1/5/2012, The Real News Network (TRNN),
Vídeo: legendas e falas traduzidas
pelo pessoal da Vila
Vudu
Os
trabalhadores protestam no Egito, enquanto o Banco Europeu procura ratificar
empréstimos de $1,5 bilhão de dólares para o Egito.
Danya Nadar
[TRNN]: Condições cada dia mais
difíceis pra os pobres e a classe media foram os principais fatores que levaram
à eclosão, ano passado, do levante da Praça Tahrir. Os trabalhadores egípcios
dizem que a vida só piorou depois que a junta militar substituiu o ex-presidente
Hosni Mubarak.
Trabalhadores do transporte
[legendas]: “O gás de cozinha custa
25
libras egípcias ($5); um quilo de legumes, 7 LE ($1,5); um
quilo de carne, 70 LE ($10,50); um quilo de peixe, 20 LE
($4).”
[Manifestante]: “Pão, liberdade, justiça
social”. “Não há nenhuma justiça social. Nem sinal de que algum dia haja”.
Supervisor do transporte por
trilhos: “Enquanto as demandas dos
trabalhadores e dos pobres no Egito não forem atendidas, as demandas da
revolução não terão sido atendidas. A revolução aconteceu por “liberdade,
justiça social e dignidade humana”. Os homens do governo continuam, como antes,
a só pensar nos próprios interesses deles.”
Danya Nadar: Desde o início de 2012,
instituições financeiras internacionais negociam empréstimos que, dizem elas,
ajudarão a reconstruir a destroçada economia egípcia. O Banco Europeu de
Reconstrução e Desenvolvimento [orig. European Bank for Reconstruction and
Development, também chamado EBRD], espera aprovação de seus
acionistas para emprestar $1,5 bilhão de dólares, por ano, ao Egito.
Será
a primeira vez, desde que foi criado, que o EBRD empresta dinheiro a país do
Oriente Médio. Em fevereiro de 2012, o EBRD publicou informe técnico de
avaliação do país, e recomendou que prossigam as políticas de privatização já
aplicadas no Egito há mais de 20 anos.
Fatma Ramadan,
vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Independentes do
Egito: “Os trabalhadores sempre
manifestaram sua opinião sobre a privatização, em passeatas, greves,
manifestações em
frente ao Parlamento e, isso, ao longo dos últimos anosa. Era
frequente encontrarmos empregados de cinco ou seis empresas manifestando-se, ao
mesmo tempo, em frente ao Parlamento.
Dia 1º de maio de 2010, houve mais uma manifestação
em frente ao
Parlamento , trabalhadores de várias indústrias:
telecomunicações [Amoncito], [Tanta le Ketan], ou Ghazly Shebeen e de várias
empresas privatizadas, todas lá, simplesmente, para dizer “a privatização
arruinou nossa existência”, “privatização destruiu a empresa”, “a privatização
acabou com nossos empregos” etc. Tudo que diziam e cantavam era que somos contra
a privatização e queremos as empresas outra vez em mãos públicas.”
[Mulheres
cantando]: Oh, egípcios, os
investidores arruinaram nossos lares.
Amr Ismail Adly, Diretor da
Iniciativa Egípcia por Direitos Individuais, Justiça Social e Igualdade
Econômica:“O que mais surpreende na
avaliação técnica feita pelo EBRD é que ainda fala de novas empresas disponíveis
para serem privatizadas. Não tenho qualquer problema com a privatização em si,
não acho que o Estado deva ser o único proprietário de tudo, nada disso. O
problema é que, agora, falam de privatizar empresas que nunca, nem no tempo de
Bubarak foram consideradas privatizáveis. Falam hoje, por exemplo, de privatizar
o que chamam de “instalações e serviços urbanos”, quer dizer, de água potável,
infraestrutura nas grandes cidades, como se o Estado devesse ceder a propriedade
nesses campos a investidores privados, egípcios e estrangeiros. É fácil entender
que a água potável é fator crítico de sobrevivência para toda a vida pessoa,
social e econômica e é um direito humano essencial.”
[Manifestantes]: Não se vê investimento! Só
se vê imperialismo!
Danya Nadar: O plano do EBRD é focar os
projetos de privatização e investimento em negócios médios e pequenos, para
assim, como dizem, começar a criar empregos.
Amr Ismail
Adly: A economia egípcia vinha
crescendo, de 2006
a 2010 em ritmo impressionante, 6,5-7% ao ano, o que é
historicamente sem precedentes. Mas, ao mesmo tempo, a miséria, o desemprego, e
os empregos de baixa produtividade que foram criados no mercado informal, sempre
muito mal remunerados, virou regra para a maioria da população. Essa foi a causa
dos protestos sociais e econômicos que aconteciam no Egito desde 2005 e
culminaram no levante popular de janeiro.
Fatma Ramadan: “Em 2002-2003, vimos cerca
de meio milhão de trabalhadores empurrados para a aposentadoria, por causa da
privatização. O pessoal que comprou as empresas queria as empresas, não os
empregados. O governo Mubarak, tentando livrar-se dos seus empregados, para
conseguir comprador para as empresas públicas, fez aprovar uma lei que criou uma
“pensão para aposentadoria precoce”, que obrigava o trabalhador a aposentar-se,
mesmo que pudesse continuar a trabalhar. Com isso, o governo lançou milhares de
pessoas na rua, na miséria. Os trabalhadores que receberam alguma indenização,
rapidamente consumiram aquele dinheiro e, embora fossem perfeitamente
qualificados para encontrar outros empregos, já não encontraram emprego algum. É
comum encontrar alguns desses companheiros, hoje, varrendo ruas, quando, há
pouco tempo, estavam conosco no sindicato.”
Amr Ismail
Adly: “Um dos problemas da
economia na qual opera a maioria dos novos investidores privados é que estão em
setores extremamente intensivos em energia e capital, mas absolutamente não
criam empregos e não contribuem para o bem-estar das sociedades onde operam.”
Danya Nadar [mostra gráficos
do Banco Mundial]: Esse gráfico do Banco
Mundial mostra que o desemprego e a desnutrição aumentam, no Egito, desde 2004.
Durante o mesmo período, a inflação foi às alturas, a quase 30%. E o salário
mínimo é, hoje, o mesmo dos anos 1980s.
Manifestante: “Como um trabalhador pode
viver com salário de LE 110 ($20)? Um quilo de açúcar custa LE8 ($1,2). E como
pagar escola, eletricidade, sempre aumentando? E o gás, a água, o transporte?
Dissemos, faz tempo, que isso não basta para manter vivo nem o trabalhador
sozinho, imagine manter esposa, crianças, a casa. Quando o governo anuncia que
vai aumentar o salário mínimo em 17%, as pessoas nem se dão conta de que 17% de
LE110 são só LE 17,5 ($3). Não há justiça. Há os muito ricos e o resto, todos
nós, muito abaixo. Alguns estão ganhando milhões e outros têm de sobreviver com
centavos. Houve gente que quase morreu de susto quando soube dos milhões que nos
roubaram.”
Danya Nadar: Muitos casos de corrupção
no processo da privatização vieram a público nos anos de Mubarak, quando
patrimônio público foi vendido a preços muito baixos, e transferido para as mãos
de alguns poucos que, na maioria dos casos, mantinham relações íntimas com o
governo.
Khaled Abdel Gawad, operário
da Legrand Company: “Até esse momento, ainda não
temos nenhum direito nessa empresa. Nem salário digno, nem aposentadoria, nada
disso. É o resultado das leis do governo corrupto de Mubarak. As leis aprovadas
no Parlamento sempre favoreceram os empresários. Todos os membros do parlamento
eram empresários.”
Fatma
Ramadan:
“Esses operários reuniram-se e moveram uma ação contra seis empresas
privatizadas, entre as quais Tanta le Kettan, Ghazly Shbeen, Maragel el
Bokhareya e Omar Effendi. Ganharam a ação, a privatização foi revertida e as
empresas voltaram à propriedade do estado, sobretudo por duas razões: corrupção
comprovada no processo de venda das empresas e desrespeito à lei que ordenava
que os novos proprietários respeitassem os contratos de trabalho vigentes.
Agora, o estado está acionando os trabalhadores que fizeram reverter aqueles
processos de privatização, porque não querem receber as empresas de volta. Mas
os operários sempre se manifestaram contra a privatização, desde antes de ela
acontecer, porque a privatização, na opinião deles, não interessa nem ao país
nem as próprios trabalhadores.”
Danya Nadar: Não faz diferença, de
fato, que o aEBRD empreste dinheiro ao governo egípcio ou ao setor privado. Nos
dois casos, o dinheiro chegará às mãos de empresários ou de funcionários do
governo que mantêm estreitos laços com a junta militar que governa a política e
a economia do Egito há 60 anos.
Supervisor de transporte
urbano: “Na Revolução de 25 de
Janeiro, houve mártires e feridos que se sacrificaram pela esperança de mudança.
Hoje se vê que derrubamos a cabeça do regime, mas todo o resto do establishment, que também são restos
do regime, continuam no poder. Eles estão por toda parte: nas empresas, nos
bancos, na política, nas empresas de comunicação e mídia, em hordas.”
Manifestantes: “Abaixo o regime militar.
Abaixo a corrupção!”
Khaled Abdel Gawad, operário
da fábrica Legrand Company x2: “O problema são as leis.
Essas leis são aprovadas, mas são sempre injustas com os trabalhadores. Nosso
problema é que as leis que foram aprovadas pelo antigo regime sempre tiveram
impacto negativo sobre os trabalhadores e, com isso, a vida dos egípcios médios
foi ficando cada vez mais miserável.”
Manifestantes: “O assassino de egípcios não
pode governar o Egito.”
Danya Nadar: O EBRD também está
propondo que se façam parcerias público-privadas (PPPs) no setor de transporte e
energia, e na infraestrutura municipal. São projetos que já existem no Egito
desde 2007. Os críticos dizem que o EBRD ignora a devastadora corrupção e o
capitalismo ‘de padrinhos’ associados a esses projetos, hoje como sempre.
Amr Ismail
Adly: “O
problema inerente da PPPs é que esse tipo de parceria é sempre muito vulnerável
à corrupção. E não temos, no Egito, um quadro de regulação e leis que garanta
que os deveres do estado sejam tão firmes e claros quanto os do setor privado,
no que tenha a ver com o bem-estar social. E há também o risco de que os lucros
se encaminhem todos para o setor privado que, no caso do Egito é uma rede de
grandes empresários com muitos laços de relacionamento com o Estado, ou para as
empresas transnacionais envolvidas em mega projetos de construção de
infraestrutura. Esse problema é muito grave. Seria preciso revisar toda a
legislação, que terá de obrigar a haver muito mais transparência do que jamais
houve no Egito.”
Trabalhador da Fábrica
Legrand: “Estamos exigindo que o atual
governo corrija as leis que favorecem os investidores. Para os investidores, o
Egito é um grande país para receber investimentos: a mão de obra é barata, os
materiais são baratos, não há barreiras comerciais, o país está geograficamente
localizado num ponto central... Por isso, querem investir aqui. A terra é
vendida a eles a preço de areia, e acertam-se entre eles, de modo que pareça que
estão investindo e “criando empregos”. Mas, se já recebem tantas facilidades,
por que os investidores não pagam salários decentes aos trabalhadores? Temos
direito de criar decentemente os nossos filhos e manter padrão de vida digno.”
Amr Ismail
Adly: “As
dificuldades têm a ver com os próprios termos das leis e dos contratos. Muitas
vezes, ou quase sempre, os termos dos contratos favorecem demais os
investidores. Mesmo que os negócios pareçam formalmente legais, os próprios
termos dos contratos são tão desiguais, o governo tem sempre de pagar tanto,
para cada empresa que se estabelece no Egito, que o país perde sempre muito mais
do que ganha.”
[Manifestante]: “A greve é luta legítima,
contra os restos do regime deposto. Revolução, revolução, até a vitória. Hoje, é
a prisão de Tora que governa ao Egito.”
Fatma
Ramadan:
“Os trabalhadores foram decisivos, nos últimos 3, 4 dias antes da queda de
Mubarak. A junta militar supôs que, se deixassem a revolução prosseguir, o mundo
se acabaria – o que seria extremamente perigoso para o establishment. Por
isso resolveram livrar-se de uma pessoa, e preservar o regime, em vez de
permitir que a revolução prosseguisse até conseguir desmontar todo o sistema que
privatiza etc..”
Amr Ismail Adly: “O que se vê na avaliação
técnica feita pelo EBRD é que ignoraram absolutamente tudo que aconteceu,
ignoraram a revolução e a história das privatizações no Egito. Por isso
continuam a ver, conceitualmente, desenvolvimento ‘igual a’ privatizações e
liberalização externa, como se nada tivesse mudado. Nos dois últimos anos do
governo de Mubarak, os neoliberais já avaliavam que o Egito seria caso de
sucesso da liberalização, ou, pelo menos, do que chamam de liberalização
externa, que significa, mesmo, liberalização comercial e das finanças, e
privatização de tudo, a qualquer custo.”
[Manifestantes] “O Marechal de Campo é a cara
da opressão! Diga, Marechal de Campo: quanto ganha por mês?”
Amr Ismail
Adly: “Mas
não sei que história de sucesso seria essa, em anos que levaram a uma revolução
que aconteceu, sobretudo, por causa das terríveis condições sociais e econômicas
que temos aqui. Onde está o sucesso? Sucesso de quem? O Egito ainda não viu
sucesso algum!”
[Manifestantes]: Inflacionaram todos os
preços, do açúcar, do óleo de cozinha. Para comer, temos de vender os móveis.
Danya Nadar: A decisão de expandir os
empréstimos do EBRD para o Egito e o norte da África será tomada pelos países
acionistas do banco, nos próximos meses.
Com
a economia que continua a degradar-se, salários cada vez mais baixos e
racionamento de gás que deflagram indignação cada vez maior, os operários
egípcios mobilizam-se para novas manifestações de rua e novas greves, que
ameaçam intensificar-se, contra as mesmas políticas econômicas fracassadas.
Sou
Danya Nadar, para Real News, do Cairo, Egito.
[Manifestantes]: “Greve é luta legítima,
contra os restos de um regime deposto”.
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