22/2/2014, [*] MK
Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Arseniy Yatsenyuk (D), Oleh Tyahnybok (E) e Vitali Klitschko (C) após assinatura de acordo com Viktor Yanukovich em Kiev (21/2/2014) |
Depois de oito horas de negociações, que avançaram noite adentro na
5ª-feira (20/2/2014), entre o presidente Viktor Yanukovich da Ucrânia e a “troika”
da oposição, Arseniy Yatsenyuk, Oleh Tyahnybok e Vitali Klitschko, chegou-se a
um acordo, na manhã da 6ª-feira (21/2/2014) em Kiev que, se espera, ponha fim
aos violentos confrontos que levaram a muitas mortes essa semana.
Os termos do acordo foram fixados em declaração
escrita. O acordo foi examinado
por um grupo de enviados europeus e políticos, e por um “representante especial
do presidente da Federação Russa”.
Em seguida Yanukovich anunciou
eleições antecipadas, a volta a um regime parlamentar de governo e que
se constituirá um governo provisório de unidade nacional.
À primeira vista, o acordo tem ares de encobrir uma manobra conjunta de
União Europeia e Rússia, quando, de fato, Moscou continua a manter silêncio
impenetrável sobre os eventos na Ucrânia. A União Europeia, representada pelos
ministros de Relações Exteriores de Alemanha e Polônia, capitalizou a violência
crescente e a indecisão de Yanukovich, para forçar um acordo; e Moscou ficou
sem escolha, além de deixar-se ver como “vai-com-os-outros”.
Com toda a probabilidade trata-se de um recesso. É o que se vê claramente
nos relatórios divergentes publicados por Washington e Moscou do telefonema que
o presidente Barack Obama fez para Vladimir Putin, e da conversa que tiveram,
na 6ª-feira (21/2/2014).
O relatório distribuído pelo Kremlin não menciona o acordo em Kiev; em vez disso
destaca o “trabalho com a oposição radical” que a Rússia culpa por ter criado o
perigoso confronto (por instigação do ocidente, é claro). E o relatório
distribuído pela Casa Branca prefere destacar a “necessidade de
implementar rapidamente” o acordo em Kiev e a necessidade de reformas (neoliberais,
claro) para pôr ordem na economia política da Ucrânia.
Evidentemente, o desacordo EUA-Rússia vai-se aprofundando – embora Obama
tenha acrescentado uma pitada de açúcar à pílula amarga, dando parabéns a
Putin, embora atrasados, pelo sucesso dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi.
Por que “pílula amarga”?
Em resumo: Washington passou a perna em Moscou, num movimento espetacular
(embora sujo) na crise ucraniana. Depois de acender os estopins dos protestos
contra a decisão de Yanukovich de aceitar o resgate de $15 bilhões que a Rússia
ofereceu, o confronto cresceu como bola de neve até se converter em exigência
de “mudança de regime” e rapidamente ganhou proporções de crise, com a injeção
de elementos radicais nos protestos.
Protestos em Kiev após Yanukovich aceitar resgate da Rússia em 22/1/2014 |
A violência subsequente, por sua vez, foi pretexto perfeito para a
diplomacia ocidental de coerção, que tirou vantagem da personagem política de
Yanukovich.
O resultado aí está. Uma “oposição” sem qualquer representação e nutrida
por Alemanha e Polônia está sendo catapultada para o poder; e cria-se um
governo de “unidade nacional”. A questão difícil, porém, vem agora: como
pilotarão o barco ucraniano?
É claro que a geopolítica está no centro de tudo que está acontecendo,
como se vê claramente na reignição das ambições históricas de Alemanha e
Polônia em relação à Ucrânia como sua “esfera de influência”.
Como o Japão no Pacífico Asiático, a Alemanha também proclamou sua intenção de
tornar-se país “normal”; e a Ucrânia é a arena na qual a Alemanha pós-IIª
Guerra Mundial pela primeira vez flexiona seus músculos (diplomáticos).
Na recente Conferência de Segurança de Munique, a Alemanha destacou que
está pronta para liderar. Como está fazendo também com o Japão, os EUA estão
encorajando a Alemanha a tornar-se país “normal”, a inflar suas proezas
militares e exibi-las no cenário mundial quando a segurança coletiva está
envolvida.
Os EUA esperam assim fortalecer sua própria liderança transatlântica; e,
no contexto da Ucrânia, haveria outro ganho adicional para Washington, porque
tudo faz crer que a robusta relação Alemanha-Rússia, que os EUA sempre detestaram,
começa a ser abalada.
Isso posto, a Rússia enfrenta a possibilidade de um regime assumidamente
pró-ocidente substituir Yanukovich. O pior que pode acontecer é esse regime favorecer
o alinhamento da Ucrânia como membro da Organização do Tratado do Atlântico
Norte, OTAN, o que levaria a aliança ocidental literalmente para junto do
portão dos russos.
A Rússia apostou que, afrouxando os cordões da bolsa e oferecendo resgate
que a depauperada União Europeia não poderia superar para reviver a economia
ucraniana, conseguiria impedir que Kiev gravitasse na direção do ocidente.
O ocidente respondeu com mais uma encenação de ‘revolução colorida’.
Simples. O anúncio por Moscou, na 2ª-feira (17/2/2014), de que daria mais $2
bilhões à Ucrânia (além dos $3 bilhões dados em dezembro) com certeza
precipitou a violência dos confrontos e o atual “desenlace”.
A Ucrânia passará por uma “terapia de choque”, se é que haverá “reformas”,
e talvez se qualifique para receber a “ajuda” da União Europeia e do FMI –
desregulação, cortes nos “gastos’”sociais, congelamento de salários e
demissões, pressão contra os sindicatos, etc..
Viktor Yanukovich desembarca em Carcóvia em 22/2/2014 após deixar Kiev |
Mas o país já está virtualmente dividido ao meio, com as regiões do leste
ligadas por laços muito fortes com a Rússia.
Não surpreendentemente, a Casa
Branca festejou o acordo da 6ª-feira (21/2/2014). Moscou, por sua vez,
ainda não se manifestou sobre o acordo – mas Putin aproveitou uma reunião do Conselho de Segurança
para “discutir a situação na Ucrânia”. Em todos os casos, permanece o fato de
que a Rússia conhece a Ucrânia muito mais e melhor que qualquer de seus rivais
ocidentais.
Verdade é que a história
está longe de acabar. A cena em Kiev continua tensa e confrontacional,
e há muitos rumores de que Yanukovich tenha trocado a capital pró-ocidente,
pelo conforto de Carcóvia, no leste do país, área de influência dos russos, e
onde tem sua base de apoio.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor,
jornalista, tradutor e militante de Kerala.
NOTA MUITO ÚTIL, de Tlaxcala, Rede Internacional de Tradutores:
ResponderExcluirA Organização dos Nacionalistas Ucranianos [orig.Organization of Ukrainian Nationalists (OUN)], organização fascista criada em 1929 na Ucrânia do Oeste (então sob governo polonês), dividiu-se em duas em 1940: a OUN-M mais moderada, com Andriy Melnik; e a OUN-B mais radical, com Stepan Bandera. A OUN-B declarou uma Ucrânia independente, em junho de 1941, como estado-satélite da Alemanha Nazista. Todos os grupos direitistas na Ucrânia de hoje apresentam-se como herdeiros das tradições políticas da OUN, inclusive o Partido Svoboda, a Assembleia Nacional Ucraniana, o Congresso dos Nacionalistas Ucranianos e o Setor Direita (Pravyi Sector).