi
tranquilo, longe disso; em vários momentos, a coalizão foi interrompida.
Evidentemente, houve crises de confiança entre o ramo da SYRIZA formado pelo
partido Synaspismos e os parceiros de extrema-esquerda, o que, afinal, era
‘lógico’ e esperado. Mas, com o tempo, a coalizão SYRIZA foi-se homogeneizando,
e a homogeneização trouxe, como efeito, que as crises – como também os debates –
não só atravessavam praticamente toda a Coalizão e cada um dos componentes, mas
também se manifestavam... no interior do próprio partido Synaspismos, ao qual
enfurecia ver as próprias tendências afrontadas e em permanente
recomposição.
Mas
afinal a Coalizão SYRIZA encontrou certa paz interna, depois que, em 2010,
separaram-se da coalizão a ala social-democrata do partido Synaspismos
(da qual nascera a Esquerda Democrática) e seu ex-presidente Alecos
Alavanos. Alavanos, depois de ter “entronizado” seu sucessor, o jovem Alexis
Tsipras, converteu-se em seu mais feroz inimigo. Com isso, a linha política da
Coalizão tornou-se mais clara (e mais à esquerda). E o jovem Alexis Tsipras
instalou-se em autoridade, começou a mostrar serviço e a acumular os primeiros
sucessos que dariam a uma SYRIZA cada vez mais radicalizada, a credibilidade
necessária para poder beneficiar-se das circunstâncias excepcionais criadas pela
crise da dívida. SYRIZA estava então pronta para assumir o papel da formação
política que mais bem encarnaria as esperanças e anseios de fatias inteiras da
sociedade grega em revolta contra as políticas de ‘austeridade, a Troika,
os partidos burgueses e o próprio sistema capitalista.
A
lição a extrair dessa história quase exemplar é clara: feitas as contas, a
história da Coalizão SYRIZA é história de sucesso que só os sectários
impenitentes (e há muitos, na Grécia) ainda tentam negar. Mas a história da
Coalizão SYRIZA está longe de terminar, e a parte séria está apenas começando.
Em resumo, o saldo que se extrai hoje é provisório. Mas infeliz quem disser, já
esperando impacientemente a primeira falta grave ou “traição” de SYRIZA: “Eu bem
que avisei”. Não. O saldo, embora até aqui provisório e inacabado, tem de ser
calculado com rigor, nos (duros) tempos que correm. Ninguém pode dar-se o luxo,
na esquerda radical europeia, de deixar de aproveitar as experiências, sucessos
e fracassos, uns dos outros.
Formação
política cujo programa é marcado sempre por um... toque artístico, a Coalizão da
Esquerda Radical praticamente sempre se equilibrou entre o reformismo de
esquerda e um anticapitalismo consequente. E é possível que tenha extraído sua
força, precisamente, desse oscilar eterno. Mesmo assim, é preciso ser claro: o
que funcionou quase sempre positivamente nos períodos “normais” pode revelar-se
como handicap, ou, mesmo, virar bumerangue, em períodos de crise aguda e
de exacerbamento da luta de classes. Em termos mais simples, a Coalizão SYRIZA,
que conseguiu magistralmente avançar até aqui, se vê transformada, no período de
poucas semanas (!), de pequeno partido minoritário na esquerda grega já
minoritária, em partido dominante, com pretensões de chegar a ser governo. E,
isso, não em um país qualquer, em um momento qualquer, mas nessa Grécia
“laboratório” e caso-teste para essa Europa da ‘austeridade’ em pleno ataque de
nervos...
A
mudança de escala é tão abrupta, que quase dá vertigens. Convertida, em tempo
recorde, de espantalho para os grandes, em esperança dos pobres e sem voz na
Grécia e, mesmo, em toda
a Europa , a Coalizão SYRIZA é convocada hoje a assumir tarefas
absolutamente gigantescas e históricas, para as quais não está preparada, nem
politicamente, nem em termos de organização. Assim sendo, que fazer?
A
resposta tem de ser categórica e clara: Temos, sim, de ajudar SYRIZA! Por todos
os meios. E, desde já, não a deixar só. Nem na Grécia nem na Europa. Em termos
simples, temos de fazer exatamente o oposto do que fazem os que não conseguem
casar suas críticas à Coalizão SYRIZA com a solidariedade e o apoio que temos de
dar à SYRIZA, na sua luta contra o inimigo de classe que é inimigo de toda a
esquerda, em todo o mundo. Apoio crítico, que seja, mas desde que seja apoio
firme. E não para amanhã, mas hoje. Porque, além de divergências de táticas ou
outras, o combate que a Coalizão SYRIZA combate hoje é o combate que todos
combatemos. Abster-se equivalerá ao crime de omissão de socorro, a alguém em
situação de perigo iminente. Ou, melhor dito, a populações e a países inteiros
que estão hoje em situação de perigo iminente, sob grave risco!
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