10/1/2014, [*] Conflicts
Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
François Hollande, Presidente da França, visitou o Rei Abdullah da Arábia Saudita em 29/12/2013 quando foi receber o "presente" de US$ 3 bilhões |
E, noutra
trilha, alertas de iminente deterioração
das condições de segurança, emitidas pela liderança do Hezbollah
(instruídas, muito provavelmente, pelo próprio serviço de inteligência); o assassinato de um ex-ministro
(moderado!) do Movimento 14 de Março; ataque ao mufti (sunita) do Líbano, quando apresentava condolências no
funeral de um jovem morto no atentado que vitimou o ministro (à frente de uma
mesquita sunita), por membros do Movimento 14 de Março e radicais sunitas que o
acusavam de traição (porque apoia o diálogo nacional); acusações
(sem provas) contra Síria e Hezbollah de responsabilidade no assassinato de
jornalistas e políticos; discursos de que o Movimento 14 de Março teria agora
de deixar o poder; e uma declaração, do próprio presidente do Líbano, de que,
sim, deseja formar um governo “de fato” sem a participação do Movimento 8 de
Março (o presidente detinha a maioria num – já defunto – Parlamento), como
precondição imposta pela Arábia Saudita em troca da doação dos $3 bilhões. E
novas explosões
de carros-bomba.
A linguagem
sectária é incendiária; a polarização, óbvia: estará o Líbano alcançando o
ponto de ignição, como antes dele, a Síria? O que se deve inferir do que está
acontecendo no Líbano? Estarão as brasas da “guerra à distância” de sauditas-xiitas
começando a incendiar em chamas, em total conflito sectário em toda a região
(como as áreas de Fallujah e Anbar no Iraque, que já caíram, presas de
movimentos· que esposam a “ideia” al-Qaeda, e 45 membros sunitas deixaram o
Parlamento)?
Poucos na
região diriam que o risco de conflito sectário está sendo exagerado, mas o que
está acontecendo no Líbano tem, necessariamente, de ser analisado em contexto.
Hossein Mousavian |
Contudo, se
se considera a região, é claro que o governo sírio, nas últimas semanas, está
rapidamente consolidando sua posição militar. A circunstância em Damasco, hoje,
é muito diferente da que se tinha há algumas semanas (como o comprovaram
visitantes que estiveram na cidade, em conversa conosco). É verdade que, num
nível, as animosidades sectárias (particularmente as sauditas) alcançaram novos
píncaros em toda a região. Mas está surgindo um fator novo – até aqui
subavaliado: os sunitas absolutamente não estão unidos. Muitos temem,
abominam, os salafistas e jihadistas que estão aparecendo na região empurrados
pelo apoio oficial e privado do Golfo.
Chama a
atenção, por exemplo, que o presidente Assad, em reunião com líderes sunitas na
Síria está conseguindo atraí-los para uma guerra explicitamente formatada contra
o wahhabismo e o salafismo, dizendo
que essas seitas são uma distorção do Islã! Seria absolutamente impensável há
um ano. Haverá ranger de dentes no mundo sunita.
Mas a maré
está mudando, e a maioria silenciosa sunita está farta de extremistas e
ideólogos (de todas as bandeiras), e só quer voltar à “normalidade” e a alguma
segurança humana básica. É verdade no Líbano, como é verdade no Iraque, onde os
sunitas também estão profundamente divididos, temendo o advento de tribunais “itinerantes”
de aplicação da Xaria; a arbitrariedade caricata de imãs jihadistas locais; as
mutilações e degolas promovidas por aqueles personagens vastamente ignorantes
do que é a Lei Islâmica. As pessoas estão cansadas disso.
Os xiitas
entendem que a Arábia Saudita obra para erguer o espectro de um conflito
xiita-sunita generalizado. Mas nem os xiitas acreditam que a Arábia Saudita
tenha capacidade suficiente, ou que seja suficientemente dura (ou ignorante)
para ter sucesso na empreitada.
Michael Mullen |
À maneira paradoxal das guerras, o Hezbollah, a Síria e o Irã estão agora
conseguindo mobilizando os sunitas comuns em torno de uma plataforma
anti-wahhabista, e descobrem que, tacitamente, todos partilham um interesse
comum com os estados ocidentais: combater o jihadismo.
Essa virada
dramática no mundo real é fonte de considerável confusão e muita consternação
nos EUA e na Europa.
Habituados
e condicionados por tanto tempo a elogiar a Arábia Saudita, sem dar qualquer
atenção às relações
ambíguas dos sauditas com movimentos sunitas
radicais e ao papel dos sauditas na evolução daquela ideologia, EUA e Europa
descobrem-se de repente já abraçados no mesmo leito com Irã e Síria, no que
tenha a ver com ‘'a grande questão'’ do Oriente Médio (o crescimento do
jihadismo). Isso é fonte de terrível consternação.
E quanto ao
Líbano? Se se considera esse pano de fundo mais amplo, os eventos no Líbano
apontam para mais desespero, que para alguma política ou estratégia efetiva.
Primeiro, porque, no Líbano, o mofado modelo
ocidental de governo de “o vencedor leva tudo” é, simultaneamente, inconstitucional e em larga medida também impraticável. O
Líbano jamais viveu sob arranjo desse tipo. A Constituição, para o bem ou para
o mal, exige que os grupos religiosos partilhem o poder. Em todos os casos,
para todos os grupos e seitas, e por lei, a exclusão de qualquer grupo
religioso, que seja impedido de participar do governo, torna o governo ilegal.
Será muito
difícil para o presidente Suleiman levar adiante
essa iniciativa. E já está suficientemente claro que, se insistir, sob o
argumento de “proteger o governo”, enfrentará resistência feroz (por exemplo,
também dos maronitas). É muito provável que o presidente tenha
de desistir.
Em segundo lugar, o
Parlamento – cujo mandato expirou, mas foi autoampliado, além da data prevista
em lei – dificilmente daria um voto de confiança a arranjo tão viciado (o qual,
leve a governo “tecnocrático” ou “neutro”, só tem, por objetivo, em todos os
casos, opor-se ao Hezbollah). Sequer novas eleições – sob a hipótese remota de
que se chegue a algum novo acordo geral sobre como realizá-las – oferecem
melhor via para garantir um voto de confiança parlamentar. E, sem isso, nenhum
governo terá legitimidade (o apoio eleitoral com que contava o Movimento 14 de
Março evaporou em suas bases eleitorais em Sidon e Tripoli; assim, nada mais
duvidoso que a maioria parlamentar).
Em terceiro lugar, o
exército libanês é uma instituição nacional. Teve de ser cuidadosamente
reconstruído, depois de ter sido desintegrado durante a guerra civil libanesa,
sob a pressão de diferenças sectárias. Mover o exército nacional na direção de
atacar um determinado grupo religioso será promover a fragmentação e a
destruição, outra vez. Além do mais, os políticos libaneses sempre tendem a
preferir a direção na qual sopram os ventos. Com os próprios norte-americanos a
dizer que é possível que o presidente Assad permaneça onde está ainda por muito
tempo, a maioria dos políticos libaneses tenderá a seguir o vento ocidental que
ajuda Assad (vide Jumblatt), em vez de deixar que as próprias velas se
enviesem com alguma súbita rajada de vento à moda Bandar. Em resumo:
continuarão a esperar o resultado na Síria e o que surja da luta regional, antes
de fechar todas as saídas.
Em síntese,
é duvidoso que o povo libanês (com as exceções de praxe) tenha algum apetite pela
divisão dos próprios cidadãos – nem as classes médias sunitas têm estômago para
esse tipo de violência. A volta dos carros-bombas está realmente assustando os
libaneses, e os faz relembrar episódios sombrios da história do Líbano, mas a
responsabilidade comprovada pelo recente surto de
violência permanece indefinida, e
é provável que, como em casos passados, assim permaneça.
Bandar bin Sultan |
É altamente
improvável que o Hezbollah morda essa isca: o comprometimento do Hezbollah na
Síria é relativamente pequeno; e o movimento sempre cuidou atentamente de
preservar, na reserva, o núcleo duro de sua força de combate – contra um
possível ataque israelense. Além disso, há já tempo considerável o Hezbollah
prepara-se para o caso de crise doméstica que venha a exigir atividade
simultânea em dois fronts.
Essa “tática”
de Bandar, se (se!) for bem-sucedida (o que é improvável), pode dar alguma
pequena vantagem a Bandar na guerra na Síria (a retirada do Hezbollah e o apoio
libanês oficial ao Conselho Nacional Sírio). Mas Bandar erra ao superestimar a
importância da contribuição militar do Hezbollah na Síria. Alguma retirada
forçada do Hezbollah, caso aconteça, não alterará, só ela, o curso da
guerra na Síria – cujos rumo e fluxo não estão fluindo a favor do príncipe
Bandar.
O resultado
mais provável dessa intervenção é que o Líbano deslizará para um pouco mais
longe de conseguir governança efetiva no futuro próximo, e o já super
distendido tecido do estado se distenderá ainda mais, aproximando-se mais do
ponto de ruptura. A situação de segurança se deteriorará (vivem no Líbano pelo
menos 1,2 milhão de refugiados sírios, muitos dos quais - estimados 40% estão
armados –desesperados). Mesmo assim, o mais provável é que o Líbano evitará a
luta civil. Mesmo que o presidente não tenha quem o substitua em maio, o que
levará a completo vácuo de governança, o exército tem-se preparado para essa
eventualidade, e crê ter base legal suficiente para evitar o total colapso. Não
é futuro feliz para o Líbano, mas a responsabilidade pela infelicidade deve ser
atribuída a quem tem indiscutível potencial para promover rompimentos, mas
confunde ter força, com ter estratégia viável.
Os eventos
no Líbano são sinal de desespero [dos sauditas], não de alguma realpolitik
consequente. E reforçam a
impressão de que a Arábia Saudita já sabe subconscientemente, que está perdendo
essa guerra.
[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma
compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do
Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas
contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que
são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores
discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as
pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se
escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de
“extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos,
movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais
políticos no mundo.
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