10/2/2014, [*] Eric Draitser – New Eastern Outlook
Traduzido por João Aroldo
A
gravação recentemente divulgada da secretária-assistente de Estado dos EUA,
Victoria Nuland, conspirando com o embaixador dos EUA para a Ucrânia para a
fabricação de um novo governo no país revelou como os EUA se intrometem
diretamente nos assuntos de nações soberanas. No entanto, ao invés de um
incidente isolado, este episódio é parte de uma rica história de “diplomacia”
dos EUA como um meio de mudança de regime.
Victoria Nuland Geoffrey Pyatt |
Na quinta-feira, 06 de fevereiro de 2014, veio à tona uma conversa
telefônica gravada entre a secretária de Estado dos EUA, Victoria
Nuland, e o embaixador dos EUA para a Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Durante este
telefonema, os dois discutem uma série de questões, incluindo como eles
gostariam que o novo
governo da Ucrânia fosse constituído, incluindo papéis específicos para
os líderes da oposição. A gravação põe a nu o fato de que, apesar da retórica
da “democracia” e “autodeterminação”, a intenção de Washington na Ucrânia é
utilizar a crise política como um meio de fabricação de um governo favorável
aos interesses ocidentais e abertamente hostis a Moscou.
Durante a conversa, Pyatt afirma:
Estamos tentando
fazer uma leitura muito rápida de onde ele [Klitschko] está nesta coisa...
[Uma ligação para Klitschko] é o próximo
telefonema que queremos fazer... Estou feliz por você colocar [Yatsenyuk] no local onde ele se encaixa neste cenário.
Nuland responde, dizendo:
Eu não acho que
Klitsch[ko] deva ir para o governo... Eu não acho que seja uma boa ideia... Yats[enyuk
] é o cara, ele tem experiência...
Este pequeno trecho do telefonema ilustra muito claramente que, ao invés de
simplesmente apoiar a oposição, Nuland e seus superiores em Washington estão
gerenciando-os diretamente para fins de fabricação de um governo de sua
escolha. Além disso, ele demonstra o fato ineludível de que, apesar de toda sua
retórica sobre “democracia”, a administração Obama, como as administrações
anteriores, usa isso apenas como uma cobertura para uma agenda
de mudança de regime projetada para vantagem geopolítica.
Embora muitos observadores políticos e analistas já saibam há décadas que
os EUA usam essas táticas, ainda há muitos na classe política e mídia
corporativa ocidental que se recusam a reconhecer esse fato, descartando-o como
mera “especulação”.
O telefonema vazado mostrou conclusivamente, por meio de provas concretas
incontestáveis, que os Estados
Unidos manipulam cinicamente movimentos políticos e sociais
internacionalmente.
Países Diferentes, mesma estratégia
Em todo o mundo, os Estados Unidos usaram a diplomacia como um disfarce
para a desestabilização de governos que consideram hostis. Um exemplo
particularmente flagrante são as repetidas tentativas de derrubar o governo do
presidente Mugabe e seu partido ZANU-PF no Zimbábue. Washington tem apoiado há
tempos o queridinho dos EUA, Morgan Tsvangirai e seu partido de oposição,
conhecido como Movimento para a Mudança Democrática (Movement for Democratic Change - MDC-T), por causa de sua vontade de implementar o que é
chamado eufemisticamente de “liberalização econômica” - linguagem cifrada para
a colaboração com o capital financeiro neoliberal - bem como a sua dedicação
para minar o governo aliado à China de Mugabe.
Robert Mugabe, Presidente do Zimbábue e Xi Jinping, hoje Presidente da Chna em 16/11/20011 |
Em 2010, o WikiLeaks
divulgou telegramas diplomáticos entre o ex-embaixador dos EUA
no Zimbabwe Christopher Dell e seus superiores em Washington. Os telegramas
revelam como os Estados Unidos têm trabalhado e preparado a mudança de regime
no Zimbábue ativamente. O Embaixador Dell escreveu que:
Nossa política está funcionando e está ajudando a causar
mudanças aqui. O que é necessário é simplesmente a coragem, determinação e foco
para conseguir isso. Então, quando finalmente vierem as mudanças, nós temos que
estar prontos para agir rapidamente para ajudar a consolidar a nova
distribuição... Ele [o
Sr. Tsvangirai] é o elemento indispensável para a mudança de regime, mas vai
ser, possivelmente, uma pedra no sapato, uma vez no poder.
Os telegramas mostram a íntima relação de trabalho que existe entre a
chamada oposição e seus apoiadores ocidentais. Embora isso não seja segredo no
Zimbábue, isso é novidade para muitos no Ocidente que têm sido exaustivamente
levados a acreditar que o MDC-T e Tsvangirai representam mudanças substanciais
e um movimento em direção a mais democracia. Infelizmente, o Zimbábue não é o
único alvo dos EUA para a mudança de regime sob o pretexto de “democratização”.
A Venezuela se tornou um alvo principal de mudança de regime dos EUA quando
Hugo Chávez foi eleito presidente. Corretamente visto como uma séria ameaça
para a hegemonia política e econômica dos EUA na Venezuela e em toda a América
Latina, Chávez e seu governo socialista bolivariano foi o alvo de uma série de
estratégias que visam a desestabilização e/ou derrubada. Além do golpe que
temporariamente (por uma questão de horas) depôs Chávez e colocou em seu lugar
um governo de direita apoiado e reconhecido pelos Estados Unidos, Washington
fez uma série de tentativas de mudança de regime com uma vasta rede de ONGs e
outras organizações financiadas de fora do país.
Simon Bolívar e Hugo Chávez |
Em um telegrama diplomático divulgado
pelo WikiLeaks, o ex-embaixador dos EUA na Venezuela, William
Brownfield, detalhou as inúmeras formas com que os EUA estavam tentando se
infiltrar na base política dos partidários de Chávez para criar divisões que
poderiam ser exploradas para destruir o movimento bolivariano. Brownfield
explicou em detalhes como os Estados Unidos utilizaram a Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional (United States Agency for International Development - USAID), o Escritório de Iniciativas de Transição (Office of Transition Initiative- OTI) e outras organizações para distribuir fundos e prestar
assistência técnica a uma variedade de ONGs que estavam trabalhando ativamente
contra o governo eleito de Chávez.
Como prova desse compromisso contínuo, basta dar uma olhada num artigo do Council on Foreign Relations
escrito pelo ex-embaixador dos EUA na Venezuela, Patrick Duddy em que ele
apresenta uma série de cenários para a desestabilização do governo de Chávez,
na sequência das eleições de 2012. Um dos cenários mais sinistros envolveu o
uso de violência nos dias após a eleição como um meio de deslegitimar os
resultados. Isto é precisamente o que aconteceu, embora Chávez e seu partido
tivessem sido capazes de manter o controle. Além disso, é um segredo aberto na
Venezuela que a oposição Mesa de la
Unidad Democratica (MUD) é apenas um fantoche da Câmara de Comércio
norte-americana e de outros interesses dos EUA e que seu candidato Henrique
Capriles é meramente um representante de Washington.
A Venezuela certamente não foi a única nação latino-americana liderada por
um presidente de esquerda carismático e popular alvo dos EUA para a mudança de
regime. Bolívia e Equador estão ambos na lista de inimigos de Washington. Na
verdade, o presidente boliviano Evo Morales deu o passo extraordinário de
expulsar completamente a USAID, afirmando que:
(...) não havia
falta de instituições norte-americanas, que continuam a conspirar contra o
nosso povo e, especialmente, o governo nacional, e é por isso que vamos aproveitar
a oportunidade e anunciar... que nós decidimos expulsar a USAID.
Morales destacou que os programas da USAID têm “fins mais políticos do que
sociais”.
Apesar dos desmentidos vigorosos por funcionários da USAID e do establishment
político dos EUA, há ampla evidência de suporte para as afirmações do
presidente boliviano.
Assim como na África e América Latina, os EUA tentaram manipular a oposição
política, para efeitos de mudança de regime na Rússia. Durante os protestos
2011-2012 contra o presidente russo, Vladimir Putin, vieram à tona acusações de
que o embaixador dos EUA, Michael McFaul, estava envolvido na organização dos
líderes da oposição e liderando o movimento nas sombras. Embora tanto o
Departamento de Estado como o próprio McFaul negassem a acusação, vieram a
público evidências que comprovaram as acusações. Em um vídeo viral no YouTube (logo abaixo), vemos Boris Nemtsov (copresidente do partido de oposição RPR-PARNAS) e
outras figuras importantes da oposição saindo da embaixada dos EUA em Moscou
depois de uma reunião com o embaixador dos EUA.
A relação entre a oposição russa e os EUA pode ser vista a partir de tais
associações pessoais, mas também em termos de assistência financeira fornecida
por órgãos dos EUA, como o National
Endowment for Democracy (NED). Isso é, naturalmente, parte da agenda mais
ampla dos EUA para desestabilizar o governo Putin e substituí-lo por um governo
fantoche amigável aos EUA.
Estas revelações começam a pintar um quadro muito feio da política externa
dos EUA com base na manipulação cínica das instituições supostamente
democráticas. Usando uma variedade de táticas políticas e diplomáticas,
Washington projeta seu poder em nações que considera ser “adversárias”.
Ao fazê-lo, os EUA se revelam hipócritas, na medida em que afirmam “promover
a democracia” ao trabalhar ativamente para minar governos democraticamente
eleitos em todo o mundo.
____________
[*] Eric Draitser é Analista independente
de Geopolítica com sede em Nova Yorque e fundador do sítio Stop Imperialism. É colaborador
regular de Russia Today, Counterpunch, Research on Globalization, Press TV, New Eastern Outlook e muitos outros meios de comunicação. Produz
também podcasts disponíveis no iTunes e Stop
Imperialism, bem como The
Reality Principle, disponível exclusivamente no sítio BoilingFrogsPost.com. Visite StopImperialism.com e acesse todas as suas postagens.
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