27/4/2012, Burak Bekdil,
Hurriyet Daily News, Ancara, Turquia
Traduzido pelo Coletivo de
Tradutores da Vila
Vudu
Burak Bekdil |
Os
neo-otomanos em Ancara conseguiram muito habilmente voltar ao seu passado
otomano – embora não aos tempos gloriosos: estão de volta aos dias de declínio
do império.
Os
turcos desempenharam vigorosamente o papel de líderes do mundo muçulmano. Agora
porém, com o mundo muçulmano já profundamente empenhado em uma guerra cada vez
mais provável sobre a linha precária que separa xiitas e sunitas, e com a
Turquia descobrindo-se enredada numa aliança de sunitas... Ancara terá de
contentar-se com, no máximo, a posição de estado-líder de uma seita de
muçulmanos. É fatia bem reduzida do bolo, mas ninguém consegue fingir por muito
tempo que seria tudo ao mesmo tempo.
Os
sunitas árabes estão ligados numa aliança de conveniência com os sunitas turcos,
perfeitamente conscientes de que é aliança apenas temporária. Tão logo a divisão
sunitas/xiitas esteja claramente demarcada, a Turquia descobrirá que não há
irmãos sunitas à sua volta. Descobrirá também que, dessa vez, os irmãos sunitas
veem os turcos como rivais e como ameaça à irmandade árabe sunita – a menos,
evidentemente, que o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan consiga provar que
os turcos, no fundo, são árabes!
Em
artigo recente, a revista The Economist dizia:
Com
um pé no ocidente e outro no Oriente Médio, a Turquia conseguiu servir como
mediadora entre facções rivais no Líbano; entre xiitas e sunitas, no Iraque; e
entre Israel e Síria (até que, em 2009, Israel atacou Gaza).
The Economist citava Nikolaos Van Dam,
ex-embaixador da Holanda em Ankara, para quem “A capacidade de falar com todos
os lados fez da Turquia ator muito efetivo. Mas agora a Turquia escolheu lado”
(Turkey’s foreign policy: “Growing less mild”,
The Economist, 14/4/2012).
Recep Tayyip Erdoğan |
De
fato, há uma década não se via tanta tensão nas fronteiras sul e leste da
Turquia. Hoje, a Síria está convertida, outra vez, em “questão militar”, como no
final dos anos 1990s. Não é segredo para ninguém que o jogo de xadrez entre
turcos e persas já está convertido em guerra fria que só faz esquentar, cada dia
mais. Recentemente, o governo do Iraque declarou a Turquia “estado hostil”. E,
como se sabe, o Sr. Erdogan já não é o astro-ídolo de rock que foi, aos
olhos dos torcedores hooligans libaneses pró-Hezbollah. Alguém aí está
lembrado dos “zero problemas com os vizinhos”?
Para
tornar as coisas ainda mais desagradáveis, há a vastíssima hipocrisia que
contamina tudo que tenha a ver com a crise síria.
Alguns
dos fãs faça-chuva-faça-sol de Erdogan (disfarçados de intelectuais ativistas
pacifistas) advogam explicitamente a favor de “ataques aéreos pontuais” contra a
Síria. Quem atacará? Ah, sim, claro: os norte-americanos atacarão. Mas,
cavalheiros! Vocês mesmos, ontem mesmo, não “exigiam” furiosamente que os EUA
fossem mantidos “bem longe do Oriente Médio”?!
Além
do mais, se “ataques aéreos pontuais” empreendidos por países que tenham poder
de fogo para conter “regimes opressores que atacam o próprio povo” são
considerados remédio legítimo... por que não se ouve qualquer campanha a favor
de os russos mandarem muitos “ataques aéreos pontuais” contra o governo do
Bahrain?
Fato
é que o presidente sírio Bashar al-Assad pareceria terrivelmente simpático aos
olhos dos seus muitos inimigos de hoje se, amanhã, desligasse seu país do eixo
xiita. Já imagino as manchetes nos jornais ocidentais e turcos: “Novas
informações de inteligência revelam que al-Assad foi vítima de propaganda
terrorista. Jornalistas independentes confirmam que al-Assad é inocente...”
Bashar al-Assad |
Semana
passada, Erdogan anunciou, em tom festivo, que as sanções contra a Síria
começavam a dar os resultados esperados, o que se comprovaria pelo fato de que o
governo Assad estava sendo obrigado a distribuir cestas de alimentos à população
síria. Mas... afinal: Erdogan é amigo ou inimigo do povo sírio?! O que haveria a
festejar no suplício do povo sírio? É o mesmo Erdogan que tanto se opôs às
sanções contra o Irã “porque sanções só castigam gente inocente?” Afinal: os
“Amigos da Síria” querem castigar Assad ou querem castigar o povo sírio?
Se todos os sírios fossem rebeldes
e desertores, a população síria alcançaria, no máximo, 1,5 milhões. Mas o FactBook
da CIA informa que a população da Síria é hoje de
22.530.746 habitantes.
Há
hoje na Síria, portanto, senhor primeiro-ministro, 20 milhões de não rebeldes e
não desertores.
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