5/6/2012,
Rússia Today TV,
vídeo
– 26’22”
Transcrição
traduzida pelo pessoal da
Vila
Vudu
Assista
também:
1. 16/4/2012, Assange
entrevista No.1 – “Hassan Nasrallah (Hezbollah)”
4. 8/5/2012, Assange
entrevista No.4 - Nabeel Rajab e Alaa Abd El-Fattah (líderes populares da
Primavera árabe)
7. 29/5/2012, Assange
entrevista No. 7 – “Movimento Occupy London”
Mais sobre esse assunto em:
13/11/2011, redecastorphoto – “30
anos de hacking político” com
Sabine Blanc e Ophelia Noor entrevistando Andy Muller-Maguhn.
Julian
Assange: Está em
curso uma furiosa guerra invisível. Todos os dias surgem novas tecnologias cada
vez mais refinadas para recolher dados privados dos netcidadãos. E o que, hoje,
significa(ria) a privacidade?
Cypherpunks é
movimento que se originou da e-lista “Cypherpunks’ Electronic Mailing
List” , criada por ativistas para melhorar as condições de
privacidade e de segurança na internet, mediante o uso proativo da criptografia.
É movimento ativo desde os anos 1980s. WikiLeaks é um dos muitos projetos que
brotaram da lista Cypherpunks.
Aqui estão Andy Muller-Maguhn,
membro do coletivo alemão de hackers “Chaos Computer
Club”;
Jeremie Zimmermann, um dos cofundadores do grupo francês “La Quadrature du
Net”, que
defende a livre circulação do conhecimento na internet; e Jacob
Appelbaum [2],
pesquisador independente de segurança de computadores, norte-americano, ativista
que atualmente trabalha no projeto Tor, que visa a criar um sistema que
assegure o anonimato online.
Quero
perguntar a eles sobre o futuro da Internet.
PARTE
1
Julian
Assange: Quero
examinar um pouco três liberdades fundamentais. Quando entrevistei o chefe do
Hezbollah, Hasan Nasrallah, perguntei a ele sobre…
Jacob
Appelbaum: O que
há aqui por cima?
Julian
Assange: Ele
também vive numa espécie de prisão domiciliar e não pode sair do lugar onde vive
clandestino.
Jacob
Appelbaum: Acho
que não se pode comparar. Por favor, vamos comparar outras
coisas…[risos]
Jeremie
Zimmermann: Depois,
você pode cortar essa parte, certo?
Julian
Assange: Não,
não não… Quero voltar a essas três liberdades fundamentais: a liberdade de
comunicação, a liberdade de movimento e a liberdade de interação econômica. Se
observamos a transição de nossa sociedade global para a Internet, quando fizemos
essa transição: a liberdade de movimento pessoal manteve-se essencialmente
inalterada, a liberdade de comunicação melhorou muito, em alguns sentidos,
porque agora podemos nos comunicar com muito mais pessoas. Mas, por outro lado,
piorou muito, porque já não há privacidade e nossas comunicações podem ser
espionadas e são espionadas e armazenadas e, como resultado, podem ser
utilizadas contra nós.
Andy
Müller-Maguhn: A
privacidade está disponível, mas custa dinheiro.
Julian
Assange: Sim. É
uma espécie de militarização dessas interações e de nossas interações
econômicas, que sofreram precisamente as mesmas
consequências.
Andy
Müller-Maguhn:
Julian, concordo com o que você diz, mas não tenho muita certeza de que se possa
realmente demarcar alguma diferença entre o ponto 2 [a liberdade de movimento] e
o ponto três [a liberdade de interação econômica], porque a Internet é agora uma
infraestrutura presente em todos os aspectos de nossa vida: sociais, econômicos,
culturais, políticos, enfim, em todos. Por isso, qualquer que seja a arquitetura
da comunicação, o dinheiro é só uma parte, quero dizer: se trata simplesmente de
usar a Internet.
Julian
Assange: Andy,você
estudou por muitos anos criptografía na comunicação telefônica, segurança da
comunicação por telefone, a vigilância massiva que está aplicada nas
telecomunicações. Qual é o estado da arte, hoje, no que se refere à inteligência
do governo, à indústria da vigilância?
Andy
Müller-Maguhn: Sim,
armazenamento informativo massivo de dados significa guardar todas as
telecomunicações que...
Julian
Assange: Você
diz todas as chamadas de voz e...
Andy
Müller-Maguhn: É.
Todas as chamadas de voz, todas as conexões por Internet. De fato, é preciso
entender que, se se comparam o orçamento militar e o custo da vigilância; o
custo dos cibersoldados e dos sistemas de armamento habituais... O armamento
tradicional é imensamente mais caro, se comparados ao custo de cibersoldados. A
vigilância massiva é muito mais barata, é super barata, se comparada ao custo de
um avião militar, que custa...
Julian
Assange:…
centenas de milhões.
Jeremie
Zimmermann: Sim,
mas aqui há dois problemas. Também temos o exemplo do “Eagle”, o sistema da
empresa francesa Amesys, que foi vendido à Líbia de Gaddafi; mas nos documentos
de venda chamava-se “mecanismo de intercepção nacional”. É uma caixa grande.
Você põe onde quiser e ouve todas as comunicações de todos. Podemos discutir
tecnologia, estou muito interessado nisso...
Julian
Assange: Há dez
anos, pareceria fantasia. Pensava-se que só doidos poderiam acreditar que isso
fosse possível. Mas o custo de construir esses instrumentos caiu tanto que até a
Líbia, com relativamente poucos recursos, pôde comprá-lo: tecnologia
francesa.
Jeremie
Zimmermann: Exatamente.
Hoje, é fato. A tecnologia torna possível a vigilância total de todas as
comunicações. Logo, a outra cara da moeda é o que fazemos com isso. Poderíamos
admitir que, para o que chamamos de objetivos tácticos, pode existir um uso
realmente legítimo: os investigadores que caçam os “bandidos” [risos] e gangues
de delinquentes pode precisar, supervisionadas pela autoridade judicial, do
direito de usar esses instrumentos. Mas a questão é como estabelecer a
supervisão judicial, como conseguir que os cidadãos controlem o uso dessas
tecnologias. Aí já é uma questão política. E quando nos aproximamos desses temas
políticos, como dissemos, vêm os políticos e logo escrevem e aprovam leis sem
entender a tecnologia que seja usada.
Jacob
Appelbaum: Por
isso é que tanto se fala em ciberguerra: porque algumas pessoas que têm poder
começam a falar de tecnologia como se entendessem do que falam. E essa gente só
fala de ciberguerra. Nenhum deles, nem um único, fala de construir a ciberpaz.
Nenhum deles fala de coisa alguma que tenha a ver com a construção da paz. Só
falam de guerra, porque a guerra é o negócio deles. Por isso tratam logo de
associar a tecnologia à guerra. O caso é que, se não controlamos a tecnologia,
aquelas pessoas que só pensam em usá-la para seus objetivos, e sobretudo para a
guerra, começam a andar na direção de coisas muito
aterrorizantes.
Julian
Assange: O que
vejo é que está sendo feita a militarização do espaço cibernético, porque já
temos intercepção através das fronteiras
nacionais...
Jacob
Appelbaum: Sistemas
TARGET.
Julian
Assange:... e
há hackers militarizados que trabalham sem cessar para atacar várias
partes da Internet e espionar várias seções da
Internet.
Andy
Müller-Maguhn: Será
que posso discordar sobre usar a palavra “hackers” nesse contexto? Você
está falando de soldados que usam computadores como recursos militares. Isso não
é hacking, nem hackers. [risos]
Julian
Assange: Bom,
não vamos entrar na definição de “hacker”. O que importa é que são civis.
Não há tanques entrando na casa das pessoas (essa sala talvez seja caso
especial), mas a maioria das pessoas não vê tanques dentro da casa, nem
microfones ocultos na sala ou em suas comunidades locais. Mas publicamos toda
nossa vida pessoa em Facebook, nos comunicamos por Internet, por telefones
celulares que são conectados à internet. E os militares controlam, ou as
agências de inteligência controlam esses dados e os examinam. Houve, me parece,
uma espécie de militarização da vida civil.
Andy
Müller-Maguhn:
Exatamente.
Jeremie
Zimmermann: A
pergunta é se se deve regulamentar a compra e a posse dessas tecnologias ou
usá-las...
Julian
Assange: Você
está falando do equipamento de intercepção que se pode usar num país ou numa
cidade ou...
Jeremie
Zimmermann: Como
as armas nucleares. Ninguém pode comprar e vender facilmente armas nucleares.
Alguns países já enfrentam problemas só por que alguém teme que quererem
construí-las. É uma tecnologia regulamentada e seu uso também está
regulamentado. Acho que podemos discutir se temos de considerar essa tecnologia
como uma tecnologia de guerra.
Jacob
Appelbaum: É uma
arma. Disso não há dúvida, em lugares como Síria ou
Líbia. Usam os equipamentos de vigilância para perseguir pessoas na Líbia e
perseguem pessoas também no Reino Unido, usando equipamento francês, que os
franceses consideram arma de uso controlado. Venderam, sabendo o que estavam
vendendo.
Andy
Müller-Maguhn: E não
os venderiam?
Jacob
Appelbaum: E
foram capturados por causa de seus próprios documentos internos, os arquivos
secretos. [risos]
Julian
Assange: Jeremie…
Jeremie
Zimmermann: As
autoridades do Estado e os civis. Esse realmente é um tema que questiona a
própria estrutura de todas as democracias e seu funcionamento. Mas... Agora não
é o momento adequado para lembrar que também existe vigilância privada e
compilação e armazenamento massivos de informação
privada?
(voz
off) Vejam o Google.
Jeremie
Zimmermann: Sim.
Se você é usuário comum, a empresa Google sabe com quem você se comunica, quem
você conhece, que tipo de coisas interessam você, provavelmente sabe sua
orientação sexual, sua religião e filosofia, sabe mais de você que sua mãe e
sabe muito mais, de você, que você mesmo. A empresa Google sabe quando você está
e não está conectado.
Andy
Müller-Maguhn: Você
não sabe o que você estava procurando há dois anos, três dias e quatro horas.
Você não sabe. Google sabe. [risos]
Jeremie
Zimmermann: Eu não
uso Google precisamente por essas razões. Mas quero dizer que não é só a
vigilância patrocinada pelo Estado. É questão de privacidade, de como terceiros
utilizam a informação e o conhecimento real das pessoas e do que fazem com esta
informação.
Julian
Assange: Jeremie,
você também sabe tudo sobre o Facebook?
Jeremie
Zimmermann: Também
não uso Facebook e não sei grande coisa. Mas agora, graças à empresa Facebook é
possível conhecer a atividade recente dos usuários que estão maravilhados porque
podem compartilhar qualquer tipo de informação pessoal e, é claro que não têm
ideia do que fazem, quando publicam fotos deles mesmos bêbados, por exemplo.
Duvido que estejam conscientes do efeito de todo mundo, durante muito tempo, ter
acesso e poder usar essa informação. A empresa Facebook fez seu negócio com um
instrumento que apaga a linha entre a privacidade, a amizade e a publicidade e
também armazena dados que você distribuiu, pensando só em alguns poucos amigos e
pessoas queridas.
Julian
Assange: Essa
linha entre o Governo e as empresas comerciais está se apagando. Basta ver a
expansão do setor de fornecedores privados que trabalham para os militares no
ocidente, nos últimos dez anos. A Agência de Segurança Nacional dos EUA, a
principal agência de espionagem do mundo, tinha dez principais empresas privadas
que lhes vendiam bens e serviços. Agora tem... há dois anos, tinha mais de mil.
A coisa está expandindo-se, apagando as fronteiras ente Governo
e...
Jeremie
Zimmermann: E nem
se discute que as agências norte-americanas de espionagem têm acesso a toda a
informação armazenada na empresa Google.
Julian
Assange: Claro
que têm.
Jeremie
Zimmermann: E,
também, a toda a informação armazenada na empresa Facebook. Claro que, de certo
modo, as empresas Facebook e Google já são extensões do
Estado.
Julian
Assange: Elas
estão processando você?
Jacob
Appelbaum: O que
sei é que...
Julian
Assange: Ontem
recebemos duas notificações.
Jacob
Appelbaum: No
nosso caso com a empresa Twitter... Infelizmente, não posso falar disso, porque
a verdade é que não vivo num país livre.
Julian
Assange: Usam
também o conceito de informação restrita? Descobriu-se que é conceito
inconstitucional, não foi?
Jacob
Appelbaum: Não,
completamente, não. É que... O caso da [empresa] Twitter veio a público, quando
nos negaram
hospedagem,
porque dissemos que divulgar essa informação para o Governo causaria dano
irreparável e o Estado nunca mais esqueceria essa informação, se a recebessem. O
Governo então disse: então, a hospedagem está negada. A empresa Twitter tem de revelar a informação.
Estamos recorrendo contra eles, concretamente, sobre tornar sigilosa a
informação. Não posso falar disso, porque o processo está em andamento.
Mas,
no pé em que estão as coisas hoje, o tribunal descobriu que eles alegaram que,
na internet, ninguém tem o direito de esperar ter privacidade, se
voluntariamente revela informação a terceiros. (A propósito: na internet, todos
são terceiros.) E dizem que a situação é a mesma, também no caso da privacidade
bancária e números telefônicos. Você voluntariamente revela o seu número
telefônico à empresa de serviços de telefonia, cada vez que você usa o telefone.
E você sabe disso, não é? Então, ao usar o telefone, você obviamente declararia:
“não espero que a minha privacidade seja preservada, se digito esses números sem
qualquer proteção”.
Mas
ninguém sabe como funciona a internet. Muito menos sabem como funcionam as redes
telefônicas. Mas os tribunais têm decidido repetidas vezes que as coisas são
assim. É loucura completa pensar que nós revelamos todos os nossos dados
pessoais a essas empresas comerciais e, em seguida, as empresas repassam os
nossos dados ao Estado. É como se a polícia secreta tivesse sido privatizada.
No
caso da empresa Facebook, democratizamos a vigilância e, em vez de eles nos
pagarem por isso, como fez a Stasi no seu país [para Andy Muller-Maguhn], nós é
que pagamos a eles com um certo tipo de cultura. E agora estão todos presos
nessa cultura. Eles denunciam os teus amigos, que esse ficou noivo, que aquele
se divorciou, ah, agora já sei a quem devo telefonar, não é assim?
E
aí está a diferença entre a política de privacidade e a privacidade por uma
abordagem de design para criar sistemas de segurança. Quer dizer: quando
se trata de perseguir gente, e você sabe que vive num país que explicitamente
persegue gente, então... Se a empresa Facebook tivesse instalado seus servidores
numa ditadura oficial... seria negligente, temerária e faria mau negócio.
Trata-se,
de fato, de saber que essas empresas têm grande responsabilidade ética, que
surge do fato de que constroem esses sistemas. Mas não têm nenhuma preocupação
ética e só escolheram por critérios econômicos, principalmente para vender seus
produtos a usuários. Portanto, aqui não se trata da tecnologia.
Não
é questão de tecnologia: é questão econômica. E decidiram que é mais importante
colaborar com o Estado e vender os dados dos usuários – e violar a privacidade
dos usuários e ser parte de um sistema de controle e ser paga por ser parte da
cultura de vigilância e controle – do que se opor ao sistema e à cultura da
vigilância e controle. Então construíram o sistema que hoje exploram, e são
parte dele e são cúmplices dele e são processáveis por
isso.
Julian
Assange: Quero
falar sobre isso. Vejo uma diferença entre as perspectivas do movimento
“Cipherpunk” dos EUA e do movimento europeu, e acho interessante. A 2ª Emenda da
Constituição dos EUA trata do direito de portar armas. Há pouco tempo, num vídeo
sobre o direito de possuir armas nos EUA, via-se, na entrada de uma loja que
vende armas, uma placa em que se lia “Democracia carregada e engatilhada”
[risos]. Assim se asseguram de que não vivem em regime totalitário; todos estão
armados. E, se acham que estejam sendo atacados, pegam as armas e retomam o
controle, pela força. Se voltamos à questão de elaborar códigos criptografados,
secretos, que o Estado não consiga decifrar, de fato foi uma espécie de munição
na guerra dos anos 1990s para conseguir que a criptografia esteja acessível a
todos, que nós, de fato, vencemos...
Jacob
Appelbaum: No
ocidente.
Julian
Assange: Sim,
no ocidente. É uma guerra que vencemos, em grande parte, em cada navegador, mas
que agora, talvez, nem se menciona e que foi desencaminhada. É a ideia de que
não podemos confiar em
que o Governo implemente as políticas que prometeu. E que, por
isso, temos de usar como uma espécie de arma as ferramentas ocultas,
criptográficas, que controlamos, para que, se os ‘cripto’ [orig.
os cyphers] são bons, o Governo não se possa intrometer em nossas
mensagens, por mais que tente. O risco é que ponham microfones ocultos nas
casas...
Jacob
Appelbaum: A
força da autoridade deriva da violência. Mas as pessoas têm de entender de
criptografia. A violência não vai resolver o problema
matemático.
Julian
Assange: Exato.
Jacob
Appelbaum: E isso
é chave. Não significa que não possam torturar você ou por um microfone na sua
casa, ou marcar a sua casa. Significa que, se encontram uma mensagem
criptografada, não importa quanta força ou quanta autoridade tenham para fazer
seja o que for, nunca poderão resolver um problema matemático nem pela força nem
pela autoridade. As coisas são assim, mas isso é incompreensível para quem nada
tenha a ver com a tecnologia. Por isso é preciso explicar tudo mais detidamente.
Se
pudéssemos resolver todos os problemas matemáticos, a história seria outra e,
claro, se qualquer um pudesse resolver os problemas matemáticos, o governo
também poderia resolvê-los. A diferença está aí. Isso é o que muda
tudo.
Julian
Assange: Mas há
fatos. Assim como se podem construir bombas atômicas, o fato de que se podem
gerar problemas globais é real. E é real também que os estados mais fortes
poderão tentar resolver os problemas de forma direta. Acho que isso foi muito
divulgado e ganhou grande popularidade entre os populistas fundamentalistas
[orig.libertarians] da Califórnia e outros que acreditam nesse tipo de
“democracia carregada e engatilhada”. E aqui temos um modo intelectualizado,
inteligente, de fazê-lo, de um par de indivíduos que, com a criptografia,
enfrentam o poder absoluto das superpotências mundiais, e continuamos fazendo,
pelo menos um pouco.
Mas
acho que o resultado possível de tudo isso é que... são forças econômicas e
políticas realmente tremendas, como o Jeremie dizia, e a eficiência real de suas
tecnologias, em comparação com os seres humanos, levará a que, pouco a pouco,
acabemos numa sociedade que viverá sob vigilância totalitária. Com a palavra
“totalitária” quero dizer “vigilância total”. Talvez as últimas pessoas livres
que restarão serão as que saibam usar a criptografia, para lutar contra esse
controle global. Não é essa a direção rumo à qual estamos
andando?
Jeremie
Zimmermann: Primeiro,
se olhamos pela perspectiva do mercado, estou convencido de que há aí um campo
de privacidade para o mercado, que ainda não foi explorado. É possível que haja,
para as empresas, motivos econômicos para desenvolver ferramentas que darão aos
usuários a possibilidade de controlar as próprias mensagens e a própria
informação. Essa talvez seja uma das maneiras de resolver o problema, Não tenho
muita certeza de que funcione sozinha, mas talvez aconteça, e nós ainda não
sabemos.
Também
é interessante que você fale do poder dos “hackers”, em certo sentido, e
são os “hackers” no sentido primário da palavra, não no sentido de
“criminosos”. “Hacker” como o entusiasta da tecnologia, alguém que gosta
de saber como as coisas funcionam, para não virar escravo delas e para conseguir
que funcionem melhor. Suponho que quando tinham cinco, sete anos, tinham uma
chave de fenda e gostavam de abrir os aparelhos eletrônicos e ver como eram por
dentro, não? Pois isso é ser “hacker”, e os “hackers” criaram a
Internet por muitas razões, mas, também, porque era divertido, e a desenvolveram
e nos deram, de presente, a todos. E, então, empresas como Google e Facebook
viram a oportunidade, deram-se conta de que podiam montar um negócio só
recolhendo informação pessoal dos usuários.
O
que vemos hoje é que os “hackers” ainda têm em mãos uma forma de poder. E
o que mais me interessa é que hoje vemos que os “hackers” vão ganhando
mais influência, mais poder também nas arenas políticas.
Julian
Assange: Quanto
à radicalização política rebelde da juventude da Internet, sobretudo nos últimos
dois anos, você tem viajado pelo mundo, falando com gente que quer ser anônima e
ter a própria privacidade respeitada pelos Governos. Esse é um fenômeno que
você, fatalmente, já observou em muitos países. É
importante?
Jacob
Appelbaum: Claro.
Acho que é primordial. Estive em Túnis, depois da queda do governo de Ben Ali.
Há um despertar, está acontecendo. Discordo do que você disse, que tenha
acontecido nos últimos dois anos. Lamento ter de dizer isso no seu próprio
programa [porque parece bajulação], mas você é parte do processo da
radicalização da minha geração. Se eu estivesse metido nisso, eu seria a
terceira geração dos “Criptopunks”.
O
trabalho que você fez com Ralf, sobre o sistema de arquivos Rubberhose foi, em
parte, o que me inspirou a trabalhar com criptoanálise. O sistema de arquivos
cifrados que você escreveu foi a resposta às forças da pesquisa de
regulamentação do Reino Unido, quando o Estado decidiu que uma regulamentação
negativa seria uma solução contra a criptografia, você sabe, desde que
conhecessem a senha de cada um.
No
caso de Julian, quando vocês criaram aquilo, criaram porque os regimes
opressores estavam torturando gente para obter as senhas e contrassenhas, e as
pessoas eram obrigadas a entregar tudo, para não serem torturadas.
Quando
vi o que vocês estavam fazendo, dei-me conta de que era possível usar a
tecnologia para empoderar as pessoas, para que as pessoas pudessem mudar o
mundo, dia a dia.
Portanto,
o movimento dos Cypherpunks é muito mais antigo que dois anos. Você sabe
disso, daquela lista antiga de e-mails, as mensagens de Tim May. E também
as coisas que você [Assange] publicou, as publicações antigas...
Quero
dizer... Começou ali uma geração de pessoas, cada vez mais radicais, porque se
davam conta de que já não estavam isoladas, dissociadas, que valia a pena usar o
tempo para escrever um programa que poderia dar alguns poderes a milhões de
pessoas. Mas o uso dessas ferramentas tem algumas consequências não previstas. O
pessoal que criou o Google não o criou com a intenção de criar a maior máquina
de vigilância que jamais existiu, mas, afinal, criaram exatamente isso. E quando
todos se deram conta, todos começaram a escrever à Agência de Segurança
Nacional.
Jeremie
Zimmermann: Há três
coisas cruciais no que você disse [Applebaum: Só três? (risos)]... dentre outras
[risos]. Uma coisa é o regime autoritário e o poder que tem na era das
tecnologias digitais. O caso do regime de Ben Ali é obvio, e pode-se observar
também em muitos outros regimes. O regime pode ditar a informação que as pessoas
podem saber e com quem cada um pode comunicar-se. É um poder imenso e é preciso
opor-se a esse poder. A Internet, a Internet gratuita, é ferramenta de
resistência. E vocês são especialistas nisso, em criar ferramentas para uma
melhor tecnologia, uma tecnologia que pode escapar de forças como a da censura,
uma ferramenta que seja parte da infraestrutura que nos ajuda a derrubar
ditaduras.
E
outra coisa são as histórias que os políticos contam, a evidência de que, cada
dia mais, usam os meios de comunicação como pretexto, como meios, literalmente,
para comunicar suas histórias... “Seguinte: os terroristas vão matar todo mundo,
e, portanto, precisamos do Patriot Act! A pornografia infantil está em
todos os cantos! Os pedófilos nazistas [risos, risos] estão de olho em você pela
internet, portanto, precisamos de censura...”
Jacob
Appelbaum: Amaldiçoados
pedófilos nazis [risos, risos].
Jeremie
Zimmermann: Esqueça.
Já reservamos o domínio pedonazi.com [risos, risos] E todos os
artistas vão morrer, e o cinema vai morrer e teremos de dar a Hollywood o poder
de censurar a Internet etc. etc.
Acredito
que, mais uma vez, a internet é uma ferramenta e pode ser o antídoto para as
fábulas que os políticos inventam. A narrativa dos políticos baseia-se no
irracionalismo, em emoções e têm de ser instantâneas, sem que as pessoas tenham
tempo de raciocinar. A informação aparece e desaparece no máximo em 24 horas e
já é substituída por outra.
Com
a internet, tenho a sensação de que estamos criando o que chamo de “o tempo
internet”. Dado que a imensa internet nada esquece, nunca, dia após dia, ano
após ano, por anos e anos, podemos construir dossiês. Isso, precisamente, é o
que fizemos contra o ACTA, durante três anos. Usamos o tempo internet e traçamos
nossa própria linha política, análise precisa, muito trabalho braçal, conectando
as pessoas para que também participem.
Julian
Assange: Nós
ganhamos a narrativa, mas, por trás das cortinas, criaram-se tratados bilaterais
secretos que têm o mesmo objetivo, por todos os meios. É destrutivo...
[protestos gerais]
Jacob
Appelbaum: Acho
que temos que destacar que as pessoas que lutam contra o ACTA estão utilizando a
tecnologia que lhes permite fazer oposição. Mas o importante nisso é o
agenciamento das pessoas comuns, não a “bolha dos especialistas em tecnologia”
[orig. technobubble] , as pessoas que realmente estão usando a tecnologia
que lhes permite resistir e fazer oposição. O que importa é que as pessoas se
envolvam na narrativa e a modifiquem, enquanto ainda podem. O mais importante de
tudo é o fator humano.
Assim
como é importante que WikiLeaks tenha publicados documentos que permitem fazer
oposição e que todos tratem de compartilhar a informação. Mas são as pessoas que
tomam essa informação que veem como importante e que a fazem andar adiante.
Porque ainda há o argumento de que vivemos num regime democrático, que somos
livres, que somos governados com nosso consentimento. As pessoas ainda não
entenderam o que está acontecendo, ainda não descobriram que muita coisa se faz
sem nosso consentimento. Quanto mais entendam isso, mais difícil será aprovar as
tais leis pressupostas legais e fazer o que fazem sem o consentimento das
pessoas que são governadas.
Jeremie
Zimmermann: Trata-se
de aumentar o custo político dessas decisões erradas, para os que tomam as
decisões erradas. E isso nós podemos fazer, todos juntos, enquanto tivermos
internet grátis.
Julian
Assange: Calma.
Esperem aí...
Jeremie
Zimmermann: Espere,
espere, acho que... Antes de você recomeçar com seus argumentos negativos, acho
que...
[Fim
da primeira parte. CONTINUA!]
Notas dos
tradutores
[2] Sobre ele, ver “O
Homem Mais Perigoso do Ciberespaço”, Rolling Stone Brasil,
7/12/2010.
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