quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Síria: o que Obama pode estar preparando

15/2/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Como escrevi há alguns dias, a narrativa dos EUA está passando por uma sutil modificação (ver traduzido Síria: Obama reexamina a opção militar). Agora, o Secretário de Estado, John Kerry já confirmou que o presidente Barack Obama pediu “várias opções” e uma “avaliação, por necessidade” está a caminho dentro do governo. Separadamente, Washington está também contando com Moscou para pressionar o governo sírio a ceder, o que, nesse caso, significa que o presidente Bashar al-Assad deve renunciar e abrir caminho para um arranjo “transicional”. Impossível essas duas vias serem mais coladas uma à outra.

Claramente, o acordo EUA-Rússia sobre a Síria – ou o que quer que houvesse desde julho passado – está sob estresse. Em discussão o apoio da Rússia ao regime Assad. A expectativa dos EUA parece ser que a Rússia possa e deva forçar Assad a deixar o poder, embora a influência de Moscou sobre a Síria talvez esteja sendo exagerada. Além disso, há uma fundamental  diferença de opinião sobre o que Genebra-1, em julho passado, estaria dizendo com a palavra “transição” na Síria.

Os EUA voltaram também aos jabs de aquecimento no Conselho de Segurança da ONU, com planos para vir a prender a Rússia contra as cordas, como única voz contrária. Jabs de aquecimento, shadow boxing, porque a única questão à mão é a crise “humanitária” na Síria, mas Rússia (e China) suspeitarão (por boas razões) que a “crise” não passa de ponta do iceberg, a preparar o caminho para uma intervenção militar ocidental na fase seguinte.

Purin reuniu seus principais assessores para discutir o terrorismo na Síria (14/2/2014)
Moscou observa com cautela todos esses complicados sinais. Na 6ª-feira (14/2/2014), Putin presidiu uma reunião do Conselho de Segurança que reuniu em Moscou os principais nomes do establishment da política exterior e de segurança, para discutir a Síria. O documento do Kremlin sobre a reunião mencionou Genebra-2, e Moscou pode estar planejando alguns movimentos no plano diplomático.

Abdel Fattah al-Sisi
Claro, não se supõe que Obama ordenará ataque militar à Síria. Há várias panelas no fogo nesse momento – conversações sobre o Irã, processo de paz no Oriente Médio, Ucrânia, pivô para a Ásia e por aí vai. Mas, também, é possível que Obama sinta a necessidade, em termos de política doméstica, de ser visto a fazer “algo” sobre a Síria. Ou pode ser a preocupação de que a diplomacia russa esteja obtendo muitos ganhos no Oriente Médio, à custa da influência dos EUA – como indica a visita do homem forte do Egito, marechal de campo Abdel Fattah al-Sisi a Moscou, nessa semana. Ainda mais preocupante seria a visão de Moscou a estabelecer pontes com o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), e com tão deliciosa facilidade, na liça geopolítica que os EUA consideram sua reserva exclusiva.

Por tudo isso, é possível que no período até as eleições parlamentares de meio de mandato nos EUA, que acontecerão em novembro, é possível que Obama sinta a necessidade de aparecer como “durão” na Síria, com objetivos de exibição. E soa ameaçadora a insistência com que se repete que elementos da al-Qaeda do Afeganistão e do Paquistão, mas ativos na Síria, estariam ameaçando a “segurança da pátria” norte-americana.

Não há como saber até onde a inteligência dos EUA é factual e o quanto de análise equilibrada e séria a acompanha. O currículo de inteligência de má qualidade, maquiada em Washington para justificar intervenções militares pelo mundo, é abissal. De fato, já há quem afirme que o problema da al-Qaeda na Síria, por si só, não é tão grave como tem sido pintado.

Obama faz um brinde à Hollande em recente visita do presidente francês aos EUA
A Rússia ampliou o problema, de início, para sensibilizar a opinião pública ocidental, mas, ironicamente, a coisa acabou por se converter no álibi perfeito para que Obama ordene ataques com drones contra a Síria. Os drones são armas “custo-efetivas”, dramáticas, e criam a abertura para escalar, até intervenção maior, do tamanho que se prefira.

Afinal, pois, a visita de estado do Presidente da França, François Hollande a Washington, essa semana, assume todo o seu vasto significado. O conhecido especialista norte-americano, Charles Kupchan, observou em entrevista a CFR que a visita de Hollande é “sinal de que a Casa Branca entrou em movimento de pivô na direção de política externar mais engajada, depois de meses de foco doméstico”.  

De fato, os políticos com frequência entram em surto de compulsão para agir como estadistas com poder para “decidir”, e as questões de política externa convertem-se em teatros usados para promover agendas políticas domésticas. Assim acontece de ambos, Obama e Hollande, poderem auferir boa vantagem de uma polida nos próprios perfis políticos “lá em casa”. Apertaram-se efusivamente as mãos. Isso é uma coisa. 

 Lavrov reuniu-se com o Conselho de Cooperação do Golfo para analisar a guerra na Síria
Mas, mais importante, permanece o fato de que a recuperação da economia ocidental vai finalmente começando a entrar nos trilhos, e assim se criam os meios para retomar os velhos hábitos imperiais no palco mundial. Essa, precisamente, foi a impressão gerada pelos discursos dos norte-americanos – tanto de Kerry como do Secretário da Defesa, Chuck Hagel – na Conferência anual de Segurança de Munique, há uma quinzena.

E, há dez dias, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, respondeu, pode-se dizer, em discurso comemorativo ao Dia do Diplomata em Moscou; Lavrov disse que essa reversão ao unilateralismo é estrada para lugar nenhum, e que “ninguém consegue assegurar a estabilidade no mundo moderno, nem sozinho, nem, sequer, em dupla”. 




[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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