21/1/2014, [*] Wayne MADSEN, Strategic
Culture
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
“Na semana antes do
início das conversações de 22 de janeiro, quem pilota o carro rumo à chamada
Conferência Genebra-2 é sem dúvida o presidente Assad. Diferente do que os EUA
e outras potências ocidentais desejam, o presidente Assad continuará a ter
papel dominante na vida política síria. Não por milagre, mas por sua capacidade
para resistir e pelo total colapso da coalizão que se construiu contra ele”
Sergey Lavrov (E) e Bashar al-Assad (D) |
Inquestionavelmente, jamais haveria a conferência
Genebra-2 sobre a Síria, não fosse a estratégia brilhante do ministro de Relações
Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, que ofereceu proposta positiva ao
presidente da Síria, Bashar al-Assad, pela qual a Síria entregaria ao ocidente
seu arsenal químico, para evitar ataque militar de forças ocidentais.
Kerry introduzira a entrega das armas químicas como “condição”
para não atacar a Síria, em conferência de imprensa, em setembro de 2013, em
Londres, com o Secretário de Relações Exteriores britânico, William Hague.
Respondendo a uma pergunta de jornalista, sobre o que Assad poderia fazer para
deter um ataque de forças dos EUA e OTAN, Kerry respondeu:
Umm... ora... Ele poderia entregar todas as suas armas químicas à
comunidade internacional semana que vem. Entregue tudo! Tudo, sem demora. e
permita total e completa transparência. Mas é claro que ele nunca fará tal
coisa. Obviamente não é possível.
John Kerry (E) e William Hague (D) |
O tom de voz de Kerry baixou, na última parte da fala,
porque percebeu que metera o pé, até o joelho, numa montanha de excremento.
Hoje já é evidente que Kerry, já ali, começou a preocupar-se porque, se Assad
viesse a fazer o que Kerry supunha que fosse impossível e entregasse seu
arsenal químico, não haveria ataque militar do ocidente contra a Síria, porque
o casus belli imposto pelos EUA teria sido retirado da mesa.
Lavrov respondeu rapidamente ao ultimatum
irrefletido e tolo de Kerry, anunciando que Assad aceitava os termos dos
norte-americanos. Kerry então foi obrigado a reunir-se com Lavrov em Genebra,
onde Rússia e EUA definiram um contexto para o desarmamento químico da Síria.
Diferente de Kerry, que nunca trabalhou como diplomata em campo, Lavrov é
diplomata experimentado, que trabalhou na União Soviética e no Sri Lanka,
falante do idioma Sinhala, que já ocupou inúmeras posições do Ministério de
Relações Exteriores da Rússia, inclusive como embaixador à ONU. Antes de ser
nomeado ao Sri Lanka, o embaixador Lavrov serviu na República Russa de Tuva, de
maioria budista.
Críticos que trabalharam na campanha de 2004 dizem que, se
Kerry dedicasse mais tempo à campanha presidencial que ao próprio corte de
cabelo, poderia ter derrotado George W. Bush.
As ondas de choque geradas pela notícia de que o ocidente
planejava ataque militar contra a Síria agitaram as fileiras do Conselho
Nacional Sírio “rebelde”, (SNC) em Istambul e nos corredores do poder em todas
as capitais regionais pró-guerra – Ancara, Riad, Doha, Paris e Jerusalém.
Lavrov e o presidente Vladimir Putin podem orgulhar-se de ter arrancado o
Oriente Médio da beira da guerra, para a mesa das negociações de paz.
Kofi Annan |
A Conferência Genebra-2, que, de fato, acontecerá em
Montreux, Suíça, acontece depois de Genebra-1 realizada sob os auspícios do
Grupo de Ação na Síria da ONU, em junho de 2012. Essa conferência, presidida
pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, aceitou a formação de um governo
de transição para a Síria, composto de membros da oposição síria e do governo
sírio. Genebra-2 estava prevista para acontecer em julho de 2013 mas foi adiada
até setembro. A Síria foi pressionada pelo governo de Mohamed Mursi no Egito, e
também pelo governo da Turquia, a participar de Genebra-1 e fazer consideráveis
concessões à oposição. Dificultando ainda mais a situação da Síria, as
potências ocidentais rejeitavam a ideia de que o Irã participasse das
conversações. A Síria, exceto pelo apoio da Rússia, estaria sozinha.
Com a derrubada de Mursi e de seu governo da Fraternidade
Muçulmana no Cairo, pelos militares egípcios pró-Síria, e diante da
surpreendente aceitação, por Lavrov e Assad das “condições” apresentadas por
Kerry, de trocar um ataque militar por um acordo para entregar seu arsenal químico,
Damasco assistiu a uma dramática mudança na correlação de forças; e a seu
favor. Depois da derrubada de Mursi, Assad declarou, triunfante, o fim do “Islã
político” como força no Oriente Médio. A própria facção síria da Fraternidade
Muçulmana, apoiada pelo Qatar e que participa da coalizão “rebelde” foi
eclipsada pelos salafistas ainda mais radicais apoiados pela Arábia Saudita,
com a Al-Qaeda e outros grupos radicais.
Tamim bin Hamad al Thani (E) e Hamad bin Khalifa al Thani (D) |
Dia 25/6/2013, outro movimento que beneficiou Assad, quando
o emir do Qatar, Sheikh Hamad bin Khalifa al Thani, abdicou a favor de seu
filho, Tamim bin Hamad al Thani. Quase imediatamente, Tamim começou a retirar o
apoio dos qataris à Fraternidade Muçulmana. O novo emir deu ao líder espiritual
da Fraternidade, Sheikh Yusuf al Qaradawi, 48 horas para deixar o Qatar. Tamim
também começou a fechar a torneira do dinheiro qatari para a Fraternidade
Muçulmana na Síria. Foi outro duro golpe, demolidor, contra os “rebeldes”
sírios.
Recep Tayyip Erdogan |
Na Turquia, o Primeiro-Ministro, Recep Tayyip Erdogan,
passou também a enfrentar significativa oposição interna. O apoio dos turcos
aos “rebeldes” na Síria também começou a diminuir, sobretudo depois de ações,
dos “rebeldes” sírios, dentro da Turquia.
Mais ou menos ao mesmo tempo, surgiram fortes indicações de
que os autores do mortal ataque com armas químicas em Ghouta, próximo de
Damasco, dia 21/8 foram islamistas radicais sírios apoiados pela Arábia
Saudita. As potências ocidentais e grande parte das empresas de mídia,
televisões e jornais, muito se empenharam para tornar Assad responsável pelo
ataque, na tentativa de fazer aumentar o apoio a um ataque militar de EUA-OTAN
contra a Síria. A mão clandestina da inteligência saudita e do espião chefe dos
sauditas, o príncipe Bandar bin Sultan foi identificada, não só no ataque em
Ghouta, mas também em outros ataques químicos semelhantes, sempre em ações de “rebeldes”
salafistas financiados e armados pelos sauditas, tanto na Síria como no Iraque.
Com notícias cada vez mais frequentes vindas dos fronts da guerra civil, sobre ataques
violentíssimos de autoria de radicais salafistas do grupo Jabhat al Nusra, de Takfiris,
da al-Qaeda, do ISIL/ISIS (Islamic State in Iraq and the Levant/al-Sham
(ISIL/ISIS), contra minorias alawitas, cristãs, curdas, druzas e xiitas na
Síria, entre as quais notícias que mostravam grupos de milícias financiadas
pelo ocidente devorando órgãos dos cadáveres de suas vítimas, até as potências
ocidentais passaram a considerar mais prudente suspender o fornecimento de
armamento aos “rebeldes”. O grande influxo de mercenários pró-rebeldes em
direção à Síria, saídos da França, Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Bélgica, Espanha,
Suécia e Alemanha também alarmaram os países ocidentais. O medo, então, já era
de que, se esses cidadãos europeus fossem vitoriosos no ataque contra a Síria,
poderiam voltar suas atenções para a Europa e os EUA, em ataques semelhantes
aos da al-Qaeda contra o ocidente, depois de os Talibã terem-se implantado como
governo no Afeganistão.
Terroristas da Frente al-Nusra na Síria. Notar a bandeira da al-Qaeda à direita... |
Elementos do Exército Sírio Livre pró-ocidente passaram a
engajar-se em duros combates contra os salafistas financiados pela Arábia
Saudita e contra forças da Fraternidade Muçulmana. Enquanto os “rebeldes”
devoravam-se entre eles mesmos, as forças de Assad conseguiram retomar posições
e o controle em grandes partes do território, exceto algumas áreas próximas da
fronteira turca e alguns bolsões em torno de Damasco e outras cidades sírias.
O fracasso dos EUA, que não puderam atacar a Síria,
combinado ao movimento de “aproximação” de Washington em direção ao Irã, e a
abertura de conversações bilaterais entre os dois países também fizeram esfriar
as relações entre Washington e a Arábia Saudita. O príncipe Bandar deixou de
ser visto em Washington como parceiro confiável, sobretudo depois que propôs
ao presidente Putin “impedir” ataques terroristas dos salafistas e da al-Qaeda contra os Jogos Olímpicos de
Inverno de Sochi, em troca de a Rússia suspender o apoio a Assad. Moscou
rejeitou a “proposta” de Bandar.
Bandar bin Sultan e Vladimir Putin quando da visita do primeiro a Moscou |
Dado que a posição de Assad em campo na Síria é muito mais
forte hoje do que há um ano, o Conselho Nacional Sírio tem falado de não
participar da Conferência Genebra-2. Para alguns membros do CNS, essas ameaças
seriam meio para fazer aumentar a pressão ocidental a favor de Assad ser
obrigado a deixar o governo. E, por sua vez, o ocidente tem rejeitado essa
frente rejeicionista e instado que participem das conversações de Genebra-2.
Mas o ocidente, por sua vez, não aceita a possibilidade de Assad permanecer
ativo num governo de transição; e não quer que o Irã participe das
conversações.
Ban Ki-moon |
Apesar disso, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, já
convidou o Irã para a Conferência Genebra-2; e o Irã já aceitou.
É perfeitamente claro que Assad, antes de Genebra-2, está
em sua posição mais forte desde a eclosão da rebelião síria. Os “rebeldes”aceitaram
um cessar-fogo em Aleppo e uma troca de prisioneiros com Damasco. Há um ano, os
“rebeldes” teriam rejeitado, sem maiores considerações, esse tipo de acordo com
o governo de Assad.
Na semana antes do início das conversações de 22 de
janeiro, quem pilota o carro da chamada Conferência Genebra-2 é sem dúvida o
presidente Assad.
Diferente do que os EUA e outras potências ocidentais
desejam, o presidente Assad continuará a ter papel dominante na vida política
síria. Não por milagre, mas por sua capacidade para resistir e pelo total
colapso da coalizão que se construiu contra ele.
[*] Wayne Madsen é jornalista
investigativo, autor e colunista. Tem cerca de vinte anos de experiência em
questões de segurança. Como oficial da ativa projetou um dos primeiros
programas de segurança de computadores para a Marinha dos EUA. Tem sido
comentarista frequente da política de segurança nacional na Fox News e também nas redes ABC, NBC, CBS, PBS, CNN,
BBC, Al Jazeera, Strategic Culture e MS-NBC. Foi
convidado a depor como testemunha perante a Câmara dos Deputados dos EUA, o
Tribunal Penal da ONU para Ruanda, e num painel de investigação de terrorismo
do governo francês. É membro da Sociedade de Jornalistas Profissionais (SPJ) e
do National Press Club. Reside
em Washington, DC.
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