8/6/2012, Valentina Pop,
EUobserver
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sobre: HABERMAS,
Jüergen [2011], 2012, The Crisis of the European Union: A Response, NY: Polity Press, 140 p.
Jurgen Habermas |
Depois
de dois anos de disputas à beira do abismo e troca de fogo na Eurozona, os
líderes da União Europeia começam a parecer dispostos a voltar à mesa de
desenho, para traçar um plano de longo prazo, segundo o qual a Eurozona
começaria a deixar de ser exclusivamente união monetária, para ser união
política e fiscal. Nesse cenário político, um dos mais respeitados filósofos
contemporâneos, Juergen Habermas, publica seu recente The Crisis of the
European Union: A Response [A crise da União Europeia: uma resposta].
Lançado
em 2011 em alemão, e traduzido em abril de 2012 ao inglês, a “resposta” de
Habermas à Eurocrise clama por mais legitimidade democrática para as
instituições europeias e menos “negociação” e decisões tomadas nas coxias, por
governantes nacionais diretamente pressionados pela rua.
Relembrando
o momento chave, em 2010, quando a chanceler alemã Angela Merkel adiou uma
decisão sobre o primeiro resgate para a Grécia, até depois de eleições regionais
na Alemanha, Habermas escreve: “Foi
quando pela primeira vez dei-me conta de que o fracasso do projeto europeu, sim,
era risco real”.
Merkozy |
O
parceirariato Merkel-Sarkozy foi
responsável pela maioria das decisões, na Eurozona, que levaram todo o projeto
em direção diferente da que o filósofo alemão deseja para a UE. Na tradição do
Iluminismo de Immanuel Kant, Habermas antevê um mundo de cidadãos cosmopolitas,
que dão legitimidade a um sistema político de vários níveis simultâneos –
nacional, europeu e global.
Mas,
em direção oposta a isso, a dupla Merkel-Sarkozy caminhou para formar um
inter-governamentalismo, que é o contrário dos objetivos federalistas do Tratado
que criou a UE. Em 2011, Habermas escreveu:
“Esse
regime de comando central no Conselho Europeu, permitirá que a “dupla” transfira
os imperativos do mercado para dentro dos orçamentos nacionais. Esse processo
envolverá usar a ameaça de pressões e sanções para esvaziar de poder os
parlamentos nacionais, de modo a implementar acordos informais e não
transparentes.”
Alternativa
a isso é “continuar consistentemente na
trilha da domestificação democrática
legal da União Europeia”. Para Habermas, “não há meios para retificar os erros da
construção da união monetária, sem revisar o Tratado”.
Ao
governantes, Habermas aconselha que abandonem a abordagem fragmentada “comandada
por especialistas” e busquem uma luta honesta e “cheia de riscos” com o público
mais amplo.
Para
Habermas, o argumento dos eurocéticos, para os quais estruturas
supranacionais – como a União Europeia – não teriam jamais legitimidade
democrática, é argumento falhado, porque “os povos” da Europa continuam
diretamente envolvidos e são consultados em eleições parlamentares e referendos
em todos os níveis e sobre todas as questões. E, diz ele, é preciso distinguir
entre “soberania popular” e “soberania do Estado” – dois conceitos que
seguidamente aparecem confundidos tanto no discurso dos progressistas como nos
discursos dos conservadores.
A
“soberania partilhada” entre estados-nação e a União Europeia, consagrada no
Tratado de Lisboa, volta aos mesmos cidadãos que desejam que seus governos
nacionais prestem contas de suas políticas domésticas, ao mesmo tempo em que
questões mais amplas – poluição, produção padronizada, transportes – devem ser
tratadas no nível europeu. Mas, como Habermas explica, a estrutura política da
União Europeia criada para governar essa soberania partilhada está carregada de
falhas. Não há “relação simétrica” nas funções e competências dos três
principais corpos: o Parlamento Europeu, a Comissão da União Europeia e o
Conselho de Ministros.
Para
começar, não há lei eleitoral unificada para o Parlamento Europeu – em alguns
países, os deputados ao Parlamento Europeu são escolhidos em eleições diretas;
em outros, são escolhidos a partir de listas partidárias.
Em
segundo lugar, como Habermas escreve:
“O
Conselho Europeu, o segundo na lista de órgãos, abaixo do Parlamento, nos termos
do Tratado de Lisboa, é completa anomalia. Como local ao qual tem assento a
autoridade política dos chefes de governo, o Conselho Europeu é – até mais que o
Conselho de Ministros – o real contrapeso ao Parlamento. Mas suas relações com a
Comissão Europeia, que se autoidentifica como guardiã dos interesses da
Comunidade, ainda não são claras.”
Ainda
que sejam instaurados os adequados controles e contrapesos, o elemento mais
importante para o sucesso da União Europeia continua a ser o conjunto dos
cidadãos, ao qual ninguém parece dar atenção, e a cujo papel todos permanecem
desatentos. A comunicação dentro da sociedade civil só terá lugar “à medida em que as esferas públicas
nacionais abram-se, gradualmente, umas em relação às outras” – escreve
Habermas.
“A
transnacionalização dos públicos nacionais existentes não exige novos tipos de
veículos e mídia, mas, em vez disso, uma prática diferente nos grandes veículos
e mídia existentes. É preciso não apenas que tematizem questões europeias como
tais; têm também de dar conhecimento a todos os cidadãos também das posições e
controvérsias que estejam acontecendo, sobre as mesmas questões, em outros
estados-membros.”
O
trabalho migrante, o turismo de massa e a Internet são, dentre outros, fatores
que tornam irrelevantes as fronteiras nacionais. Com os cidadãos em vários
países – hoje, na Grécia, Irlanda, Portugal e também na Espanha e na Itália –
sentindo o peso das decisões tomadas no nível da União Europeia diretamente
sobre a vida diária, pode-se legitimamente esperar que se interessem e se
engajem também na política da União Europeia.
Nota
dos tradutores:
[1]
Sobre
o mesmo filósofo e livro, há em português, na Revista Fórum, “Jürgen
Habermas, a razão e a Europa unificada. Perdeu, playboy”, 12/12/2011,
exemplo
de triste “crítica”, tão frequente na mídia brasileira, em que o “crítico” está
mais empenhado em fazer ouvir primeiro a “crítica” e, só depois de criticado (na
maioria das vezes, só depois de diluído e esculhambado), o pensamento que
o “crítico” “critica”.
Habermas
não começou a ser hoje o filósofo que é. Ninguém é obrigado a concordar com o
que ele escreve. Mas o que quer que escreva não o torna(ria) “perigoso”, a ponto
de ter de ser desmontado “preventivamente”, antes, mesmo, de ter existido como
assunto fora dos círculos acadêmicos elitizados e nas discussões da opinião
pública no Brasil. Operando como sempre opera, a “mídia”, no Brasil, insiste em
vender mais a própria opinião (ou, pelo menos, em vender ANTES a sua própria
opinião), que o pensamento dos pensadores cujas publicações são tão
semi-noticiadas quanto semi-criticadas).
Mais
interessante, pode-se ler em português um artigo de Habermas sobre o mesmo tema,
de 10/11/2011, publicado no jornal La Repubblica: “O
futuro da Europa entre crise e populismo” (traduzido por Moisés
Sbardelotto para a Unisinos);
interessante e claro, do qual, evidentemente, todos podem discordar (depois de
ler).
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