The Saker |
24/1/2014, The Saker, Blog The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A pergunta, portanto, é: o
governo da Ucrânia deve usar força violenta e, simplesmente, esvaziar o centro
de Kiev?
Francamente, acho que
Yanukovich deve mandar a polícia esvaziar as ruas da cidade de Kiev. Deve tirar
de lá aquela escória nacionalista neofascista.
Fosse eu, também prendia os
principais líderes da oposição, por sedição, insurreição armada, conspiração para
derrubar o governo, traição, etc. etc. etc. – tudo que o código penal ucraniano
ofereça.
Que vão-se juntar a Iulia Timoshenko na cadeia, ou – melhor! –, que
troquem de lugar com ela, porque absolutamente não vejo por que ela mereceria
estar presa.
Nas últimas
semanas tenho-me debatido contra pensamentos muito desagradáveis que quero
dividir com vocês, na esperança de que me ajudem a encontrar a saída desses
dilemas. Para explicar a questão da qual falo, usarei alguns exemplos de
eventos que despertaram em mim os pensamentos que hoje me atormentam:
Síria
Hafez al-Assad 1930 - 2000 |
Leitores
desse blog devem lembrar que, quando começaram as primeiras manifestações
contra Assad na Síria, eu apoiei firmemente os manifestantes. Meus motivos,
então, eram básicos e, francamente, bem primitivos:
1) Não
gosto do baathismo, de baathistas, nem, em geral, do secularismo árabe.
2) Sabia,
de fonte segura, de contatos com sírios, que o governo de Hafez al-Assad foi
brutal: seus Mukhabarat(s) eram universalmente temidos, seus funcionários
eram corruptos e eu sabia do fato de que ele esmagara um levante islamista em
1982, ao custo de alguma coisa entre 10 mil e 40 mil mortos (variando conforme
a fonte).
3) Quanto
ao filho, Bashar al-Assad, meu problema com ele é que muita gente sabe que durante
seu governo a CIA entregava prisioneiros para serem torturados na Síria; e
também durante seu governo, que os israelenses receberam “licença para matar”
Imad Mughniyeh, numa área de alta segurança em Damasco.
Não quero
discutir aqui, agora, se minhas razões são válidas ou não. Porque, agora, essa
discussão é irrelevante. Apenas resumo minha evolução pessoal, dizendo que, por
menos que eu gostasse de Assad, ou por menos que realmente apreciasse o governo
de Assad, e por mais que eu estivesse assumindo erradamente que as
manifestações fossem a favor da democracia, de direitos humanos, liberdade de
manifestação e pluralismo político – fato é que, em pouco tempo, percebi que eu
estava completamente errado.
O que eu
estava interpretando como manifestação da vontade do povo sírio, nunca passara
de tentativa apoiada pela CIA, financiada pela Arábia Saudita e executada por
wahhabistas, de promover “mudança de regime”. E que a Síria estava à beira de
ser convertida num híbrido de três elementos: do chamado “Estado Islâmico do
Emirado do Cáucaso”, de Somália e de Afeganistão.
Bashar al-Assad |
Rapidamente
entendi também que, para o bem ou para o mal, a pessoa de Bashar
al-Assad, o governo baathista, o estado sírio e a nação síria
eram, de-facto, uma e a mesma coisa; e que, no contexto de uma
intervenção externa, seria simplesmente irrealista pensar em defender um desses,
sem defender os demais. Ah, sim, sim! Em data futura, muito apreciarei ver
essas categorias novamente separadas. Mas hoje, agora, são, todas, a mesma
coisa. São “Síria”.
Meu assunto
hoje, porém, não é a Síria, mas os pensamentos perturbadores contra os quais me
debato desde o começo da guerra contra a Síria (atenção: não “na” Síria,
mas “contra” a Síria). Segundo várias estimativas, a guerra contra a Síria já fez
algo entre 100 mil e 150 mil mortos. Para uma população total de 22 milhões, é
muito. Mas o que realmente me pegou foi a seguinte pergunta:
– Será que
Hafez al-Assad errou quando esmagou o levante islamista em 1982, ao custo de
10-40 mil mortes em um mês, ou será que acertou? De um lado, 10-40 mil mortos
em um mês; de outro, 100-150 mil mortos em dois anos.
Claro que
alguém pode dizer que o Massacre de Hama em 1982, resultou eventualmente na guerra civil de hoje. Mas também se pode
dizer que o massacre de 1982 deu aos sírios mais de 20 anos de paz relativa. E
se Bashar al-Assad tivesse esmagado o atual levante tão imediatamente, no
início de 2011, como fez seu pai em 1982?
Se eu
tivesse uma máquina de viajar no tempo e voltasse a 1982 e falasse com Hafez
al-Assad sobre o levante islamista então em curso, será que o aconselharia a
não usar a força? Ou lhe diria: “vá em frente e esmague aquele monstro, antes
que ele se materialize e ganhe corpo, braços, pernas e armas!”?
A Ucrânia
(26/1/2014)
Assisto
pela televisão às cenas que chegam de Kiev e não paro de pensar no conselho que
daria a Yanukovich, se fosse seu conselheiro.
Há dois
dias, houve evento interessante: o regime disse à polícia que fizesse a
multidão recuar alguns metros; e que desmontasse a catapulta que havia sido
construída na rua. E os policiais cumpriram a ordem com extrema facilidade, sem
usar nenhum tipo de arma letal. Deslocaram alguns metros para trás as equipes
de “combate” de elite do chamado “Setor Direito” (são os neonazistas ucranianos),
em questão de minutos. Muitos se surpreenderam com a facilidade com que a
política avançou entre o que pareciam ser defesas muito bem plantadas; e com a
rapidez com que foi executada a ordem de esvaziar uma parte da rua Grushevsky.
Praça Maidan, centro de Kiev, em chamas (22/1/2014) |
Conto isso,
porque provavelmente indica que a polícia poderia esvaziar toda a parte central
de Kiev numa noite, se recebesse ordem para fazê-lo. Claro, esse tipo de
operação quase certamente faria vítimas fatais. Mas nada sugere que houvesse
muitas mortes.
A pergunta,
portanto, é: o governo da Ucrânia deve usar a força e, simplesmente, esvaziar o
centro de Kiev?
De Maidan a
Tiananmen a Moscou
A praça
Maidan faz lembrar outra praça, Tiananmen, na China.
Agora, por
favor, considerem o seguinte: Fui criado numa família furiosamente
anticomunista e vivi profundamente envolvido no que os sovietes costumavam
chamar de “atividades antissoviéticas”, por muitos anos. Em 1989, eu ainda,
mais ou menos, acreditava em todas as bobagens que ouvira durante minha
infância e juventude, e estudava em Washington DC, preparando minha
pós-graduação em Estudos Estratégicos; praticamente todos os meus professores
eram ou da Casa Branca, ou do Pentágono, ou da CIA, ou de alguma unidade
militar dos EUA. Pior: eu vivia sob a firme ilusão de que seria possível obter
informação aproveitável dos veículos da mídia de massa.
Conto tudo
isso para dizer que, quando começaram as manifestações na praça Tiananmen,
fiquei felicíssimo. Para mim, ali estava mais um exemplo de “o povo” contra “o
comunismo”. É. Quando os estudantes chineses construíram lá aquela ridícula “Deusa da Democracia” [Mais ridícula, impossível. Tão ridícula que NUNCA é mostrada no “ocidente”. NTs.], até eu
fiquei meio desconfiado. Alguma coisa, ali, não estava com boa cara. Mas quando
aconteceu a repressão, a foto icônica daquele momento histórico, “O homem
contra o tanque” (foto logo abaixo), realmente fez minha cabeça, em sua perfeição política, ou, como pensei naquele
tempo: um homem só detém uma coluna de tanques com o próprio corpo, sem
proteção e desarmado. O que pode ser mais nobre, mais inspirador, mais tocante,
que esse espantoso símbolo da humanidade?
"O Homem contra o Tanque" |
Três anos
adiante, em 1991, a
União Soviética “foi colapsada” (e
não discutamos agora “quem realmente” fez aquilo, nem se estava “certo” ou não)
e disparei rumo à Rússia, para minha primeira viagem para lá. Pousei em Moscou e
fui imediatamente para o centro da cidade onde ainda se viam as barricadas. O
sonho de toda a minha vida (ver os bolcheviques beijando a lona) afinal
acontecera, e ali estava eu, na capital de uma nova Rússia, livre. Ou, pelo
menos, era o que eu então pensava.
Entre 1991
e 1993, passei muito tempo em Moscou; e vi tudo: o total colapso da economia; o
aumento astronômico na criminalidade; o modo horrendo como o ex-Partido
Comunista da União Soviética se auto-re-batizou de “democrata”, exclusivamente
para assaltar a riqueza da nação; a falência total dos serviços públicos e a
criminalização da economia.
Mas em 1992
meu entusiasmo imbecil já havia arrefecido muito e minha visão de mundo
começava a ser mais sóbria, mais cínica e mais desiludida. O processo de
desilusão alcançou o pico quando, em 1993, assisti com meus próprios olhos a
orgia sangrenta comandada pelo governo de Ieltsin em Moscou. Pouco antes de
aquilo tudo começar, eu passara muitas horas com todos os partidos envolvidos
naquela disputa e só sabia, de garantido, de uma coisa: os dois lados eram
ex-comunistas; os dois lados se acusavam, um o outro, de fascistas; e os
dois lados clamavam que faziam o que faziam em defesa da democracia.
Na verdade,
os dois lados eram extremamente parecidos, e eu não gostava de nenhum lado. Com
o tempo, os ex-comunistas apoiados pelos EUA e convertidos em “democratas”
venceram a disputa, quando usaram tanques para atirar contra o prédio do
Parlamento, e a Rússia mergulhou ainda mais fundo em mais sete anos de pesadelo
“democrático”.
Deng Xiaoping |
Brincando
agora, um pouco, do jogo do “mas... e se?” – pergunto-me o que teria acontecido
se Gorbatchev tivesse feito, em 1991, o que os chineses fizeram em 1989? O que
foi pior: o “massacre” da praça Tiananmen, ou nove anos de “democracia” na
Rússia?
Entendo que
qualquer pessoa mentalmente sã e racional, que compare (I) o fantástico boom econômico que a China viveu nos anos
1990s e (II) o total colapso da
Rússia no mesmo período, tem de admitir que Deng
Xiaoping foi estadista muitíssimo mais inteligente
que Gorbachev. Não esqueçamos que o próprio Deng Xiaoping disse certa vez que a
repressão aos protestos da praça Tiananmen impediu uma guerra civil na China.
O passado,
visto em perspectiva
Em 1993, já
me restavam bem poucas ilusões, minha carreira ainda não tomara rumo fatal (o
que só aconteceria em 1997), mas meus olhos começavam a abrir-se para realidade
muito mais complexa do que eu presumira que fosse. O destino da Rússia
continuava a me interessar, e eu lia avidamente tudo que encontrava sobre a
Revolução Bolchevique e o reinado do czar Nicolau II. A montanha de tolices e
mentiras escritas sobre esses dois tópicos é uma espécie de “Monte Everest” da
literatura histórica, sobretudo porque praticamente todos os lados envolvidos
estavam dedicados a divulgar e preservar o mesmo pacote de mentiras, alguma
coisa aproximadamente semelhante ao seguinte:
Sob Nicolau II a Rússia era um pobre país
autoritário governado por um czar fraco e incompetente, que foi de repente
derrubado em 1917, num levante popular que pôs os comunistas no poder.
Nicolau II da Rússia 1868 - 1918 |
Na frase
acima, literalmente todas as palavras são mentiras. Não quero escrever análise
alguma das causas, mecanismos e natureza da Revolução de Outubro, mas tenho de
partilhar com vocês o que descobri:
1) Em 1917 a Rússia era país rico,
de economia florescente.
2) Em 1917 a Rússia era
economicamente socialista e politicamente pluralista.
3) Nicolau II nunca foi nem fraco nem
incompetente.
4) A mudança de regime real aconteceu em
fevereiro de 1917.
5) Tudo que os bolcheviques fizeram foi
chutar os liberais para fora do poder, depois de oito meses de caos absoluto,
total, supremo.
Sei que
muitos discordarão, mas peço que esqueçam minhas razões e só considerem minha
conclusão, porque é a única coisa pertinente ao dilema no qual me debato hoje:
Não há
dúvidas em minha mente de que o czar Nicolau II poderia ter esmagado *facilmente*
a revolução de fevereiro de 1917, se tivesse querido esmagá-la. As razões dele
para não o fazer são complexas (o czar foi homem complexo), mas o resumo é o
seguinte: o czar não quis se automanter no poder pela violência. Num plano humano,
compreendo-o perfeitamente. Num plano religioso (Nicolau II foi homem profundamente
religioso), também posso compreendê-lo. Meu problema é o seguinte: Mas, para o
futuro da Rússia, Nicolau II tomou a decisão certa?
Estou
pessoalmente convencido de que se Nicolau II tivesse mandado prender nada além
de 50 figuras chaves, e se tivesse mandado alguns dos seus generais mais
confiáveis esvaziar as ruas de São Petersburgo (à bala, se necessário), não
teria havido a Revolução de Fevereiro, nem a Revolução de Outubro, nem a Guerra
Civil, nem, provavelmente, a 2ª Guerra Mundial, nem, sequer, a Guerra Fria. Sei
que esses “se isso, se aquilo” e reescrever a história é sempre muito fácil. Mesmo
assim, pensem no seguinte: a vida de, digamos, algumas centenas da pior escória
da Rússia em 1917... ou a vida de dezenas de milhões de seres humanos
inocentes?
O
contraexemplo: Argentina 1976
Jose Lopez Rega 1916 - 1989 |
Em 1976, eu
tinha só 13 anos, mas tinha dois primos no exército argentino e passava as férias
de inverno em Buenos Aires. Lembro os bombardeios diários e os ataques
terroristas de 1975-1976, quando o país foi flagelado pelos guerrilheiros do Movimiento
Peronista Montonero, os Montoneros; e pelo ainda mais assustador Ejército
Revolucionario del Pueblo (ERP), por um lado; e, pelo outro, por uma
polícia absolutamente corrupta e corrompida. Bombas, sequestros, tiroteios por
toda a parte, todos os dias. Barreiras policiais por toda a cidade.
Manifestações diárias de estudantes, sindicatos, partidos políticos. Esquadrões-da-Morte
semioficiais, da extrema direita (chamados AAA, Alianza Argentina
Anticomunista), liderados pelo, acredite quem quiser, “Ministro do
Bem-Estar”, Jose Lopez Rega, também chamado “El Brujo”, o bruxo, porque era
versado em magia negra. E, como se não bastasse, toda uma província central do
país, Tucuman, sob controle dos guerrilheiros do ERP, que executaram
todos os funcionários do governo estadual e declararam estado seu. Assustador,
sem dúvida, e não só para um sujeito de 13 anos.
Jorge Rafael Videla 1925 - 2013 |
E, quando
uma junta de militares argentinos liderada pelo general Jorge Rafael Videla
tomou o poder, asseguro que muitos argentinos sentiram-se aliviados e
encheram-se de esperança de restaurar a lei e a ordem. Sabemos o que aconteceu:
dali em diante, foi ladeira abaixo, e a ditadura militar, incompetente e
violenta, terminou na mais absolutamente estúpida e mal organizada invasão das
ilhas Malvinas (sim, também acho que aquelas ilhas devem pertencer à Argentina;
mas invadir, não, não fez sentido algum). Se se avalia o governo dos militares
na Argentina, foi desastre absoluto.
Conversei
recentemente com meu velho primo, que se aposentou do exército argentino no
posto de tenente-coronel, e ele disse: “Quer saber? Vencemos a guerra militar,
mas perdemos a guerra ideológica”. Parece-me que ele está certo. Esmagaram a
guerrilha; de fato, até bem depressa; mas isso custou aos militares separar-se
completamente da vasta maioria do povo argentino. O que fecha o círculo e me
leva de volta ao meu dilema original.
O uso
legítimo da violência pelo estado
Claro que,
e por definição, há consenso generalizado entre muitos de que o estado pode, e
deve, usar a violência em defesa do povo. Essa, pelo menos em teoria, é a razão
pela qual há polícias e exércitos. Em teoria, a polícia pode usar a violência
quando necessária dentro do país; os militares, para enfrentar ameaças externas
contra o país.
Sei que
tenho muitos leitores nos EUA e sei que, entre eles, há muitos autodefinidos
anarquistas e liberais libertaristas. Permitam-me pois considerar, primeiro, as
objeções deles ao que acima ficou dito.
Anarquistas
e libertaristas opõem-se, basicamente, à existência do estado. No máximo,
admitem um “estado mínimo”; no mínimo, não admitem estado algum. Não pretendo
aqui contra-argumentar, uma a uma, contra todos os pressupostos
fundamentalmente errados (políticos, históricos, sociológicos ou econômicos) em
que se baseiam os anarquistas e os libertaristas. Só digo que a sociedade
anarquista libertarista é ainda mais utópica que a sociedade comunista ideal de
Marx. Sei que não convencerei ninguém da igreja do mito do estado-mínimo ou da
igreja do estado-zero, mas peço que deixem de lado as próprias convicções, só
para que possamos argumentar; e que aceitem, para que a discussão possa
prosseguir, os seguintes três postulados:
1) Se a função de um estado é
manter a lei e a ordem, sua missão é defender os fracos. Por quê? Porque
os poderosos não precisam de estado para defendê-los. Um rico não precisa de
saúde pública (ele pode pagar a conta do médico e do hospital). Um rico não
precisa de estradas seguras (ele pode tirar da estrada facilmente os carros dos
pobres). E se os ricos vez ou outra precisam de exército, é só porque cada rico
não pode, só ele, contratar quantidade suficiente de mercenários que sigam suas
ordens, nos casos em que, sozinho, seja comparativamente mais fraco.
2) Só o estado tem poder para impor a
obediência à lei. As entidades não estatais são reguladas pelo poder do chefe,
não da lei. Remova o estado e, por definição, você remove todas as leis.
3) A história está repleta de exemplos de
estados ruins, muito ruins, péssimos. A história também está repleta de
exemplos de medicina ruim, péssima. Nem por isso se pode viver sem
medicina alguma. Rejeitar o estado por princípio é “jogar fora o bebê, com
a água do banho”. A solução para “mau
estado” é “bom estado”, não “nenhum estado”.
Espero ter
respondido, com isso, às acusações de “estatismo” e outras acusações igualmente
simplórias. Seja como for, voltemos à discussão central:
Alexander Solzhenitsyn 1918 - 2008 |
Em teoria,
o estado tem direito legal e legítimo de usar a violência. O problema, aí, é
que estado que dependa da violência para impor a lei e a ordem rapidamente se
torna estado-de-violência, estado violento. E isso, creio que todos concordamos,
é altamente indesejável.
Alexander
Solzhenitsyn desenvolveu certa vez um conceito interessante. Disse que os
governos podem ser distribuídos num continuum conceitual, que vai de “governos
cujo poder é baseado na autoridade” até “governos cuja autoridade é
baseada no poder”. Tem muita razão.
Num mundo
ideal, todos os governos teriam o apoio do próprio povo, porque esse povo se
sentiria bem representado, ouvido, assistido, cuidado, etc..No mundo real só
raramente acontece, especialmente em tempos em que o caráter capitalista da
economia internacional governa o planeta inteiro, e quando os 1% do topo da
pirâmide mandam mais que todos os demais e mais abertamente e mais exclusivamente
pela violência.
Nem é
surpresa que as ideias anarquistas e libertaristas sejam hoje tão fortes nos
EUA, onde a maioria das pessoas jamais conheceu estado de estilo europeu que
cuide dos fracos, doentes, pobres e necessitados. Nos EUA, o estado é
totalmente um instrumento nas mãos das empresas norte-americanas, grupos de
interesse e dos vários lobbies.
Os "brucutus de aeroportos" dos EUA |
Não é
novidade para ninguém, que o estado, nos EUA, é quase inacreditavelmente violentíssimo,
com suas mais de 16 agências de vigilância, policiais por toda parte e em todos
os níveis, “seguranças” uniformizados, privados, também, por toda parte, os brucutus nos
aeroportos, 2 milhões de
norte-americanos encarcerados, tiroteios diários entre polícia e outros, sprays
tóxicos, gases antitumultos, cassetetes eletrificados, etc, etc, etc.. Qualquer
pessoa que viva por muito tempo nos EUA, facilmente vira anti-estatista
furioso!
Mas o que
acontece quando um estado cuja autoridade baseia-se em mais do que no poder
bruto é desafiado por uma minoria de gente muito agressiva, que não reconhece
nenhuma autoridade àquele estado e que, sim, quer usar o poder da violência
para derrubar o estado?
Isso,
precisamente, é o que estamos vendo hoje na Ucrânia. É também o que está
acontecendo na Síria – e foi também o que aconteceu nas ruas de São Petersburgo
nos primeiros meses de 1917. O que deve fazer o estado, para defender o povo?
Deve fazer
como Nicolau II e recusar-se a permanecer no poder pela violência?
Deve fazer
como Hafez al-Assad e matar muitos milhares de sírios, para assim proteger
outros milhões de sírios?
O “massacre
de Tiananmen” terá sido um modo de “comunistas chineses manterem-se no poder e
opor-se às reformas”, como a imprensa-empresa insiste em repetir que teria
sido, ou foi o único modo de salvar a democracia na China e evitar uma guerra
civil?
E o que
teria acontecido se Gorbachev tivesse mandado prender Ieltsin, Kravchuk e Shushkevich?
Teria sido melhor, ou muito pior?
Minhas
dúvidas e medos
Viktor Yanukovich |
Francamente,
acho que Yanukovich deve mandar a polícia esvaziar as ruas da cidade de Kiev.
Deve tirar de lá aquela escória nacionalista. Fosse eu, também prendia os
principais líderes da oposição, por sedição, insurreição armada, conspiração
para derrubar o governo, traição, etc. etc. etc. – tudo que o código penal
ucraniano ofereça. Que vão-se juntar a Iulia Timoshenko na cadeia, ou – melhor
– que troquem de lugar com ela, porque absolutamente não vejo por que ela
mereceria estar presa.
Mas,
depois... O que viria?
Yanukovich
tem pouca-quase-nenhuma autoridade, nos termos de Solzhenitsyn.
Hafez
al-Assad, me parece, tinha autoridade.
Videla,
parece-me que tinha, no inicío; mas perdeu toda a autoridade, rapidamente.
Assim
sendo, se Yanukovich usar sua polícia, ele ganha autoridade ou perde
autoridade? Pessoalmente, eu, sempre acho que mostrar que tem espinha dorsal e
que pode ser um estadista é sempre melhor que viver como enguia ensaboada. Mas
isso é opinião minha.
Tenham em
mente que os famosos “Berkut” ucranianos não são nenhuma Spetsnaz [Forças
Especiais da Rússia], por mais que a mídia analfabeta repita que são. São
policiais antitumultos, como os CRS [polícia de choque francesa], ou os OMOH
russos. Usá-los para esvaziar o centro da cidade não é “mandar os tanques”.
Até agora,
aqueles infelizes policiais só receberam ordens para ir até lá e ser queimados,
espancados, feridos à bala e humilhados, e não reagir. Lamento sinceramente por
eles. E Yanukovich, aquele monte de lixo, não perde ocasião de denunciá-los e
culpá-los, cada vez que os manda para a rua. Por mim, aqueles policiais
ucranianos bem fariam se sentassem o porrete, isso sim, em Yanukovich, e dessem
uma surra naquele traseiro gordo. Mas não acontecerá, infelizmente.
Problema é
que, agora, se forem mandados para esvaziar a praça, os policiais adorarão
aplicar boa surra naqueles punks neonazistas doidos, que estão
espancando, queimando e ofendendo os policiais, já há semanas. Pedir que os
policiais ajam com gentileza e solicitem cordialmente que aqueles bandidos
liberem o centro da cidade, tampouco é realista. Se os policiais forem mandados
realmente esvaziar, não só a rua Grushevski, mas também a praça Maidan, não há
dúvidas de que haverá feridos e talvez até mortos. No momento, há cerca de 100
policiais Berkut já hospitalizados com vários tipos de ferimentos. E o número
de policiais feridos só aumenta, dia a dia.
Vladimir Klichko (D) dirigente oposicionista e o representante da União Europeia na Ucrânia |
Além disso,
suspeito, muito fortemente, que os militantes do “Bloco Direito”, neofascistas,
têm armas escondidas em Kiev e nos arredores da cidade e que as usarão no caso
de o governo ordenar à polícia que esvazie o centro da cidade. Nesse ponto, os
policiais Berkut terão de revidar os tiros. Haverá sangue e a mídia
anglo-sionista estremecerá de indignação ante as “graves violações de direitos
humanos” por um “regime desacreditado” que está “matando o próprio povo” que se
“manifestava pacificamente”, por “reformas e democracia”.
Assim
sendo... Yanukovich deve sentar e esperar?
Honestamente,
não sei. Mas tenho a forte sensação de que um desfecho como o da praça
Tiananmen (lembrem: tiveram de mandar soldados, veículos de assalto blindados e
até tanques!) é o melhor que a Ucrânia pode esperar, dessa vez.
O que vocês
pensam? Escrevam, por favor.
Saudações
e, desde já, muito obrigado.
[assina]
The Saker
Eu penso que você é confuso. Ser contra o secularismo sírio, dizer que a Revolução Bolchevique foi a causadora da II Guerra Mundial (dentre outras sandices) é uma maluquice que não tem tamanho.
ResponderExcluirPrezado José Marcio
ExcluirEntendo que a análise é um tanto confusa, mas o autor pode ser contra o que ele quiser... Eventuais inferências do autor não podem ser explanadas num simples artigo, mesmo sendo um tanto longo. O que The Saker quis/quer debater é QUAL o procedimento que o Viktor deve adotar face a sedição ora em marcha na Ucrânia e concorda, hoje, completamente com o que Bashar al-Assad fez e está fazendo na Síria. Foi sob esse prisma que decidimos traduzir o artigo. Aliás, você deve notar que o próprio autor pede um debate sobre os assuntos abordados...
Abraço
Castor