27/2/2014, [*] Finian Cunningham, Strategic
Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Viktor Yanukovich (D) e Joe Biden (E) (Em 2009 a "cama" de Yanukovich já estava feita...) |
Dias antes de o presidente ucraniano Viktor Yanukovich ser
expulso do governo, ele foi informado pelo vice-presidente dos EUA, Joe Biden,
de que era “fim de jogo”. Segundo o The
Guardian britânico, que cita funcionários não identificados dos EUA,
Biden recriminou o presidente ucraniano, durante telefonema que durou uma hora,
pelo fracasso de seus esforços para encontrar solução negociada para a crise
ucraniana, os quais teriam chegado com “um dia de atraso, e incompletos”. Não
se pode dizer que tenha sido comentário amigável de observador neutro.
Desde o fim de semana passado, Yanukovich desapareceu de
circulação, com notícias de que estaria em algum ponto da Península da Crimeia,
no sudeste da Ucrânia. Um ex-chefe de gabinete, Andriy Kluyev, foi ferido em
ataque a tiros, por “manifestantes” antigoverno. Outros membros do Partido das
Regiões de Yanukovych também fugiram dos gabinetes no Parlamento, temendo
ataques similares; o que deixou a Câmara legislativa entregue a bandos da
oposição. Esse parlamento ilegítimo rapidamente aprovou acusações formais
contra o ex-presidente e altos funcionários do governo, como responsáveis pelas
dúzias de mortos durante os três meses de tumultos e protestos.
Kiev transformada em terra sem lei pelos nazi-fascistas |
O clima de terra sem lei governado por gangues que já se
implantou em Kiev espalhou-se para outras partes do país, com as comunidades
pró-Rússia, sobretudo, já temendo guerra
civil em toda essa ex-República Soviética. Esse
clima de medo é reflexo do golpe de estado construído e lançado contra
presidente eleito e seu governo.
A chegada essa semana do vice-secretário de Estado dos EUA
Williams Burns à capital
da Ucrânia, “para discutir com
figuras políticas e empresariais” o futuro do país é mais uma evidência de que
todo o golpe de estado foi evento patrocinado e promovido por Washington. Por
que mais o vice-presidente dos EUA, Joe Biden tanto se interessaria pelos
assuntos internos da Ucrânia a ponto de telefonar várias vezes da Casa Branca
ao infeliz Yanukovich, nas últimas semanas?
Essa interferência criminosa nada “encoberta” dos EUA, em
estado soberano, já não surpreende ninguém.
Manifestantes nazi-fascistas portando bandeiras da União Europeia combatem em Kiev |
O secretário de Estado dos EUA John Kerry e outros líderes
ocidentais a repetirem que a Ucrânia não seria “batalha
entre o Leste e o Oeste” é, no
mínimo absurdo risível, sempre devidamente regurgitado servilmente pela chamada
imprensa de notícias ocidental, para consumo popular.
A Ucrânia já estava na lista de “mudança de regime” desde o
início dos anos 1990s, quando o país foi atacado pela primeira vez por Zbigniew
Brzezinski e outros “estrategistas” do império norte-americano, como área
desprotegida, um baixo ventre vulnerável, para desestabilizar a Rússia. A “revolução
laranja” patrocinada pelo ocidente, de meados dos anos 2000s, e que abriu a
Ucrânia para ser saqueada pelo capital ocidental, já se deixa ver hoje, bem
claramente, como um ensaio geral para a operação de golpe para “mudança de
regime” que hoje se vê em curso.
De fato, a Ucrânia já pode ser acrescentada ao conhecido
inventário de países alvos de golpes para “mudança de regime” que foi revelado
em 2007 por Wesley Clark, general norte-americano de quatro estrelas. Há quase
sete anos, Wesley Clark foi a público e contou como Washington tinha um plano
em andamento, no mínimo desde o final de 2001, quando o país invadiu o
Afeganistão, e que incluía a ambição de “mudar o regime” em outros seis países
– Iraque, Síria, Líbano, Somália, Sudão e Irã. Todos esses países sofreram, em
maior ou menor grau, a agressão por operação militar clandestina liderada por
Washington, a mais intensa das quais se vê hoje na Síria, onde EUA e aliados
financiam e armam uma insurgência estrangeira infiltrada ali.
Além dos conhecidos já sete alvos (incluindo o Afeganistão),
eventos recentemente orquestrados na Ucrânia e provas de evidente intervenção
ocidental também fazem desse país mais um item na agenda de governos a
derrubar, de Washington. Além do mais, é cada dia mais visível que não só a
Ucrânia é alvo dos intentos criminosos.
Grupos pagos pelos EUA provocam agitação e violência na Venezuela |
A violência das manifestações de rua na Venezuela para
desestabilizar o governo do presidente socialista Victor Maduro são, sem dúvida
possível, também maquinações da interferência de Washington também na
Venezuela. E a subversão de hoje faz lembrar a tentativa de golpe, também
apoiada pelos EUA, contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002.
Em anos recentes, Washington também esteve ativa em golpes
para “mudança de regime” ou tentativa de golpe em Honduras e no Uruguai, e foi
cúmplice da intervenção militar ilegal da França em vários pontos da África,
incluindo Costa do Marfim, Mali e atualmente na República Centro-Africana.
Golpes para “mudança de regime” são procedimento operacional
padrão para Washington e seus procuradores. Não é alguma aberração irracional:
é movimento estrutural. Na longa perspectiva histórica que vai até o surgimento
dos EUA como potência imperial entre meados e o final dos anos 1800s,
Washington já esteve envolvida em mais golpes, contragolpes, guerras de
subterfúgio e agressões por todo o planeta, que qualquer outro estado.
Apesar das aparentemente sinceras declarações de que não há
intervenção do ocidente na Ucrânia, o único modo de compreender o torvelinho
que tomou conta daquele país é analisá-lo no contexto das ambições imperialistas
de Washington, em nome do capitalismo ocidental. Essa agenda é, infelizmente,
seguida por sucessivos governos europeus, que demonstram suas prioridades
políticas subscrevendo o diktat do capitalismo liderado pelos EUA na
direção de “austeridade” econômica contra seus próprios cidadãos, e garantindo
carta branca a Washington para que viole o quanto queira a lei internacional.
A verdade sistêmica é que o capitalismo não pode ser
sustentado sem a conquista imperialista. É especialmente verdade em tempos de
crise do capitalismo, e a atual conjuntura é, provavelmente, a mais profunda
crise histórica surgida ante a viabilidade do capitalismo liderado pelos EUA. O
imperialismo, com sua proclividade para a intervenção em países estrangeiros, a
subversão e a indução a sempre mais guerras está, portanto, hoje no seu ponto
mais agudo de necessidade de manifestar-se, para aliviar a estagnada ordem
econômica liderada pelos EUA. E é isso que torna a atual situação global tão
perturbadoramente perigosa.
Lênin em 1918 |
Essa conexão estrutural entre o capitalismo e o imperialismo
foi exposta, em toda a sua cogência, em 1916, por um líder russo bolchevique,
Vladimir Lênin, em seu estudo O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo.[1]
As intuições de Lênin relacionadas às causas econômicas e
sistêmicas da Iª Guerra Mundial resistiram ao teste do tempo, por mais que
tenham sido censuradas e excluídas da consciência ocidental “oficial”. Aquelas
intuições de como as crises do capitalismo alimentam a predação imperialista
aplicam-se, igualmente precisas e cogentes também para explicar as origens da
IIª Guerra Mundial e de muitos outros conflitos internacionais subsequentes,
inclusive o surto atual de golpes para “mudança de regime” patrocinado pelos
EUA em diferentes continentes.
A análise de Lênin dá conta do motivo pelo qual Washington
escalou no seu vício de provocar golpes de “mudança de regime” por todo o
planeta ao longo da última década, a partir do momento em que a ordem
capitalista comandada pelos EUA viu-se encurralada numa depressão que já parece
insuperável. Como em outras vezes, a guerra e o assalto imperialista são o
único modo que o sistema conhece para aliviar sua própria tendência destrutiva,
gerando impasses. Não surpreende, portanto, ironicamente, que um dos primeiros
atos dos manifestantes fascistas patrocinados pelo ocidente em Kiev, ainda no
final do ano passado, tenha sido destruir monumentos que homenageavam Lênin.
O que se passa hoje na Ucrânia está afinado com a dinâmica
histórica maior que os EUA e seus fantoches ocidentais aprofundaram, em seu
ímpeto imperialista – por todo o planeta.
Em última instância, os alvos dos capitalistas ocidentais
são os dois principais rivais geopolíticos, como os capitalistas ocidentais os
veem: Rússia e China. Esses países são obstáculos no caminho do expansionismo
doentio dos capitais ocidentais na Eurásia e no Pacífico.
Nesse sentido, desgraçadamente, a Ucrânia deve ser vista
como mera cabeça-de-ponte para os planos de golpe e “mudança de regime”, dos
EUA, contra a própria Rússia. Com a ascensão do presidente Vladimir Putin da
Rússia como líder global, que se tem oposto à agressão nua e crua pelo ocidente
a outros países (hoje, declaradamente, no caso da Síria), aquela “obstrução”
elevou a Rússia à posição de objetivo prioritário, para Washington. É o que se
vê nas repetidas ameaças de escalada militarista dos EUA contra a Rússia (e a
China), sob a forma de implantação de mísseis balísticos junto às fronteiras,
expansão do armamento nuclear (eufemisticamente chamado “upgrade”) e a
velada doutrina da capacidade para “o primeiro ataque”.
A Ucrânia ilustra um desdobramento aterrorizante de uma
tendência que se vem desenvolvendo no imperialismo norte-americano ao longo da
última década. A cada dia que passa, mais se vê claramente qual o trunfo a que
visam as várias operações clandestinas conduzidas pelos EUA, para mudança de
regime no mundo: Moscou.
Paramilitares neonazistas agridem forças antitumulto em Kiev |
Mas, na verdade, não é simples caso de os EUA retomarem a
velha Guerra Fria pós-1945 contra a Rússia. A guerra capitalista global
comandada pelos EUA contra a Rússia tem passado mais longo: vai até à Revolução
de Outubro de 1917. O massacre da Rússia Soviética pela Alemanha Nazista foi
plano ocidental para subjugar um vasto território que se posicionara fora do
controle do capitalismo ocidental. (O que é assunto para outra coluna).
Os paramilitares
neonazistas que o ocidente mobilizou para desestabilizar
a Ucrânia (e a Rússia) hoje trazem ecos de uma agenda velha, sistemática, de
golpes para “mudança de regime”, do ocidente imperialista contra o oriente, e
por toda a parte. Nada há de anômalo na associação entre a classe capitalista
dominante e a bandidagem fascista, hoje. Essa é uma associação histórica.
Nota dos tradutores
[1] LÊNIN, Vladimir Ilitch [jan.-jun. de 1916], O
Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, in LÊNIN, Obras
Escolhidas, tomo 2, Lisboa-Moscou: Editorial Avante!/Edições Progresso,
1984.
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[*] Finian Cunningham nasceu em Belfast,
Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de
artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi
expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as
violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo
Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como
editor científico da Royal Society
of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no
jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como
editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os
jornais Irish Times e The
Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um
livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.
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