domingo, 4 de julho de 2010

The Guardian: A Holanda aprendeu a colocar o futebol-realista acima do futebol-arte

4/7/2010

Bommel
Mark van Bommel xinga Daniel Alves durante o jogo Holanda 2 x 1 Brasil
Photograph: Matthew Childs/Action Images

Richard Williams, Guardian, Londres - Traduzido por Caia Fittipaldi

Antes de os holandeses eliminarem o Brasil da Copa 2010 de futebol na 6ª-feira, Bert van Marwijk garantira que o futebol total [no Brasil, “o carrossel holandês”?] estava morto. Seu time cumpriu a promessa do técnico. A Holanda tem tanto a ver com a geração coroada de Cruyff, Neeskens, Krol e Rensenbrink, quanto o Brasil de Dunga, com o time de Pelé, Gérson, Tostão e Clodoaldo.

Os dois times jogaram futebol no qual reina o pragmatismo, o coração de ambos entregue aos dois meio-campistas defensivos que protegiam os quatro zagueiros. Mark van Bommel e Nigel de Jong fizeram melhor trabalho que Gilberto Silva e Felipe Melo (autor do primeiro gol do Brasil e que, depois, imbecilmente, fez por merecer a expulsão), e o jogo decidiu-se aí.

A lembrança do famoso gol de Cruyff contra o Brasil em 1974, brilhou na mente de alguns idealistas em um cruzamento de Krol em momento de pura arte, no Nelson Mandela Bay Stadium em Port Elizabeth, mas logo sumiu à luz da realidade fria, sobretudo no segundo tempo, quando a Holanda conseguiu controlar o jogo, como espera poder controlar também contra o Uruguai na semifinal da 3ª-feira em Cape Town.

Van Marwijk é realista e, sem dúvida, reuniu o melhor time que encontrou disponível. Diferente dos brasileiros, que agora acusarão Dunga por ter, inexplicavelmente, deixado de fora os jovens atacantes do Santos Neymar e Ganso, nenhum torcedor holandês dá sinal de lamentar a ausência de algum gênio adolescente que tenha sido deixado esquecido em Amsterdam. Wesley Sneijder, Robin van Persie e Arjen Robben são o melhor que há, e o habilidoso e ousado jovem atacante Eljero Elia, no banco em alguns jogos, é herança de Ruud Gullit e Clarence Seedorf.

“Há alguns anos, jogávamos duas ou três boas partidas no Campeonato Europeu, e perdíamos muitas oportunidades”, disse Van Marwijk, analisando o trabalho de Marco van Basten, que se demitiu depois de eliminado nas quartas-de-final do Euro 2008. “Então, quando assumi o cargo, disse claramente à Federação Holandesa que queria ensinar o time a defender-se melhor. E a defesa começa nos atacantes.”

É concepção muito diferente – talvez mesmo uma inversão – do futebol total que, na forma perfeita, dá liberdade aos defensores para atacar, quando a oportunidade surge. Embora o atual técnico talvez não obtenha a aclamação que recebeu então e até hoje Rinus Michels, que refinou o conceito original e levou a equipe holandesa às finais em 1974 contra a Alemanha Ocidental, seus resultados falam muito eloquentemente da alta efetividade de sua filosofia. Mas os camisa-laranja da Holanda são em geral mais associados a um futebol mais alegre e criativo do que o que têm mostrado na África do Sul, onde parecem dar-se por satisfeitos com chegar ao resultado desejado, não importa por quais meios.

“Continuamos querendo a mesma coisa”, disse Van Marwijk. “Em nossos últimos jogos antes da Copa do Mundo, marcamos 13 gols em três jogos. Não estamos fazendo muitos gols na Copa e, se se ganha o jogo sem muitos gols, pode parecer que estamos jogando diferente. Não queremos é depender da sorte nem do adversário. Queremos depender de boa organização, que não facilite a vida do adversário.”

O capitão holandês, o muito experiente Giovanni van Bronckhorst, de 35 anos, não precisa de muito para destacar a diferença em relação a copas passadas, ao falar da coesão do elenco. “O clima entre os jogadores é muito bom. Somos grupo unido, que joga junto há quatro, seis anos. E todos sabemos o potencial uns dos outros. Lutamos uns pelos outros. É ótimo jogar num time no qual se pode confiar.”

Van Marwijk preparou seus jogadores para o jogo com o Brasil, mandando-os ignorar as tentações e manter-se focados no planejado, a mesma abordagem que lhes valeu sequência importante de vitórias em jogos da competição: oito, nas classificatórias e quatro – agora, cinco – no próprio torneio.

“É muito importante jogar nosso jogo e não entrar no jogo do Brasil como alguns fizeram”, disse ele. “Podemos pressioná-los muito. Quero o time relaxado e ao mesmo tempo tenso, que é como se deve jogar sempre”.

Mas, com o Brasil, no primeiro tempo, perdendo várias oportunidades para ampliar o placar, depois do primeiro gol aos 10 minutos, de Robinho, e dando a impressão que marcariam a qualquer momento se o time se concentrasse, a Holanda estava em cacos, sobretudo o ataque. Van Persie não conseguia passar pelos altos zagueiros brasileiros, Sneijder nada fazia e Robben era desarmado sempre que tentava atacar pela direita.

Marca de bom técnico é conseguir que a equipe jogue melhor no segundo tempo, em jogos importantes, e não há dúvidas de que Van Marwijk conseguiu acertar o foco de seus jogadores, no vestiário, na 6ª-feira. O sucesso mais significativo foi conseguir que Robben enfrentasse diretamente Michel Bastos, o meia-esquerda do Brasil que o vencera várias vezes antes do intervalo. De repente, Robben ameaçava cada vez que pegava a bola e sua disposição de combate, em qualquer contato, tornou-se importante arma tática.

As bolas de Robben passaram a irritar, tanto quanto os agarrões e chutes dos brasileiros, que começaram no primeiro minuto de jogo e prosseguiram, incluindo falta na grande área contra Van Persie, pênalti que o juiz não marcou, e continuaram ao longo da partida, o que reduziu ainda mais a simpatia já então residual pelos perdedores. O cúmulo foi a expulsão de Melo, momento em que evaporaram quaisquer esperanças que o Brasil ainda acalentasse, e garantiu a vitória da Holanda, exatamente nos termos que Van Marwij buscava – com equipe organizada, combativa, funcional – e que, sim, ainda podem levar os holandeses adiante.

O artigo original, em inglês, pode ser lido em: World Cup 2010: Dutch learn to put function above flair