segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Notas confusas sobre o uso legítimo da violência pelo estado


The Saker
24/1/2014, The Saker, Blog The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A pergunta, portanto, é: o governo da Ucrânia deve usar força violenta e, simplesmente, esvaziar o centro de Kiev?
Francamente, acho que Yanukovich deve mandar a polícia esvaziar as ruas da cidade de Kiev. Deve tirar de lá aquela escória nacionalista neofascista.
Fosse eu, também prendia os principais líderes da oposição, por sedição, insurreição armada, conspiração para derrubar o governo, traição, etc. etc. etc. – tudo que o código penal ucraniano ofereça.
Que vão-se juntar a Iulia Timoshenko na cadeia, ou – melhor! –, que troquem de lugar com ela, porque absolutamente não vejo por que ela mereceria estar presa.

Nas últimas semanas tenho-me debatido contra pensamentos muito desagradáveis que quero dividir com vocês, na esperança de que me ajudem a encontrar a saída desses dilemas. Para explicar a questão da qual falo, usarei alguns exemplos de eventos que despertaram em mim os pensamentos que hoje me atormentam:

Síria

Hafez al-Assad
1930 - 2000
Leitores desse blog devem lembrar que, quando começaram as primeiras manifestações contra Assad na Síria, eu apoiei firmemente os manifestantes. Meus motivos, então, eram básicos e, francamente, bem primitivos:

1) Não gosto do baathismo, de baathistas, nem, em geral, do secularismo árabe.

2) Sabia, de fonte segura, de contatos com sírios, que o governo de Hafez al-Assad foi brutal: seus Mukhabarat(s) eram universalmente temidos, seus funcionários eram corruptos e eu sabia do fato de que ele esmagara um levante islamista em 1982, ao custo de alguma coisa entre 10 mil e 40 mil mortos (variando conforme a fonte).

3) Quanto ao filho, Bashar al-Assad, meu problema com ele é que muita gente sabe que durante seu governo a CIA entregava prisioneiros para serem torturados na Síria; e também durante seu governo, que os israelenses receberam “licença para matar” Imad Mughniyeh, numa área de alta segurança em Damasco.

Não quero discutir aqui, agora, se minhas razões são válidas ou não. Porque, agora, essa discussão é irrelevante. Apenas resumo minha evolução pessoal, dizendo que, por menos que eu gostasse de Assad, ou por menos que realmente apreciasse o governo de Assad, e por mais que eu estivesse assumindo erradamente que as manifestações fossem a favor da democracia, de direitos humanos, liberdade de manifestação e pluralismo político – fato é que, em pouco tempo, percebi que eu estava completamente errado.

O que eu estava interpretando como manifestação da vontade do povo sírio, nunca passara de tentativa apoiada pela CIA, financiada pela Arábia Saudita e executada por wahhabistas, de promover “mudança de regime”. E que a Síria estava à beira de ser convertida num híbrido de três elementos: do chamado “Estado Islâmico do Emirado do Cáucaso”, de Somália e de Afeganistão.

Bashar al-Assad
Rapidamente entendi também que, para o bem ou para o mal, a pessoa de Bashar al-Assad, o governo baathista, o estado sírio e a nação síria eram, de-facto, uma e a mesma coisa; e que, no contexto de uma intervenção externa, seria simplesmente irrealista pensar em defender um desses, sem defender os demais. Ah, sim, sim! Em data futura, muito apreciarei ver essas categorias novamente separadas. Mas hoje, agora, são, todas, a mesma coisa. São “Síria”.

Meu assunto hoje, porém, não é a Síria, mas os pensamentos perturbadores contra os quais me debato desde o começo da guerra contra a Síria (atenção: não “na” Síria, mas “contra” a Síria). Segundo várias estimativas, a guerra contra a Síria já fez algo entre 100 mil e 150 mil mortos. Para uma população total de 22 milhões, é muito. Mas o que realmente me pegou foi a seguinte pergunta:

– Será que Hafez al-Assad errou quando esmagou o levante islamista em 1982, ao custo de 10-40 mil mortes em um mês, ou será que acertou? De um lado, 10-40 mil mortos em um mês; de outro, 100-150 mil mortos em dois anos.

Claro que alguém pode dizer que o Massacre de Hama em 1982, resultou eventualmente na guerra civil de hoje. Mas também se pode dizer que o massacre de 1982 deu aos sírios mais de 20 anos de paz relativa. E se Bashar al-Assad tivesse esmagado o atual levante tão imediatamente, no início de 2011, como fez seu pai em 1982?

Se eu tivesse uma máquina de viajar no tempo e voltasse a 1982 e falasse com Hafez al-Assad sobre o levante islamista então em curso, será que o aconselharia a não usar a força? Ou lhe diria: “vá em frente e esmague aquele monstro, antes que ele se materialize e ganhe corpo, braços, pernas e armas!”?

A Ucrânia

(26/1/2014)

Assisto pela televisão às cenas que chegam de Kiev e não paro de pensar no conselho que daria a Yanukovich, se fosse seu conselheiro.

Há dois dias, houve evento interessante: o regime disse à polícia que fizesse a multidão recuar alguns metros; e que desmontasse a catapulta que havia sido construída na rua. E os policiais cumpriram a ordem com extrema facilidade, sem usar nenhum tipo de arma letal. Deslocaram alguns metros para trás as equipes de “combate” de elite do chamado “Setor Direito” (são os neonazistas ucranianos), em questão de minutos. Muitos se surpreenderam com a facilidade com que a política avançou entre o que pareciam ser defesas muito bem plantadas; e com a rapidez com que foi executada a ordem de esvaziar uma parte da rua Grushevsky.

Praça Maidan, centro de Kiev, em chamas (22/1/2014)
Conto isso, porque provavelmente indica que a polícia poderia esvaziar toda a parte central de Kiev numa noite, se recebesse ordem para fazê-lo. Claro, esse tipo de operação quase certamente faria vítimas fatais. Mas nada sugere que houvesse muitas mortes.

A pergunta, portanto, é: o governo da Ucrânia deve usar a força e, simplesmente, esvaziar o centro de Kiev?

De Maidan a Tiananmen a Moscou

A praça Maidan faz lembrar outra praça, Tiananmen, na China.

Agora, por favor, considerem o seguinte: Fui criado numa família furiosamente anticomunista e vivi profundamente envolvido no que os sovietes costumavam chamar de “atividades antissoviéticas”, por muitos anos. Em 1989, eu ainda, mais ou menos, acreditava em todas as bobagens que ouvira durante minha infância e juventude, e estudava em Washington DC, preparando minha pós-graduação em Estudos Estratégicos; praticamente todos os meus professores eram ou da Casa Branca, ou do Pentágono, ou da CIA, ou de alguma unidade militar dos EUA. Pior: eu vivia sob a firme ilusão de que seria possível obter informação aproveitável dos veículos da mídia de massa.

Conto tudo isso para dizer que, quando começaram as manifestações na praça Tiananmen, fiquei felicíssimo. Para mim, ali estava mais um exemplo de “o povo” contra “o comunismo”. É. Quando os estudantes chineses construíram lá aquela ridícula “Deusa da Democracia [Mais ridícula, impossível. Tão ridícula que NUNCA é mostrada no “ocidente”. NTs.], até eu fiquei meio desconfiado. Alguma coisa, ali, não estava com boa cara. Mas quando aconteceu a repressão, a foto icônica daquele momento histórico, “O homem contra o tanque” (foto logo abaixo), realmente fez minha cabeça, em sua perfeição política, ou, como pensei naquele tempo: um homem só detém uma coluna de tanques com o próprio corpo, sem proteção e desarmado. O que pode ser mais nobre, mais inspirador, mais tocante, que esse espantoso símbolo da humanidade?

"O Homem contra o Tanque"
Três anos adiante, em 1991, a União Soviética “foi colapsada” (e não discutamos agora “quem realmente” fez aquilo, nem se estava “certo” ou não) e disparei rumo à Rússia, para minha primeira viagem para lá. Pousei em Moscou e fui imediatamente para o centro da cidade onde ainda se viam as barricadas. O sonho de toda a minha vida (ver os bolcheviques beijando a lona) afinal acontecera, e ali estava eu, na capital de uma nova Rússia, livre. Ou, pelo menos, era o que eu então pensava.

Entre 1991 e 1993, passei muito tempo em Moscou; e vi tudo: o total colapso da economia; o aumento astronômico na criminalidade; o modo horrendo como o ex-Partido Comunista da União Soviética se auto-re-batizou de “democrata”, exclusivamente para assaltar a riqueza da nação; a falência total dos serviços públicos e a criminalização da economia.

Mas em 1992 meu entusiasmo imbecil já havia arrefecido muito e minha visão de mundo começava a ser mais sóbria, mais cínica e mais desiludida. O processo de desilusão alcançou o pico quando, em 1993, assisti com meus próprios olhos a orgia sangrenta comandada pelo governo de Ieltsin em Moscou. Pouco antes de aquilo tudo começar, eu passara muitas horas com todos os partidos envolvidos naquela disputa e só sabia, de garantido, de uma coisa: os dois lados eram ex-comunistas; os dois lados se acusavam, um o outro, de fascistas; e os dois lados clamavam que faziam o que faziam em defesa da democracia.

Na verdade, os dois lados eram extremamente parecidos, e eu não gostava de nenhum lado. Com o tempo, os ex-comunistas apoiados pelos EUA e convertidos em “democratas” venceram a disputa, quando usaram tanques para atirar contra o prédio do Parlamento, e a Rússia mergulhou ainda mais fundo em mais sete anos de pesadelo “democrático”.

Deng Xiaoping
Brincando agora, um pouco, do jogo do “mas... e se?” – pergunto-me o que teria acontecido se Gorbatchev tivesse feito, em 1991, o que os chineses fizeram em 1989? O que foi pior: o “massacre” da praça Tiananmen, ou nove anos de “democracia” na Rússia?

Entendo que qualquer pessoa mentalmente sã e racional, que compare (I) o fantástico boom econômico que a China viveu nos anos 1990s e (II) o total colapso da Rússia no mesmo período, tem de admitir que Deng Xiaoping foi estadista muitíssimo mais inteligente que Gorbachev. Não esqueçamos que o próprio Deng Xiaoping disse certa vez que a repressão aos protestos da praça Tiananmen impediu uma guerra civil na China.

O passado, visto em perspectiva

Em 1993, já me restavam bem poucas ilusões, minha carreira ainda não tomara rumo fatal (o que só aconteceria em 1997), mas meus olhos começavam a abrir-se para realidade muito mais complexa do que eu presumira que fosse. O destino da Rússia continuava a me interessar, e eu lia avidamente tudo que encontrava sobre a Revolução Bolchevique e o reinado do czar Nicolau II. A montanha de tolices e mentiras escritas sobre esses dois tópicos é uma espécie de “Monte Everest” da literatura histórica, sobretudo porque praticamente todos os lados envolvidos estavam dedicados a divulgar e preservar o mesmo pacote de mentiras, alguma coisa aproximadamente semelhante ao seguinte:

Sob Nicolau II a Rússia era um pobre país autoritário governado por um czar fraco e incompetente, que foi de repente derrubado em 1917, num levante popular que pôs os comunistas no poder.

Nicolau II da Rússia
1868 - 1918
Na frase acima, literalmente todas as palavras são mentiras. Não quero escrever análise alguma das causas, mecanismos e natureza da Revolução de Outubro, mas tenho de partilhar com vocês o que descobri:

1) Em 1917 a Rússia era país rico, de economia florescente.

2) Em 1917 a Rússia era economicamente socialista e politicamente pluralista.

3) Nicolau II nunca foi nem fraco nem incompetente.

4) A mudança de regime real aconteceu em fevereiro de 1917.

5) Tudo que os bolcheviques fizeram foi chutar os liberais para fora do poder, depois de oito meses de caos absoluto, total, supremo.

Sei que muitos discordarão, mas peço que esqueçam minhas razões e só considerem minha conclusão, porque é a única coisa pertinente ao dilema no qual me debato hoje:

Não há dúvidas em minha mente de que o czar Nicolau II poderia ter esmagado *facilmente* a revolução de fevereiro de 1917, se tivesse querido esmagá-la. As razões dele para não o fazer são complexas (o czar foi homem complexo), mas o resumo é o seguinte: o czar não quis se automanter no poder pela violência. Num plano humano, compreendo-o perfeitamente. Num plano religioso (Nicolau II foi homem profundamente religioso), também posso compreendê-lo. Meu problema é o seguinte: Mas, para o futuro da Rússia, Nicolau II tomou a decisão certa?

Estou pessoalmente convencido de que se Nicolau II tivesse mandado prender nada além de 50 figuras chaves, e se tivesse mandado alguns dos seus generais mais confiáveis esvaziar as ruas de São Petersburgo (à bala, se necessário), não teria havido a Revolução de Fevereiro, nem a Revolução de Outubro, nem a Guerra Civil, nem, provavelmente, a 2ª Guerra Mundial, nem, sequer, a Guerra Fria. Sei que esses “se isso, se aquilo” e reescrever a história é sempre muito fácil. Mesmo assim, pensem no seguinte: a vida de, digamos, algumas centenas da pior escória da Rússia em 1917... ou a vida de dezenas de milhões de seres humanos inocentes?

O contraexemplo: Argentina 1976

Jose Lopez Rega
1916 - 1989
Em 1976, eu tinha só 13 anos, mas tinha dois primos no exército argentino e passava as férias de inverno em Buenos Aires. Lembro os bombardeios diários e os ataques terroristas de 1975-1976, quando o país foi flagelado pelos guerrilheiros do Movimiento Peronista Montonero, os Montoneros; e pelo ainda mais assustador Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP), por um lado; e, pelo outro, por uma polícia absolutamente corrupta e corrompida. Bombas, sequestros, tiroteios por toda a parte, todos os dias. Barreiras policiais por toda a cidade. Manifestações diárias de estudantes, sindicatos, partidos políticos. Esquadrões-da-Morte semioficiais, da extrema direita (chamados AAA, Alianza Argentina Anticomunista), liderados pelo, acredite quem quiser, “Ministro do Bem-Estar”, Jose Lopez Rega, também chamado “El Brujo”, o bruxo, porque era versado em magia negra. E, como se não bastasse, toda uma província central do país, Tucuman, sob controle dos guerrilheiros do ERP, que executaram todos os funcionários do governo estadual e declararam estado seu. Assustador, sem dúvida, e não só para um sujeito de 13 anos.

Jorge Rafael Videla
1925 - 2013
E, quando uma junta de militares argentinos liderada pelo general Jorge Rafael Videla tomou o poder, asseguro que muitos argentinos sentiram-se aliviados e encheram-se de esperança de restaurar a lei e a ordem. Sabemos o que aconteceu: dali em diante, foi ladeira abaixo, e a ditadura militar, incompetente e violenta, terminou na mais absolutamente estúpida e mal organizada invasão das ilhas Malvinas (sim, também acho que aquelas ilhas devem pertencer à Argentina; mas invadir, não, não fez sentido algum). Se se avalia o governo dos militares na Argentina, foi desastre absoluto.

Conversei recentemente com meu velho primo, que se aposentou do exército argentino no posto de tenente-coronel, e ele disse: “Quer saber? Vencemos a guerra militar, mas perdemos a guerra ideológica”. Parece-me que ele está certo. Esmagaram a guerrilha; de fato, até bem depressa; mas isso custou aos militares separar-se completamente da vasta maioria do povo argentino. O que fecha o círculo e me leva de volta ao meu dilema original.

O uso legítimo da violência pelo estado

Claro que, e por definição, há consenso generalizado entre muitos de que o estado pode, e deve, usar a violência em defesa do povo. Essa, pelo menos em teoria, é a razão pela qual há polícias e exércitos. Em teoria, a polícia pode usar a violência quando necessária dentro do país; os militares, para enfrentar ameaças externas contra o país.

Sei que tenho muitos leitores nos EUA e sei que, entre eles, há muitos autodefinidos anarquistas e liberais libertaristas. Permitam-me pois considerar, primeiro, as objeções deles ao que acima ficou dito.

Anarquistas e libertaristas opõem-se, basicamente, à existência do estado. No máximo, admitem um “estado mínimo”; no mínimo, não admitem estado algum. Não pretendo aqui contra-argumentar, uma a uma, contra todos os pressupostos fundamentalmente errados (políticos, históricos, sociológicos ou econômicos) em que se baseiam os anarquistas e os libertaristas. Só digo que a sociedade anarquista libertarista é ainda mais utópica que a sociedade comunista ideal de Marx. Sei que não convencerei ninguém da igreja do mito do estado-mínimo ou da igreja do estado-zero, mas peço que deixem de lado as próprias convicções, só para que possamos argumentar; e que aceitem, para que a discussão possa prosseguir, os seguintes três postulados:

1) Se a função de um estado é manter a lei e a ordem, sua missão é defender os fracos. Por quê? Porque os poderosos não precisam de estado para defendê-los. Um rico não precisa de saúde pública (ele pode pagar a conta do médico e do hospital). Um rico não precisa de estradas seguras (ele pode tirar da estrada facilmente os carros dos pobres). E se os ricos vez ou outra precisam de exército, é só porque cada rico não pode, só ele, contratar quantidade suficiente de mercenários que sigam suas ordens, nos casos em que, sozinho, seja comparativamente mais fraco.

2) Só o estado tem poder para impor a obediência à lei. As entidades não estatais são reguladas pelo poder do chefe, não da lei. Remova o estado e, por definição, você remove todas as leis.

3) A história está repleta de exemplos de estados ruins, muito ruins, péssimos. A história também está repleta de exemplos de medicina ruim, péssima. Nem por isso se pode viver sem medicina alguma. Rejeitar o estado por princípio é “jogar fora o bebê, com a água do banho”. A solução para “mau estado” é “bom estado”, não “nenhum estado”.

Espero ter respondido, com isso, às acusações de “estatismo” e outras acusações igualmente simplórias. Seja como for, voltemos à discussão central:

Alexander Solzhenitsyn
1918 - 2008
Em teoria, o estado tem direito legal e legítimo de usar a violência. O problema, aí, é que estado que dependa da violência para impor a lei e a ordem rapidamente se torna estado-de-violência, estado violento. E isso, creio que todos concordamos, é altamente indesejável.

Alexander Solzhenitsyn desenvolveu certa vez um conceito interessante. Disse que os governos podem ser distribuídos num continuum conceitual, que vai de “governos cujo poder é baseado na autoridade” até “governos cuja autoridade é baseada no poder”. Tem muita razão.

Num mundo ideal, todos os governos teriam o apoio do próprio povo, porque esse povo se sentiria bem representado, ouvido, assistido, cuidado, etc..No mundo real só raramente acontece, especialmente em tempos em que o caráter capitalista da economia internacional governa o planeta inteiro, e quando os 1% do topo da pirâmide mandam mais que todos os demais e mais abertamente e mais exclusivamente pela violência.

Nem é surpresa que as ideias anarquistas e libertaristas sejam hoje tão fortes nos EUA, onde a maioria das pessoas jamais conheceu estado de estilo europeu que cuide dos fracos, doentes, pobres e necessitados. Nos EUA, o estado é totalmente um instrumento nas mãos das empresas norte-americanas, grupos de interesse e dos vários lobbies.

Os "brucutus de aeroportos" dos EUA
Não é novidade para ninguém, que o estado, nos EUA, é quase inacreditavelmente violentíssimo, com suas mais de 16 agências de vigilância, policiais por toda parte e em todos os níveis, “seguranças” uniformizados, privados, também, por toda parte, os brucutus nos aeroportos, 2 milhões de norte-americanos encarcerados, tiroteios diários entre polícia e outros, sprays tóxicos, gases antitumultos, cassetetes eletrificados, etc, etc, etc.. Qualquer pessoa que viva por muito tempo nos EUA, facilmente vira anti-estatista furioso!

Mas o que acontece quando um estado cuja autoridade baseia-se em mais do que no poder bruto é desafiado por uma minoria de gente muito agressiva, que não reconhece nenhuma autoridade àquele estado e que, sim, quer usar o poder da violência para derrubar o estado?

Isso, precisamente, é o que estamos vendo hoje na Ucrânia. É também o que está acontecendo na Síria – e foi também o que aconteceu nas ruas de São Petersburgo nos primeiros meses de 1917. O que deve fazer o estado, para defender o povo?

Deve fazer como Nicolau II e recusar-se a permanecer no poder pela violência?

Deve fazer como Hafez al-Assad e matar muitos milhares de sírios, para assim proteger outros milhões de sírios?

O “massacre de Tiananmen” terá sido um modo de “comunistas chineses manterem-se no poder e opor-se às reformas”, como a imprensa-empresa insiste em repetir que teria sido, ou foi o único modo de salvar a democracia na China e evitar uma guerra civil?

E o que teria acontecido se Gorbachev tivesse mandado prender Ieltsin, Kravchuk e Shushkevich? Teria sido melhor, ou muito pior?

Minhas dúvidas e medos

Viktor Yanukovich
Francamente, acho que Yanukovich deve mandar a polícia esvaziar as ruas da cidade de Kiev. Deve tirar de lá aquela escória nacionalista. Fosse eu, também prendia os principais líderes da oposição, por sedição, insurreição armada, conspiração para derrubar o governo, traição, etc. etc. etc. – tudo que o código penal ucraniano ofereça. Que vão-se juntar a Iulia Timoshenko na cadeia, ou – melhor – que troquem de lugar com ela, porque absolutamente não vejo por que ela mereceria estar presa.

Mas, depois... O que viria?

Yanukovich tem pouca-quase-nenhuma autoridade, nos termos de Solzhenitsyn.
Hafez al-Assad, me parece, tinha autoridade.
Videla, parece-me que tinha, no inicío; mas perdeu toda a autoridade, rapidamente.

Assim sendo, se Yanukovich usar sua polícia, ele ganha autoridade ou perde autoridade? Pessoalmente, eu, sempre acho que mostrar que tem espinha dorsal e que pode ser um estadista é sempre melhor que viver como enguia ensaboada. Mas isso é opinião minha.

Tenham em mente que os famosos “Berkut” ucranianos não são nenhuma Spetsnaz [Forças Especiais da Rússia], por mais que a mídia analfabeta repita que são. São policiais antitumultos, como os CRS [polícia de choque francesa], ou os OMOH russos. Usá-los para esvaziar o centro da cidade não é “mandar os tanques”.

Até agora, aqueles infelizes policiais só receberam ordens para ir até lá e ser queimados, espancados, feridos à bala e humilhados, e não reagir. Lamento sinceramente por eles. E Yanukovich, aquele monte de lixo, não perde ocasião de denunciá-los e culpá-los, cada vez que os manda para a rua. Por mim, aqueles policiais ucranianos bem fariam se sentassem o porrete, isso sim, em Yanukovich, e dessem uma surra naquele traseiro gordo. Mas não acontecerá, infelizmente.

Problema é que, agora, se forem mandados para esvaziar a praça, os policiais adorarão aplicar boa surra naqueles punks neonazistas doidos, que estão espancando, queimando e ofendendo os policiais, já há semanas. Pedir que os policiais ajam com gentileza e solicitem cordialmente que aqueles bandidos liberem o centro da cidade, tampouco é realista. Se os policiais forem mandados realmente esvaziar, não só a rua Grushevski, mas também a praça Maidan, não há dúvidas de que haverá feridos e talvez até mortos. No momento, há cerca de 100 policiais Berkut já hospitalizados com vários tipos de ferimentos. E o número de policiais feridos só aumenta, dia a dia.

Vladimir Klichko (D) dirigente oposicionista e o representante da União Europeia na Ucrânia
Além disso, suspeito, muito fortemente, que os militantes do “Bloco Direito”, neofascistas, têm armas escondidas em Kiev e nos arredores da cidade e que as usarão no caso de o governo ordenar à polícia que esvazie o centro da cidade. Nesse ponto, os policiais Berkut terão de revidar os tiros. Haverá sangue e a mídia anglo-sionista estremecerá de indignação ante as “graves violações de direitos humanos” por um “regime desacreditado” que está “matando o próprio povo” que se “manifestava pacificamente”, por “reformas e democracia”.

Assim sendo... Yanukovich deve sentar e esperar?

Honestamente, não sei. Mas tenho a forte sensação de que um desfecho como o da praça Tiananmen (lembrem: tiveram de mandar soldados, veículos de assalto blindados e até tanques!) é o melhor que a Ucrânia pode esperar, dessa vez.

O que vocês pensam? Escrevam, por favor.

Saudações e, desde já, muito obrigado.

[assina] The Saker


2 comentários:

  1. Eu penso que você é confuso. Ser contra o secularismo sírio, dizer que a Revolução Bolchevique foi a causadora da II Guerra Mundial (dentre outras sandices) é uma maluquice que não tem tamanho.

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    1. Prezado José Marcio
      Entendo que a análise é um tanto confusa, mas o autor pode ser contra o que ele quiser... Eventuais inferências do autor não podem ser explanadas num simples artigo, mesmo sendo um tanto longo. O que The Saker quis/quer debater é QUAL o procedimento que o Viktor deve adotar face a sedição ora em marcha na Ucrânia e concorda, hoje, completamente com o que Bashar al-Assad fez e está fazendo na Síria. Foi sob esse prisma que decidimos traduzir o artigo. Aliás, você deve notar que o próprio autor pede um debate sobre os assuntos abordados...
      Abraço
      Castor

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