[*] Adriano Benayon - 26.01.2014
Economistas escrevem copiosos e longos artigos sobre o
quanto a taxa de câmbio do real, valorizada, prejudica a indústria local e
contribui para a crise das contas externas apontada pelo déficit recorde nas
transações correntes (TCs) com o exterior em 2013: US$ 81,4 bilhões.
2. Na realidade, é ainda maior, pois as
contas foram contabilizadas como exportadas as plataformas de exploração de
petróleo em atividade no País. Sem essa maquilagem, o déficit nas TCs
teria sido 10% maior.
3. Claro que a taxa de câmbio do real
valorizada pode estimular as importações, mormente num país que está em vias de
desindustrialização há decênios, e por incentivar gastos no exterior.
4. Entretanto, faz melhorar a relação de
intercâmbio, pois as exportações brasileiras são cada vez mais intensivas de
recursos naturais, as commodities,
cuja comercialização depende pouco da competição de preços.
5. De fato, foi o grande superávit nas
mercadorias, acima de US$ 100 bilhões, que possibilitou o pequeno saldo
positivo, de US$ 2,6 bilhões, na balança comercial, em queda impressionante,
decorrente do crescente e enorme déficit externo dos produtos industriais: nada
menos que US$ 105 bilhões.
6. Na realidade, o déficit industrial
chegou a US$ 113 bilhões, se expurgarmos a “mágica” das plataformas. É
consequência da desindustrialização do Brasil, dominado pelo capital
estrangeiro.
7.
A valorização cambial decorre do afluxo de capitais do
exterior, que funciona como uma droga, com efeitos altamente prejudiciais à
economia, inclusive a própria dependência dessa droga.
8. Por sua vez, os capitais forâneos são
atraídos por taxas de juros altas, tendo sido as dos títulos públicos,
elevadas, agora, a 10,5% aa. Nos EUA os títulos até dois anos pagam menos de
0,3% aa., e lá a dívida externa, de US$ 16 trilhões, supera o PIB, e a pública
ascende a US$ 17 trilhões.
9. O Banco Central, ilegalmente
independente na prática, age a serviço dos bancos e empresas transnacionais,
inclusive de brasileiros que aplicam diretamente do exterior. As autoridades
monetárias servem assim os concentradores, os reais detentores do poder.
10. Entre os prejuízos decorrentes dos
juros altíssimos, está o de os juros para as empresas produtivas serem um
múltiplo dos títulos públicos, o que eleva o custo de produção de bens e
serviços.
11. As grandes empresas e as transnacionais
não padecem com essas taxas, pois são favorecidas com benigna TJLP (taxa de
juros de longo prazo) aplicada pelo BNDES e por taxas também suaves da Caixa
Econômica e de outros bancos públicos.
12. Tudo isso é para fazer crescer os
lucros das transnacionais, pois elas nem precisam de crédito - a que têm acesso
no exterior a baixo custo - nem dependem de custos de produção baixos, porque,
não sofrendo concorrência, aplicam os preços que desejam.
13. Ademais, elevado às nuvens pelos juros
absurdos, o serviço da dívida federal absorve mais de 40% da despesa,
impulsionado por taxas de juros acolhidas pelo governo, que, assim, perde
capacidade de investimento e custeio.
14. Já se vê que as mazelas da economia
brasileira são estruturais e não podem sanadas por medidas de política
monetária ou fiscal, sem substituir o modelo dependente por um modelo econômico
e social que atenda os interesses do País.
15. Assim, submisso ao modelo dependente, o
governo não tem autonomia sequer para manejar as taxas de câmbio, nem as taxas
de juros, nem praticar políticas expansionistas ou contracionistas da moeda e
do crédito.
16. O tenebroso art. 164 da Constituição dá
todo o poder ao Banco Central para emitir moeda, para passá-la exclusivamente
aos bancos privados, deixando sem recursos o setor público e o próprio Tesouro,
assim obrigado a endividar-se com os bancos. Não bastasse tudo isso, suas
disponibilidades de caixa têm que ser depositadas no Banco Central.
17. As causas do descalabro são,
portanto, estruturais, sistêmicas. Como também estas:
a) a administração pública
tornou-se incapaz de conduzir o desenvolvimento, com o Estado enfraquecido pelo
serviço da dívida, e com as estatais incrivelmente capitalizadas pelo Estado
antes de serem privatizadas em favor de grupos concentradores, inclusive
estrangeiros.
b) o setor privado nacional
continua vitimado pelas políticas públicas, desde que foi condenado a definhar,
desde o golpe de 1954, que decretou a entrega do mercado ás empresas
transnacionais, sem que tivessem sequer de investir realmente, subsidiadas, de
forma absurda, para trazer suas máquinas usadas, amortizadas e mais que pagas
no exterior.
c) esses oligopólios e
carteis – que continuaram sendo subsidiados pela União, Estados e Municípios e
ocupam posições dominantes - são os agentes da transferência de recursos para o
exterior, através de diversas contas.
d) essa é a grande fonte da
dívida externa, que se desdobrou na enorme dívida interna, cevada com a
capitalização de juros, devido às taxas de juros extorsivas; estas, por sua
vez, a raiz da dependência financeira, que pretende justificar as altas taxas
de juros dos títulos públicos para atrair capitais a fim de compensar os
déficits na conta corrente.
e) a ascendência das
transnacionais fez delas as beneficiárias dos incríveis subsídios às
exportações, instituídos desde o final dos anos 60, as quais não evitaram a
explosão da dívida externa daí até o final dos anos 70, que também cresceu com
os investimentos públicos na infra-estrutura e nas indústrias básicas, sob
dependência financeira (comandada pelo Banco Mundial) e dependência
tecnológica, agravadas em função das especificações impostas nas concorrências
internacionais.
f) no “modelo brasileiro” –
alardeado nos anos dos falsos milagres econômicos – não há como incorporar a
maior parte da força de trabalho a um processo produtivo de qualidade, nem
elevar o padrão de vida do grosso da população: só cresce a já esmagadora
concentração da renda nas grandes empresas e os modestos programas de
transferência de renda, na tentativa de sustentar parte do número gigantesco
dos marginalizados, a grande maioria da população; tudo como o Banco
Mundial gosta, enquanto as transnacionais extraem os recursos naturais do
País e transferem para o exterior os lucros, principalmente como despesas,
afora as crescentes remessas como lucros oficiais e juros.
18. Colocar o Brasil no caminho da industrialização,
com produção crescente de bens de alto valor agregado e intensidade tecnológica
é tarefa que não há como realizar sem as mudanças estruturais rejeitadas pela
atual estrutura de poder, dominada pelos concentradores, que
controlam também o processo político e os centros formadores de opinião,
inclusive a mídia.
__________________
[*]Adriano Benayon: Consultor em finanças e em
biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em
Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso
de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira,
postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México.
Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica e tecnológica.
Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na área de economia.
Professor da Universidade de Brasília (Empresas Multinacionais; Sistema
Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no Brasil). Autor de Globalização
versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora Escrituras, São Paulo.
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