Como foram inventadas (e por que não
acabarão)
6/2/2014, [*] Gareth Porter, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
WASHINGTON
– Quando agências ocidentais de inteligência começaram, no início dos anos
1990s, a interceptar telexes de uma universidade iraniana para empresas
estrangeiras de alta tecnologia, os analistas de inteligência convenceram-se de
que ali estariam os primeiros indícios de envolvimento dos militares no
programa nuclear iraniano. Essa ideia levou à “conclusão”, pela inteligência
dos EUA, ao longo de toda a década seguinte, de que o Irã estaria empenhado,
secretamente, na construção de armas atômicas.
A suposta
prova dos esforços militares para comprar equipamento para enriquecimento de
urânio, que parecia haver nos telexes, foi também a principal base para que a
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) passasse a investigar o
programa nuclear iraniano, de 2003 até 2007.
Mas aquela
interpretação dos telexes interceptados, sobre a qual se basearam todas as “conclusões”,
como depois se soube, era fundamentalmente errada. Os analistas, decididos a
encontrar qualquer prova de algum programa nuclear iraniano, haviam assumido,
erradamente, que a combinação de consultas sobre tecnologias só poderia ser
relevante para um programa nuclear. E o suposto papel de uma instituição
relacionada com os militares só poderia significar que os militares iranianos estariam
por trás das consultas e contatos.
Em 2007-08,
o Irã ofereceu provas sólidas de que as consultas para compra e as encomendas
de tecnologias à venda haviam sido feitas por professores e pesquisadores
acadêmicos.
Os telexes
interceptados que puseram em marcha toda uma sequência de avaliações pela
inteligência dos EUA, de que o Irã estaria trabalhando para construir bombas
atômicas, foram enviados da Universidade Sharif de Tecnologia, em Teerã, a
partir do final de 1990 e continuaram até 1992. As datas dos telexes, as
consultas e encomendas específicas e o número do telex do Centro de Pesquisas
Físicas do Irã [orig. PHRC] foram revelados em fevereiro de 2012, em
artigo assinado por David Albright, diretor executivo do Institute for
Science and International Security, e dois coautores.
Localização de instalações nuclares do Irã (clique na imagem para aumentar) |
Os telexes
que mobilizaram as agências de segurança depois daquilo falavam de tecnologias
para duplo uso, o que implicava que tinham a ver com conversão e enriquecimento
de urânio, mas podiam ser usadas para aplicações não nucleares.
Porém, o
que despertou as mais terríveis suspeitas entre os analistas de inteligência
foi o fato de que os pedidos de compra levavam o número do telex do Centro de
Pesquisas em Física [orig. Physics Research Center (PHRC)], conhecido
por ter contratos com os militares iranianos.
Agências de
inteligência dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e Israel partilhavam dados brutos
de inteligência relacionados aos esforços dos iranianos para fazer avançar seu
programa nuclear, segundo várias fontes publicadas.
Os telexes
mostravam consultas e pedidos de compra de equipamento “de alto vácuo”, imãs
“em anel”, uma máquina de balanceamento e cilindros de gás fluorídrico (HF)
[orig. fluorine gas], todos esses
itens considerados úteis para um programa de conversão e enriquecimento de
urânio.
Uma Schenck
balancing machine [Há máquinas a venda, hoje (NTs)] encomendada
no final de 1990 ou início de 1991 chamou a atenção de analistas de
proliferação, porque poderia ser usada para estabilizar as partes montáveis do rotor
da centrífuga P1 para enriquecimento de urânio. Os ímãs “em anel” encomendados
pela universidade, pelo que se supunha, poderiam servir para a produção de
centrífugas.
Locais de minas, reatores e enriquecimento de urânio do Irã (clique na imagem para aumentar) |
A encomenda
de 45 cilindros de gás (ou ácido) fluorídrico pareceu suspeita, porque o flúor
é misturado ao urânio para produzir hexa fluoreto de urânio (UF6), a forma de
urânio usada para o enriquecimento.
A primeira
alusão indireta à “prova” dos telexes apareceu na mídia no final de 1992,
quando um funcionário do governo de George H W Bush disse ao Washington Post
que o governo estava trabalhando para proibir a venda, para o Irã, de qualquer
tecnologia relacionada a programas nucleares, por causa do que chamou de “um
padrão de encomendas muito suspeito”.
Então, se
noticiou pela primeira vez que os iranianos estavam tentando obter essas
específicas tecnologias de grandes fornecedores estrangeiros, sem qualquer
referência aos telexes interceptados, num documentário exibido numa edição do
programa Frontlines, do Public
Broadcasting System, intitulado “Iran and the Bomb” [O Irã e a bomba], em
abril de 1993. Nesse documentário, as encomendas foram mostradas como clara
indicação de que havia um programa iraniano para construir armas atômicas.
O produtor
do documentário, Herbert Krosney, descrevia em termos semelhantes esses
esforços dos iranianos também em seu livro Deadly Business [Negócios
mortais] publicado também em 1993.
Em 1996, o
diretor da CIA no governo do presidente Bill Clinton, John Deutch, declarou
que:
(...) ampla variedade de dados indicam que Teerã
determinou a organizações civis e militares que apoiem a produção de material
físsil para armas atômicas.
Todas as instalações e facilidades nucleares iranianas (clique na imagem para aumentar) |
Ao longo de
toda a década seguinte, os especialistas da CIA em não proliferação continuaram
a apoiar naqueles telexes todas as suas análises, desenvolvendo o “tema” de que
o Irã estaria, sim, desenvolvendo armas atômicas. A National Intelligence
Estimate de 2001 [Relatório oficial da inteligência dos EUA, que concentra
avaliações de todas as 16 agências norte-americanas de inteligência], top-secret,
levava o título de “Iran Nuclear Weapons Program: Multifaceted and Poised to
Succeed, but When?” [Programa iraniano de armas nucleares: multifacetado e
posicionado para dar certo, mas quando?”].
O
ex-vice-diretor-geral para Salvaguardas, da Agência Internacional de Energia
Atômica, Olli Heinonen, escreveu, em artigo de maio de 2012, que a AIEA havia
obtido “um conjunto de informações sobre encomendas [feitas pelo] Centro de
Pesquisa Físicas do Irã [orig. PHRC]” – referência evidente ao conjunto
de telexes – que o levara a iniciar uma investigação em 2004, a qual, adiante,
seria chamada de “Atividades de compras feitas pelo ex-diretor do Centro de
Pesquisa em Física do Irã [orig. PHRC]”.
Mas depois
do acordo de agosto de agosto de 2007 entre o Irã e o diretor-geral da AIEA,
Mohamed ElBaradei, sobre um cronograma para a resolução de “todas as questões
remanescentes”, o Irã forneceu plena e completa informação sobre todas as
questões das compras que a AIEA havia levantado.
A
informação foi distribuída pelo ex-diretor do Centro de Pesquisa em Física do
Irã [orig. PHRC], Sayyed Abbas Shahmoradi-Zavareh, que era professor na
Universidade Sharif naquele momento, e que recebeu solicitações de vários
departamentos da Universidade para ajudar a encomendar e comprar equipamento ou
material para ensino e pesquisa da própria universidade.
O Irã
ofereceu provas abundantes em apoio às explicações que deu para cada consulta
de compra ou encomenda que a AIEA estava investigando. Mostrou que o
equipamento de alto vácuo fora solicitado pelo Departamento de Física, para
experiências que os alunos estavam desenvolvendo de evaporação e técnicas de
vácuo para produzir revestimentos finos de alta resistência; ofereceu os
manuais de instruções redigidos para as experiências, comunicações internas e
até os documentos de embarque das encomendas.
Como Israel pode atacar o Irã (clique na imagem para aumentar) |
O
Departamento de Física também comprou ímãs para experiências de “Lenz-Faraday”
nos quais os alunos trabalhavam; também exibiu os manuais de instruções, os
pedidos originais de fundos para a compra e a fatura enviadas pelo fornecedor,
correspondentes às compras pagas em dinheiro. A balancing machine foi
comprada para o Departamento de Engenharia Mecânica; toda a compra foi
comprovada com documentação similar, tudo entregue à AIEA. E os inspetores da
AIEA constataram que a máquina estava, sim, instalada naquele departamento da
Universidade.
Os 45
cilindros de gás fluorídrico que Shahmoradi-Zavareh tentara encomendar haviam
sido pedidos pelo Gabinete de Relações Industriais para pesquisas sobre a estabilidade
química de polímeros de revestimento, como se comprova pela carta original da
encomenda e correspondência trocada entre o ex-diretor do PHRC e o
presidente da universidade.
O relatório
da AIEA de fevereiro de 2008 mostra toda a documentação detalhada fornecida
pelo Irã sobre cada uma dessas questões; nenhum documento foi rejeitado ou
considerado não satisfatório pela AIEA. O relatório declarou que “no atual
estado das investigações essa questão está resolvida”, contra toda a pressão
que os EUA fizeram sobre ElBaradei para que não concluísse o relatório, nem
desse por resolvida nenhuma das questões que estavam sendo investigadas. Essa
pressão, exatamente, foi comprovada por telegramas diplomáticos distribuídos
por WikiLeaks.
O relatório
da AIEA mostrou, em 2008, que a inteligência inicial, base para todas as
denúncias que os EUA fizeram contra um suposto programa nuclear iraniano, ao
longo de mais de uma década, era inteligência completamente errada.
Mas esse
desenvolvimento crucial, na narrativa da história “nuclear” do Irã não foi
sequer registrado pela imprensa-empresa.
Naquele
momento, o governo dos EUA, a AIEA e o bloco da imprensa-empresa nos EUA e no
mundo já haviam arranjado outras supostas “provas”, ainda mais dramáticas: um
conjunto de documentos, supostamente roubados de um laptop no Irã,
associado com um suposto programa clandestino de armas atômicas iranianas, que
teria sido desenvolvido de 2001
a 2003. E o relatório oficial da inteligência dos EUA [National
Intelligence Estimate] de 2007 concluiu que o Irã mantivera o tal programa,
sim, mas o programa fora suspenso em 2003.
Bases de mísseis e combustíveis (produção) do Irã |
O
Departamento de Física também comprou ímãs para experiências de “Lenz-Faraday”
nos quais os alunos trabalhavam; também exibiu os manuais de instruções, os
pedidos originais de fundos para a compra e a fatura enviadas pelo fornecedor,
correspondentes às compras pagas em dinheiro. A balancing machine foi
comprada para o Departamento de Engenharia Mecânica; toda a compra foi
comprovada com documentação similar, tudo entregue à AIEA. E os inspetores da
AIEA constataram que a máquina estava, sim, instalada naquele departamento da
Universidade.
Os 45
cilindros de gás fluorídrico que Shahmoradi-Zavareh tentara encomendar haviam
sido pedidos pelo Gabinete de Relações Industriais para pesquisas sobre a estabilidade
química de polímeros de revestimento, como se comprova pela carta original da
encomenda e correspondência trocada entre o ex-diretor do PHRC e o
presidente da universidade.
O relatório
da AIEA de fevereiro de 2008 mostra toda a documentação detalhada fornecida
pelo Irã sobre cada uma dessas questões; nenhum documento foi rejeitado ou
considerado não satisfatório pela AIEA. O relatório declarou que “no atual
estado das investigações essa questão está resolvida”, contra toda a pressão
que os EUA fizeram sobre ElBaradei para que não concluísse o relatório, nem
desse por resolvida nenhuma das questões que estavam sendo investigadas. Essa
pressão, exatamente, foi comprovada por telegramas diplomáticos distribuídos
por WikiLeaks.
O relatório
da AIEA mostrou, em 2008, que a inteligência inicial, base para todas as
denúncias que os EUA fizeram contra um suposto programa nuclear iraniano, ao
longo de mais de uma década, era inteligência completamente errada.
Mas esse
desenvolvimento crucial, na narrativa da história “nuclear” do Irã não foi
sequer registrado pela imprensa-empresa.
Naquele
momento, o governo dos EUA, a AIEA e o bloco da imprensa-empresa nos EUA e no
mundo já haviam arranjado outras supostas “provas”, ainda mais dramáticas: um
conjunto de documentos, supostamente roubados de um laptop no Irã,
associado com um suposto programa clandestino de armas atômicas iranianas, que
teria sido desenvolvido de 2001
a 2003. E o relatório oficial da inteligência dos EUA [National
Intelligence Estimate] de 2007 concluiu que o Irã mantivera o tal programa,
sim, mas o programa fora suspenso em 2003.
Gareth Porter |
[*] Gareth Porter (nascido em 18
junho de 1942) é um historiador americano, jornalista investigativo, autor e
analista político especializado na política de segurança nacional dos
EUA.Especialista em Vietnã e ativista anti-guerra durante a Guerra do Vietnã,
servindo em Saigon como chefe do departamento de expedição do News Service
International nos anos 1970-1971 e, mais tarde, como co-diretor do Centro
de Recursos da Indochina.Foi muito criticado por seu entusiasmo pelo Khmer Rouge,
partido do governo do Camboja,
na época. Escreveu vários livros sobre os conflitos no Sudeste Asiático e no
Oriente Médio, o mais recente dos quais é Perils of Dominance: Imbalance of
Power and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os
Estados Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al
Jazeera – em inglês, The Nation, Asia Times, Inter Press Service, The Huffington Post e
Truthout. Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha Gellhorn de jornalismo,
que é atribuído anualmente pelo Club Frontline em Londres. Porter é
formado na Universidade de Illinois. Recebeu seu mestrado em Política Internacional na Universidade de Chicago e seu Ph.D. em Estudos sobre o Sudeste Asiático na
Universidade de Cornell. Ministrou cursos sobre Estudos sobre Política
Internacional no City College of New York e na American University.
Atualmente atua como jornalista free-lancer para inúmeras publicações
internacionais.
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